Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Alfredo Aquino


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Invenção na Literatura

por Alfredo Aquino *
publicado em 05/09/2007.

Este é um tema crucial na Arte em geral. Fala-se da capacidade de surpreender e de acrescentar algo às nossas vidas, como escritores e como leitores. Falo da Arte e isso engloba as várias manifestações criativas, as da literatura e das artes plásticas, a da música, cinema, teatro ou de outras expressões nas quais um indivíduo ou indivíduos criam e executam algo proposto como criativo, inventado como expressão artística, com maior ou menor talento. Isso diz respeito à autoria, mas creio que diga respeito fundamentalmente ao observador da obra de arte, ao leitor da obra escrita, ou seja - o público será a parcela, provavelmente, mais importante do fenômeno cultural.

Essa minha convicção espelha os meus sentimentos como escritor e como artista plástico, na forma como vejo a obra criada e o seu reflexo, infinitamente maior e mais consistente, na recepção e na interpretação pelo público.

Vamos falar da Literatura. O grande Jorge Luis Borges afirmava que "ler é a outra espécie da felicidade". E Gaston Bachelard, instado sobre a existência ou não do Paraíso, aquiesceu dizendo que o imaginava como uma formidável e estupenda biblioteca. A promessa da epifania e do prazer da descoberta, recorrente e eterno, na leitura dos livros.

Em ambas as afirmações, significativamente está a expectativa dos dois, no papel de leitores, pelas surpresas das invenções escritas por outros.

Em Literatura pode-se inventar formalmente ou em conteúdo. Existe constantemente a busca de maneiras diversas de se expressar, de maneira coloquial, com transgressões de pontuação, com a criação de novas palavras, com coletas de documentos, anexação de imagens, fac-simíles, estruturas gráficas ousadas, propostas de reestruturação estética ou com a revelação de uma narrativa de conteúdo original.

Recentemente Ferreira Gullar, em um artigo sobre os poetas neo-concretistas da década sessenta escreveu acerca de suas dúvidas frente a um manifesto da época, que impunha que a poesia nova e contemporânea deveria ser feita segundo umas determinadas equações matemáticas. Ferreira Gullar refutou o preceito e pediu aos poetas que lhe enviassem esses novos poemas matemáticos. O que nunca aconteceu. Esse fato, de uma invenção proposta teoricamente, que não se concretizou, chama a atenção para duas situações almagamadas: não basta uma proposta inusitada e pretensamente original, é necessário antes concretizá-la (e vai aí muito trabalho, muita atividade árdua para a realização da idéia inicial) e a felicidade de realizá-la com talento.

Poder-se-ia imaginar, por exemplo - formalmente - um romance de umas trezentas e poucas páginas, que começasse com uma maiúscula e seguisse numa linha só, descritivo e com diálogos, ao longo de todo entrecho, pontuado com virgulas e parênteses, terminando centenas de milhares de palavras depois, com apenas um ponto final. Talvez até já se tenha escrito algo assim, mas não se tornou algo conhecido e admirado por muitos. A pergunta que alguém faria... e o conteúdo?

Talvez seja essa a surpresa de imaginação, a originalidade da invenção estruturada no ato de escrever, a que nos seja a mais importante, a experiência mais funda e radical - a do conteúdo literário. É evidente que ela pode vir revestida de outras inovações formais, é bom e é saudável que seja também assim. Cortázar e Ignácio de Loyola Brandão transitaram com desenvoltura nessas lindas experimentações, mas a originalidade da suas invenções esteve sempre estruturada na originalidade da idéia literária, no seu conteúdo literário e na qualidade da sua escrita.

Nesse farol da invenção, há um outro requisito importante. O do conhecimento. Para se ser verdadeiramente original e inventivo, talvez seja necessário antes de tudo ser curioso, ler muito e bem, investigar e pesquisar, a partir de suas próprias vivências e das vivências escritas de outros. É bastante importante que se saiba o que já se fez, o que se faz, como se fez e o que se está fazendo. Para não se inventar o que já se inventou, por exemplo.

O ler muito será, sem dúvida, uma exigência, agradável, ao bom e criativo escritor. O que nos remete àquela afirmação de Borges, a da leitura como a outra espécie de felicidade, que já traz em si uma promessa cativante.

Ler muito nunca será uma demasia.

Aqui gostaria de traçar dois paralelos com as artes plásticas.

É difícil ser verdadeiramente inventivo sem deixar de ser paradigmático. O artista é paradigmático quando os outros se fazem parecidos a ele e não ao revés. É impossível ser inventivo quando a obra de algum artista se parece a de algum outro.

Certa ocasião, frente à pintura de um importante artista, testemunhei uma pergunta de Bertrand Lorquin, filósofo, escritor e conservador-chefe do Musée Maillol, de Paris, ao interloculor que lhe apresentava a obra. "Esse artista gostava muito da obra de De Köoning, não é mesmo"? A pergunta continha duas armadilhas. A resposta positiva denunciaria a influência, talvez excessiva, do artista europeu sobre o seu seguidor, o que retirava parte da originalidade da obra apresentada. Negativa, demonstraria uma ignorância do pintor sobre um dos artistas modernos mais importantes no circuito internacional. Obviamente que o artista, bem informado conhecia bastante bem aquela obra-fonte que o influenciava, o que automaticamente o colocava numa posição de não-paradigmático. O que resultou num interesse menor por parte dos europeus que consideraram não existir naquela obra apresentada uma originalidade singular e sim algo que trazia elementos reconhecíveis e idenficados com outro artista, este sim a semente daquela linguagem.

A invenção está algo ligada ao paradigma.

Foi difícil (e impactante) para Picasso ser cubista em 1907, com "Demoiseilles d´Avignon" ("As Senhoritas do Carrer Avignó - Barcelona), difícil e de demorado reconhecimento... ser cubista hoje, um século depois, é bastante fora de sintonia com o próprio tempo e algo sem interesse para qualquer um aficcionado em arte. É algo estéril fazer hoje uma obra de arte à maneira de Marcel Duchamp, artista este sim inventivo, único e paradigmático, de quem se diz, com propriedade, que a obra, seminal e revolucionária, começa com ele e termina com ele, porque qualquer trabalho outro realizado hoje em dia da mesma maneira, sempre resultará apenas num duchamp inautêntico e apócrifo. Um pastiche daquele artista. Quem pode ser Miró, que não seja o próprio Miro?

Assim vale para a literatura, especialmente quando se fala de invenção literária. Para finalizar este texto, eu ressaltaria dois aspectos que considero importantes: a vivência da fantasia individual do escritor e a técnica pessoal de sua expressão, (aquilo que poderíamos chamar de talento).

Com estes dois elementos o escritor poderá construir uma realidade ficcional que será sutilmente modificada ou recriada pelo leitor, a partir das sua próprias experiências individuais e de sua coleção cultural; e deste processo de conhecimento pela leitura uma nova realidade ficcional resultará numa nova percepção, esta agora, do
leitor.

O escritor poderá criar o seu texto, bem ou mal. Teremos como resultado uma literatura boa ou ruim. O texto poderá ser de granderelevância, de surpresa e de invenção (ou o escritor poderá não ser bem sucedido na sua aventura). Será, normalmente, uma aventura individual, árdua, com todos os seus procedimentos técnicos, a escrita, as correções, o "limar" interminável e exigente do próprio texto, as revisões finais até a edição do livro.

Agora chegamos ao ponto em que entra em cena o grande protagonista, o que parametriza e determina efetivamente, com precisão, o grau de acerto da invenção, aquele que é o mais importante: o leitor.

Essa minha convicção não é uma informação simplória, tampouco uma demagogia.

Nas artes plásticas, na pintura, quando Leonardo Da Vinci pintou a Mona Lisa ele não Decidiu, nem terá sequer desejado, que aquela obra fosse se tornar o ícone em pintura mais reconhecido e celebrado na história da arte ocidental, talvez do mundo. Ele não poderia imaginar esse futuro, ele apenas pintou o esplêndido quadro com o talento e a†ecnica apurada que desenvolvera. Foi o público que elegeu a obra e deu-lhe a dimensão incomum.

