Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Noga Lubicz Sklar


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Um livro que ninguém lê

por Noga Lubicz Sklar *
publicado em 12/01/2008.

"não se preocupe, não sou tão intelectual quanto pareço. nunca li Nietzsche nem Hegel,
e o Ulisses de Joyce dorme há anos na minha cabeceira, esperando eu ter coragem de atacar.
no entanto, já vi muita coisa... os filmes velhos todos, de Aurora a Caligari. e Fred Astaire e Boggie...
depois Fellini, Almodóvar..."

Noga Lubicz Sklar em "Hierosgamos"


"Eu nunca li "Ulisses" de Joyce e provavelmente nunca o lerei", afirma com uma espécie besta de orgulho o francês Pierre Bayard, autor de um volume fininho e baratinho intitulado "Como falar de livros que não lemos?". Mesmo assim ele se considera apto a fazer referência a Joyce em suas aulas, já que está por dentro do assunto e da "situação" do épico romance. Azar o dele.

Não dá pra negar que uma breve sinopse de Ulisses tem lá sua breve utilidade, o que não substitui em hipótese alguma o prazer de mergulhar plenamente nele. Digamos assim: o enredo é um roteiro de viagem, um bem-bolado folheto de propaganda da agência com uma ou duas páginas e uma bela imagem na capa. Mas quem imagina que só isso basta, que já provoca o tesão - pessoal e insubstituível - da descoberta de um mundo novo, uma outra cultura, paisagens exóticas e o clima excitante do desconhecido, tsk tsk: se ilude. É como, mal comparando, visitar o Louvre pela internet e acreditar-se um connoisseur de história da arte. Ou se contentar com a Monalisa em foto de celular.

Vou contar pra vocês como é que estou lendo Ulisses. Sim, no presente: estou lendo. Porque mesmo que você leia esta crônica daqui a uns dez anos, quando ela finalmente for publicada em papel, isto é, se o papel existir até lá, eu ainda estarei lendo Ulisses. Algo dentro de mim, mais forte que eu, me garante que estar lendo Ulisses é um estado apaixonado de alma, mais ou menos assim como estar casado com a sua alma gêmea. Exagero, dirão alguns. Muitos. Quase todos.

Comecei lendo o Ulisses em português, na versão do Houaiss: a que eu tinha em casa há um bom tempo e nunca tinha tido coragem de abrir. Logo de cara me defrontei com a dificuldade: gente!, não estou entendendo nada!, que raio de palavreado estranho é esse? Tudo truncado, trocado, travestido? Foi quando um amigo querido me indicou a versão online do original em inglês, que acabei comprando pelo correio. Alívio. Tudo começa a fazer sentido, aimeudeus, graças a Deus: eu já estava me sentindo burra. Continuei a leitura, satisfeita, desta vez em inglês e português ao mesmo tempo... Até perceber que, pra fazer jus a uma ou duas crônicas que escrevi e a trechos de traduções que cometi, me sentia obrigada a ler a nova versão para o português de Bernardina Pinheiro. O caso é que com todo o sentido imenso que o Ulisses faz, a gente fica meio perdido num desvio filosófico ou outro, fascinado pelo ritmo, pela droga inebriante da rima, pela graça irônica do texto genial de Joyce e acaba se enganando, acreditando que aquilo é tudo. Que nada. É um vício exigente este tal de Ulisses. Não dá uma semana e você se vê envolvido com especialistas, interpretações, diferentes visões, correspondências mágicas, subtexto do subtexto do subtexto. E de quebra ainda faz uns bons amigos, isso é que é panelinha boa: eu recomendo meesmo. O problema é que nesse ponto você percebe que apenas arranhou a superfície da mina, se satisfez com a pirita dos tolos e nem chegou perto da verdadeira pepita. Tem que começar tudo de novo, já agora tendo lido a sinopse, a descrição dos dezoito capítulos que não existem no livro, o delírio pleno de Joyce que o próprio Joyce deixou de fora, embora mais tarde o confirmasse. É mais ou menos assim como quem se sente o fodão da madrugada aos vinte anos, convencido de que ejaculação é orgasmo. Ou pra falar do ponto de vista feminino que conheço mais, mais sobre isso mais tarde: se contentar com o ardor por desconhecer a vertigem.

Pelo sim pelo não: leiam Ulisses.

"Resumir um romance é tarefa fadada ao fracasso", escreve o crítico José Castello a respeito de Macunaíma, o símbolo modernista da literatura brasileira. "Sua força está na linguagem vigorosa e na mistura de seu enredo". Mário de Andrade acreditava que chegou a ter nas mãos material para obra-prima, mas deixou passar. Foi ele mesmo que apelidou o livro: "Macunaíma - a obra-prima que não ficou obra-prima". Acrescenta o Castello: "uma rapsódia, como as histórias de Homero". Não é o caso do seu contemporâneo irlandês. James Joyce teve nas mãos material para obra-prima. E a criou. Ele mesmo, aparentemente, nunca teve a menor dúvida quanto a isso, e nisso se deu muito bem. Ninguém leu? Azar de quem perdeu, não uma rapsódia, mas - Ó! Maravilha! - uma bem-mais-que-melodiosa sinfonia.

Acompanhe online a criação do meu próximo livro: Crônicas irônicas de Ulisses

Sobre o Autor

Noga Lubicz Sklar: Noga Lubicz Sklar é escritora. Graduou-se como arquiteta e foi designer de jóias, móveis e objetos; desde 2004 se dedica exclusivamente à literatura. Hierosgamos - Diário de uma Sedução, lançado na FLIP 2007 pela Giz Editorial, é seu segundo livro publicado e seu primeiro romance. Tem vários artigos publicados nas áreas de culinária e comportamento. Atualmente Noga se dedica à crônica do cotidiano escrevendo diariamente em seu blog.

Para falar com Noga senda-lhe um e-mail ou add-lha no orkut.

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Olhar longe para frente, por Leonardo Boff.

Há 19 anos no futuro, por Efraim Rodrigues.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos