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Ah, se eu soubesse

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 12/02/2008.

Frase enigmática que por muito tempo intrigou os intérpretes do Ulisses de Joyce, "Women won´t pick up pins. Say it cuts lo." - Mulher não apanha alfinete. Diz que corta o am. (ou em outra opção de tradução, espanta o aman) - esse espanta o aman, ou corta o am, não passa de uma boa mandinga: mulher não apanha alfinete no chão porque espanta o amor, cuts lo(ve), deu pra entender? Bom. Desculpe aí se o mistério acabou de perder a graça.

Ah. Pena que eu não soubesse disso. Já fiz a mandinga contrária, gente, é: me acreditem. E me dei muito mal. Funcionava assim, envolvendo pétalas de três rosas vermelhas - e vela de sete dias, sem fita amarela, e bilhetinhos cortados com o nome do amado - fervidas em água com mel, você besuntada com aquela mistura melada antes do primeiro encontro e o bilhetinho nomeado debaixo da vela acesa de sete dias. Podia até ser que não resultasse em fogo na casa, mas no coração de alguém, jamais falhava. E comigo tampouco falhou: fiquei com o sujeito insistindo na minha cola, bem depois de ter decidido, de ter tentado ardentemente, me afastar para sempre dele, ah! se eu soubesse o macete do alfinete. Apanhava do chão quantos fossem preciso.

Outra superstição divertida contada por Joyce no Ulisses (li por aí que o autor era, ele mesmo, um bocado supersticioso) tampouco me é estranha: a do caso verídico de Cashel Boyle O´Connor Fitzmaurice Tisdall Farrell, um sujeito excêntrico de Dublin que andava na rua pelo lado de fora dos postes. Eu também. Juro. Andava pela rua evitando as pedrinhas pretas do calçadão português em ondas da orla, juro, um hábito estranho - e bastante neurótico, não? - que deu até miniconto:

No posto seis
Gemido pode, se for baixinho. Nua ainda não, mas desnudada contra o vento, no canto do olho apaixonado, quem sabe. Regras deste tipo eram mania dela desde que a vi, de rosto virado pro chão, pisando com cuidado sobre as pedrinhas brancas, no desenho composto da calçada. Pra dar sorte, dizia ela, mas eu pensei: isso não vai dar certo. Quem deu sorte acho que fui eu e agora tento, do jeito que posso, transgredir suavemente o rígido código moral dela. No rosto pode, no lábio mole a língua discreta, oculta no largo da aba, descendo pescoço abaixo pela estampa filtrada da palha, ai, assim não. Na nuca ainda não. Na curva da noite quem sabe, quando a luz já não fosse tão clara... Pelo dorso adentro meu braço na cintura dela, eu mal me agüento mas finjo que aceito flanar por enquanto na sombra dela, o corpo me delata e toca o flanco, branco, preto, branco eu brincando com a sorte de tê-la conhecido, provando o doce e faminto hálito dela ali, gemendo, aiai, se for baixinho pode.

O amor, como a prosa, não tem regra nenhuma. E aparece até no tombo, foi, com essa mania de rosto pro chão, claro, uma obsessão sempre exclui as demais, contando os passos preto no branco ela esbarrou na mesa, derrubou meu chope e aterrissou no meu colo cansado que ao peso ondulante dela se enrijeceu, se lembrou, gritou de desejo no meio do dia. Depois disso não teve mais chope, nem dama, nem carta jogada fora, o tempo encolhido no encontro, apenas o ponto dolorido do toque na queda abrupta dela, nem olhar a bem da verdade teve. Foi preto no branco e eu virei outro, e agora isso pode, aquilo não pode, é por puro amor que se eu penso não digo, se eu quero não faço, se eu gozo não conto até que ela me abrace e me abra a cona, no apartamento apertado com vista pra praça, as cortinas baixadas e a cama desfeita, onde a gente pode tudo.


Tá certo. Eu sei muito bem que esta crônica cairia bem numa subcrônica da subclasse "Joyce no meu cotidiano número xis", mas, ah: cansei disso. Cansei disso como muitas vezes incluída esta cansei de vez de mim. Hora de dar um tempinho, se por outro motivo não fosse, simplesmente porque hoje é domingo, além do mais, aniversário do Alan. Pelo bem das firulas do amor não convém esquecer deste tipo de coisa, e deste amor sem mandiga não quero abrir mão ainda, mas de jeito nenhum. Deixa esse bendito desse alfinete caído aí.

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

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