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A Promessa

por Chico Lopes *
publicado em 21/06/2007.

Falávamos a respeito da comunicação entre os homens. Ele, um correspondente cujo rosto nunca vi e que nunca mais me escreveu, disse, desanimado: "Há uma clausura fenomenológica chamada ego". Sim, a clausura existe, um limite de chumbo imposto pelo Fado às intenções de sairmos de nós. Mas tão forte quanto a clausura é o desejo de auto-transcendência.

Este desespero de urgência de libertação só passa despercebido aos outros porque todos sofremos um treinamento social ininterrupto para ignorar o Ser e cumprimo-lo à risca, pagando muito caro em solidão por isso.

Num bar, em meio a pessoas mais ou menos conhecidas que assistem televisão sem prestarem atenção alguma em mim, sofro, por vezes, uma angústia para qual só o amor ofereceria consolo, mas nada se nota, nada se diz; tudo é distância, indiferença, opacidade. O quê poderia estar sentindo meu vizinho de mesa, absorvido pela televisão talvez por um esforço de fuga à sua clausura, como eu, que para isso escrevo a respeito de minha? Abordar a clausura, mesmo com a inteligência mais clarividente, não implica em extirpá-la, mas em revolvê-la sob todos os ângulos sem nunca atingir seu mais íntimo mecanismo de sombra.

O fato é que somos universos a anos-luz uns dos outros e, quando nos roçamos, a faísca que se produz é a do atrito, não a da harmonia. Esta é a origem do culto da solidão preconizado por Proust, Virgínia Woolf, Clarice Lispector - a perplexidade de que um homem nunca se sintonize adequadamente com o outro, a estupefação com o fato de que não nos assemelhamos a ninguém e de que todas as relações são uma espécie de compromisso forçado para o espírito, uma opressão bem ou mal disfarçada. Temos bem pouco em comum com quem quer que seja. Afinidades são condescendências.

No entanto, não há saída pelos fundos, nossa solidão não nos pode conduzir senão a ela mesma. O salto para o Outro é a coisa mais desejada e evitada do mundo. Vivemos em limiar do conhecimento recíproco, mortos de curiosidade pela incógnita alheia, mas o "por um triz" é infinitamente minado por obstáculos de ordem social, prática etc. Há bom senso demais apartando-nos da Salvação. E ela não surge pela introspecção, pela auto-análise, escavação exaustiva de um solo morto. Só somos alguma coisa quando nos tocamos, nos apaixonamos, ainda que sempre para doer.

O pior amor é superior à melhor masturbação. O eu sózinho é território franqueado a todos os delírios da vaidade, todas as bizarrices de uma falsa onipotência erigida no vácuo faminto. Por outro lado, uma vida social intensa é o meio mais seguro para não se chegar a lugar nenhum. Deve haver sabedoria em algum ponto entre estes opostos, mas descobri-la custa mais do que podemos ou queremos tentar. O único consolo é o de, sabendo que estamos no caminho mais errado e escuro, que somos treva pura e presunção, podermos crer que deve haver alguma coisa parecida ao Bem em alguma parte de nós ou do mundo. Tamanho horror não pode existir sem sua contraparte lógica de claridade. O problema é que nunca, na vida cotidiana, podemos estar certos da superioridade de uma coisa sobre outra, influenciáveis, híbridos e tortuosos como somos. A salvação é um processo imperceptível, bem como a perdição. Só estamos certos de que alguma coisa acontece, nada mais. Mas, como é duro, como é raro acontecer o amar!

Seja como for, tudo isso é discutível, porque faz sentido. Fazer sentido é a grande traição que escrever comete contra a realidade. É um modo de dar algum alimento à ânsia de claridade, mas come-se mais papel que alma. O que acontece de fato só Deus sabe, mas Ele sempre se cala. E nós só falamos copiosamente porque não há palavra alguma que nos satisfaça.

No entanto, deve haver promessas secretas em nosso interior; do contrário, não sobreviveríamos, não duraríamos tanto neste lugar tão despido de amor e vitalidade que lembra um deserto, o Deserto. Redimir, humanizar este Deserto é a nossa missão, mesmo que não a aceitemos. Conscientemente, só temos infinitos de areia, pedra, cacto, sol absurdo e, a uma certa altura, até as miragens nos faltam.

Tudo é rigorosamente seco. Esta secura não é sanável por qualquer chuva, não se convence com oásis improvisados. Esta secura é filha da lembrança de algo muito úmido e humano que não aconteceu, talvez por uma falta primeira que estamos pagando até agora. Nós ainda não conseguimos nascer, eis o pesadelo. Somos este paradoxo: a nostalgia de um projeto.

Mentimos, acumulamos sinais contraditórios, enganamo-nos incessantemente, mas, no silêncio ilúcido, na vastidão do Deserto, um ovo invisível, soterrado na areia, vai chocando com extrema lentidão intemporal uma promessa - e quem sabe não será a Promessa?

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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