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Esporte e democracia

por Moacyr Scliar *
publicado em 16/07/2007.

Até hoje, os EUA lembram o escândalo protagonizado por um famoso comentarista de TV, Demetrios Synodinos, conhecido como Jimmy, "o Grego". Falando sobre o notável desempenho dos negros nos esportes, Jimmy aventurou uma teoria, segundo a qual a origem do sucesso estaria na escravatura e na conformação corporal que gerava. Os donos de escravos teriam estimulado o cruzamento de homens altos com mulheres altas. Conseqüência inesperada: os negros, agora com pernas longas, podiam fugir das plantações. A polêmica custou ao comentarista um emprego que lhe rendia US$ 10 milhões por ano. Ele continuava sustentando que, em realidade, defendera os negros, mas obviamente ninguém acreditava nisso. Vamos supor, por um minuto, que o raciocínio estivesse correto. Sim, os descendentes de escravos seriam mais aptos para o esporte. E daí ? O que teríamos então seria a sociedade autocorrigindo-se desse horror que foi a escravatura. O pódio e a medalha seriam uma justa compensação pelas humilhações sofridas por um sofrido grupo humano.

"O arquiteto judeu Heitor Levy dedicou-se
ao Cristo Redentor com enorme entusiasmo:
o monumento foi, inclusive, confeccionado
no sítio de sua propriedade"

O mesmo acontece com os "Jogos Pan-Americanos". Os atletas que os disputarão são freqüentemente jovens de origem humilde. O esporte lhes dá uma chance, que às vezes não é pequena: pensem em nossa Daiane dos Santos. Mais: as barreiras sociais que cercavam atividades esportivas aos poucos vão caindo. O tênis sempre foi um esporte aristocrático, que exigia quadra, equipamento caro, uniformes; no entanto, a afro-americana Venus Williams acaba de conquistar seu quarto título no torneio de Wimbledon. E o golfe, ainda mais seletivo do que o tênis ? Eldrick "Tiger" Woods, também negro, é um dos golfistas mais valorizados do mundo; antes dos 30 anos, já tinha ganho 13 títulos importantes. Esporte é uma forma importante de consagração pessoal. Nada impede que se transforme também num instrumento de democracia e de justiça social. O "Pan", sem dúvida, dará uma colaboração importante para isto. Falando em tolerância e convivência: na história do Cristo Redentor há um detalhe curioso. O engenheiro-chefe, Heitor da Silva Costa, teve como principal colaborador um outro Heitor, o arquiteto Heitor Levy (1876-1950). Nascido na Itália, Levy, que era de origem judaica, dedicou-se à obra com enorme entusiasmo: o monumento foi, inclusive, confeccionado no sítio de sua propriedade. E ele fez colocar, no peito da estátua, uma garrafa contendo um manuscrito com o nome de seus ascendentes e descendentes, garrafa esta que até hoje está lá. Um legítimo trabalho ecumênico, portanto, que valoriza o triunfo brasileiro. (Publicado no Zero Hora)

[nota] => Parabéns e honras ao 1° medalha de ouro destes jogos: o lutador de taekwondo, Diogo Silva (foto); o paulista disputou final com Peter Lopez, do Peru

Sobre o Autor

Moacyr Scliar: Nasceu em Porto Alegre, em 1937. É formado em medicina, profissão que exerce até hoje. Autor de uma vasta obra que abrange conto, romance, literatura juvenil, crônica e ensaio, recebeu numerosos prêmios, como o Jabuti (1988 e 1993), o APCA (1989) e o Casa de las Americas (1989). Já teve textos traduzidos para doze idiomas. Várias de suas obras foram adaptadas para o cinema, a televisão e o teatro.

O centauro no jardim, A majestade do Xingu, A mulher que escreveu a Bíblia e Contos reunidos são alguns dos livros marcantes de sua vasta obra literária, que soma hoje mais de 70 títulos publicados. Entre os recentes, destacam-se o romance Na noite do ventre, o diamante e o juvenil Um menino chamado Moisés, uma reconstituição imaginária da infância do famoso personagem bíblico.

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