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“A PRISIONEIRA”: é preciso merecer Proust
por Chico Lopes
*
publicado em 01/08/2007.
Os poucos leitores realmente apaixonados por Proust em geral dizem que nada, no campo do Romance, se compara à “Busca...” Infelizmente, para todos os outros escritores, é verdade.
Ninguém foi tão fundo, ninguém disse o que Proust disse, ninguém pode ser relido e relido e relido com tanto proveito quanto o sofrido e multifacetado Marcel. Joyce e Kafka, que são colocados ao lado dele numa espécie de Trindade Augusta do romance do século XX, a meu ver, não chegam perto.
Claro, é uma escolha estética, uma opinião minha. E não tenho outra pretensão além da de ser estritamente pessoal ao afirmar isso. Não sou um crítico propriamente. Sou um leitor apaixonado e também um escritor diante de um escritor que admiro muito. Não acredito que uma objetividade superior e distanciada reine em julgamento pessoal algum.
O problema é a fama de intimidante criada por essa obra-prima. Fama de chatice, inclusive, porque parecem medonhos aquele estilo prolixo, hiper-minucioso, aquele ir e vir arbitrário no tempo, aquele sem-fim de personagens e todo o mundanismo esnobe que cercam a imagem do escritor. Alguém sempre lembra que ele um dia foi colunista social, como se isso bastasse para desqualificá-lo. Gente muito à esquerda, concordando com o ultrapassado Luckács, acha que Proust produziu uma espécie de monstruosidade individualista/burguesa. Um monte de tolices.
Ah, como eu gostaria que as pessoas simplesmente tivessem tempo e paciência para mergulhar nas águas da “Busca...”! Se devidamente banhadas, como eu fui, nunca mais dariam uma importância mais que relativa a outros livros, sem exagero. Proust é um hipnotizador, produziu uma Bíblia para os que querem conhecer verdadeiramente a alma humana.
POR ONDE COMECEI
Quando se trata de um livro “difícil”, é comum que as pessoas peçam para que lhes tracemos uma espécie de roteiro, alguma maneira de facilitar a leitura, de “pegar as chaves”. Acho que essas fórmulas são, além de arbitrárias, limitadoras, quando não burras. Com Proust, começa-se por qualquer lado, vai-se ao essencial por qualquer atalho, há o que aprender em qualquer vereda. O efeito de conjunto virá aos poucos, muito aos poucos, como um tesouro que se adquire com persistência. Quem foi que disse que os livros têm que ser fáceis? Facilitar a vida é empobrecê-la. Leitores de best-sellers de aeroporto não encontrarão nada em Proust porque não o merecem, simplesmente. É preciso merecer o entendimento do septeto que ele criou.
Comecei, como disse, em 1973. E foi com “A prisioneira”, que é o quinto volume, na ordem das edições brasileiras publicadas pela Globo. Eu mal sabia quem era Proust. Tinha quanto a ele o preconceito de meus amigos da época: um prolixo, um pedante, um chato, entomólogo de aristocratas decadentes e entediados. Um desses amigos, ligado às vanguardas da época, me deu a velha edição da Globo, com uma capa que parecia daquelas de embolorados “romances para moças”, e disse: “Você tem mais saco que eu. Tente ler essa porcaria aí...” Achou que eu desprezaria aquilo. Deu-me, sem saber, um tesouro. Nunca mais revi esse amigo para dizer da importância do que me deu.
“A prisioneira”, como resumi-lo? Outra tarefa ingrata e fatalmente simplificadora. O narrador, que ama Albertine, que ele conheceu num grupo de meninas meio rebeldes em Balbec, mantém-na presa em casa, porque morre de ciúmes de suas relações lésbicas. Nunca se viu o ciúme dissecado com tanta precisão como por Proust. Quem quer que tente escrever sobre essa praga de sentimento e não ler “A prisioneira” corre o risco de dizer obviedades. Ele simplesmente engolfou tudo, por todos os ângulos possíveis. Também em “A prisioneira”, temos uma das mais grandiosas e reveladoras do romance: o rompimento dos Verdurin, donos de um salão mundano que é um primor de “amor à arte” e hipocrisia, com o Barão de Charlus. Crente que poderia se impor diante de burgueses aficionados por arte como os Verdurin simplesmente por crer-se superior, amando e protegendo um violinista, Morel, Charlus despenca de seu pedestal numa noite em que Madame Verdurin lhe arma uma perfídia daqueles, malquistando-o com o seu namorado. O mundo do aristocrata é posto em cacos, e ele nada entende do que está acontecendo – havia se acostumado a reinar, com seus caprichos e arbitrariedades de gosto, sobre o salão e seus convivas; de repente, traído, é apenas um animal acuado e patético. Muitos críticos viram nisso um eco da tragédia social de Oscar Wilde. Charlus, em sua arrogância, se esquecera de que vivia em situação socialmente precária, com seu caso público com o violinista. Acreditava que seu talento e seu brilho superariam tudo. Que engano! – esquecera-se que a vulnerabilidade social de um homem brilhante é sempre usada, covardemente, pelos medíocres que ele despreza.
Inimigos de Proust (como D.H Lawrence) costumavam dizer que ele, por amor à dissecação psicológica, matava toda a vitalidade de seus personagens. Não procede. As personagens de Proust são tão vivas, em sua complexidade, que nos espantamos achando-as mais vivas que muita gente real que conhecemos. É possível, com o tempo, conhecer melhor os Cottards, Brichots, Legrandins, Elstires, Odettes, Swans, Saint-Loups e Bergottes do livro – e vê-los reproduzidos, em muitos aspectos, na vida real – que chegar a conhecer, ou melhor, a ter interesse, pela fauna humana opaca que nos cerca. Afinal, a Literatura abre um caminho mais fecundo, pela inteligência, pela universalidade com que pode ler os particulares.
Não deixe de tentar a leitura, alegando falta de tempo ou não querendo mergulhar devido a algum preconceito do tipo que mencionei. Proust é o melhor exemplo do que livros podem nos dar – mundos infinitos, desde que os amemos de fato. Podem significar muito mais que trezentos bate-papos, não sei quantas festinhas, não sei quantos convites para tais ou quais divertimentos. (A esse respeito, aliás, é só ler o último volume, “O tempo redescoberto”, e nunca mais ver reuniões sociais com a mesma complacência). Há em Proust uma moral da solidão, uma ascese pelo exílio, o silêncio, a compreensão do mundo depois da perda radical das ilusões.
É uma coisa de mestre espiritual, embora ele, curiosamente, nunca fale de Deus no seu livro. Mas fala da Graça, ou do “satori”, em outros termos. Com suprema poesia. E toma a arte como uma autêntica religião.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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