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Que é ter vergonha na cara?
por Leonardo Boff
*
publicado em 06/08/2007.
É a vergonha na cara que reprime os impulsos para a violação das leis e que freia a vontade de corrupção. Já para Aristóteles a vergonha e o rubor são indícios inequívocos da presença do sentimento ético. Quando faltam, tudo é possível. Foi a vergonha pública que obrigou Nixon renunciar à presidência. De tempos em tempos, vemos ministros e grandes executivos tendo que pedir imediata demissão por atos desavergonhados. No Japão chegam a suicidar-se por não aguentarem a vergonha pública. Ter vergonha na cara representa um limite intransponível. Violado, a sociedade despreza seu violador, pois não se pode conviver sem brio.
Que é ter vergonha na cara? O dicionário Aurelio assim define:"ter sentimento da própria dignidade; ter brio." É o que mais nos falta na política, nos portadores de poder público, em deputados, senadores, executivos e em outros tantos ladrões e corruptos de colarinho branco. Com a maior cara de pau e sem vergonhice negam crimes manifestos, mentem sem escrúpulos nos interrogatórios e mas entrevistas aos meios de comunicação. São pessoas que à força de fazer o ilícito e de se sentir impumes perderam qualquer senso da própria dignidade. Roubar do erário público, assaltar verbas destinadas até para a merenda escolar ou falsificar remédios não produz vergonha na cara. Crime é a bobeira de quem deixa sinais ou permite que seja pego com a boca na botija. Nem se importam, pois sabem que serão impunes, basta-lhes pagar bons advogados e fazer recursos sobre recursos até expirar o prazo. Parte da justiça foi montada para facilitar estes recursos e favorecer os sem vergonha com poder.
No transfundo de tudo está uma cultura que sempre negou dignidade aos índios, aos negros e aos pobres. Roubo-lhes seu valor ético porque a maioria guarda vergonha na cara e tem um mínimo de brio. Como me dizia um "catador de lixo" com o qual trabalhei cerca de 20 anos: "o que mais me dói é que tenho que perder a vergonha na cara e me sujeitar a viver do lixo. Mas não sou "catador", sou trabalhador que com o meu trabalho digno consigo alimentar minha família". Se nossos políticos desavergonhados tivessem a vergonha desse trabalhador, digna e dignificante seria a política de nosso pais.
Sobre o Autor
Leonardo Boff: Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.
De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).
É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.
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