Eu busco aqui um exemplo muito específico no qual a presença do leitor será a chave para a dimensão abrangente e mutante do texto, estabelecendo níveis de compreensão transitórios e cumulativos desde as experiências individuais e às releituras do texto pelo leitor. Essa é uma curiosidade e uma interrogação que nos assinala.

Ou seja, o texto é continua sendo exatamente o mesmo, mas a leitura especializa-se nas transformações ocorridas em quem o lê e posteriormente o relê - ele se modifica e se enriquece à partir das mudanças ocorridas no universo de cada leitor, no aprendizado, no sofrimento, nas experiências, no conhecimento adquirido, nas novas leituras incorporadas. O leitor transforma-se com o passar do tempo, com a absorção de novas experiências, o texto já não é percebido da mesma forma, há uma nova avaliação, uma nova exigência, às vezes para melhor, muitas vezes para uma redução na qualidade da avaliação.

Explico melhor citando o Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrel, esse belíssimo conjunto de quatro romances que tanto encantou a Erico Veríssimo. Os quatro livros (Justine, Baltasar, Mountlive e Cléa) contam, em quatro versões diferentes, narradas por quatro personagens com suas respectivas óticas e conhecimentos específicos e testemunhados, a mesma história, que vai se modificando para o único que detém o conhecimento privilegiado das nuances subjetivas que cercam toda a trama. Este é o leitor, que forma a sua quinta versão, somatório interpretado das quatro versões de óticas diversas colando-se às suas próprias experiências existenciais, ora essa versão "definitiva" (que não será também, como veremos a seguir) não está escrita, ela existe apenas na imaginação do leitor. A história inventada pelo leitor.

Digo que ela não é ainda a versão definitiva, uma vez que cada leitor terá a sua em seus próprios tempos. Eu li os quatro volumes em quatro momentos diferentes de minha vida de leitor, e os compreendi que maneiras diferentes, interpretei trechos e reflexões do autor à luz de novas experiências e do amadurecimento pessoal. E os livros sempre me pareceram renovados, mais empolgantes e mais assombrosos na capacidade imaginativa daquele autor. E a minha versão final sempre resultou sutilmente modificada, tendo sido construída página a página em cumplicidade silenciosa com aquele escritor. Ora, como isso pôde ocorrer? O texto original estava ali desde o início... No entanto tudo mudou.

E isso certamente ocorreu e ocorre com todos os leitores que lêem os quatro livros. Terá o escritor previsto essa infinidade de novas versões imaginadas? Talvez, mas a riqueza literária que ele detonou, no conjunto reconstruído por seus leitores é imensa, e esse "volume" de imaginação, se é que podemos chamar assim, é da responsabilidade dos seus leitores.

E me parece que é isso que eterniza os bons livros (como naquele caso do quadro da Mona Lisa), - o livro permanece vivo não porque o autor (em muitos casos, já falecido e ausente) assim o desejou, ele noa tem esse poder de antecipação, permanece, cresce e se renova, constantemente, no ato da leitura, pela presença e pela existência de seus leitores.

Dessa forma eu concluo que o livro existe porque o leitor existe.

Longa vida à Jornada Literária de Passo Fundo/RS.

Sobre o Autor

Alfredo Aquino: Alfredo Aquino é artista plástico e escritor. Seu livro de contos A Fenda foi publicado em 2007, pela Iluminuras. Lançou o livro Cartas, com seus desenhos e contos de Ignácio de Loyola Brandão, igualmente pela editora Iluminuras, em 2004. Edita livros de arte de outros artistas contemporâneos e exerce atividades como curador de mostras de arte contemporânea, escrevendo regularmente sobre as questões vinculadas à sua área de criação e pensamento. A novela Carassotaque é sua primeira publicação em narrativa longa, Iluminuras 2008.

Blog
http://ardotempo.blogs.sapo.pt

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


A tragédia vista de Porto Alegre, por Moacyr Scliar.

O palco é político, mas o drama é individual, por Moacyr Scliar.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos