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Yêda Schmaltz e a esteira luminosa de sua poesia

Moema de Castro e Silva Olival*

Yêda Schmaltz é uma das grandes expressões poéticas do GEN (Grupo de Escritores Novos), movimento que abriu fronteiras para a criatividade estética e para as perspectivas dos estudos literários em Goiás, tendo duração, como grupo, de 1963 a 1969, depois sendo lembrado pela atuação de seus participantes - tanto na prosa, quanto na poesia e na dramaturgia - sobretudo os de maior produtividade como Miguel Jorge, Yêda Schmaltz, Heleno Godoy, Maria Helena Chein e que souberam enriquecer seus princípios criadores.

A entranhada consciência feminista de Yêda Schmaltz, seu aguçado poder de lirismo, fazem de sua escritura especial campo de interesse para os que pesquisam a produção literária contemporânea e, sobretudo, para os que percorrem as trilhas da dimensão pós-moderna na poética do Mito. Pela sua requintada sensibilidade, é comparada a Cecília Meireles. Pela agudeza sarcástica de sua verve poética, nós a compararíamos a Drummond. Com fina ironia, retrata a vida em lances repassados de cruel mordacidade.

Avessa,a princípio, a teorias experimentalistas, sobretudo práxis, acaba por se abeberar dos recursos estéticos modernos da pesquisa da linguagem, na multiplicidade de suas dimensões, distinguindo-se, também, pela consciência do fazer poético, este, aliás, um dos traços fortes dos membros do GEN. Sua produção literária é vasta e bem premiada , inclusive em nível nacional.
(...)
A profunda compreensão, da parte de Yêda, do trágico, do mitológico, da ambigüidade dos valores humanos, traz, para o leitor, uma poesia para cuja decodificação se solicita um leitor qualificado, erudito, atento às verdades míticas universais, um intérprete competente dos elementos essenciais da vida e da cultura.
(...)
Cônscia do papel social de que o escritor e poeta devem estar imbuídos, Yêda Schmaltz se revela, portanto, poeta pesquisadora da vida, da linguagem que a retrata, sendo capaz de estruturar, em suas obras, substratos extraídos da cultura universal, como a Mitologia clássica, conforme já visto, e também extraídos de correntes modernas como a Psicanálise. Desta forma, Yêda se torna capaz de nos entreabrir possibilidades de leitura que checam teorias modernas, mas, tudo isto, com maestria e beleza."

OBS: Na obra mencionada GEN - Um sopro de renovação em Goiás, a ensaísta faz estudo crítico de duas obras poéticas de Yêda: Ecos - a jóia de Pandora; Goiânia: Kelps, 1996. (Prêmio da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos) e Rayon - Goiãnia:Fundação Cultural Pedro Ludovico,1997. (Prêmio Bolsa de Publicações Cora Coralina, 1997)

Pequeno trecho de cada um dos ensaios acima mencionados:

De Ecos - a jóia de Pandora:

"Ecos, como passaremos a designar a obra mencionada, é a reedição Schmaltziana dos mitos clássicos, em especial o da sedução, o do amor auto-suficiente: Narciso. E do enfoque deste sentimento pela mulher moderna.

Inspirada pela aura inspiradora do poeta Marcus Accioly - o protótipo de seu Narciso -Y êda Schmaltz, poeta guerreira, intertextualiza os cânones míticos tradicionais, dando-nos, deles, sua visão parodística, revolucionária, como já se percebe no poema inaugural: " Canto ( de Eco)), um eco para Marcus Acciolly".

"É de Marcus a chave de Narciso/ e dele (e nele) a sua marca/ a sua Parca./ Esse amor Suicida, um Kamikase/ No espelho, não é somente meu."(...) (Schmaltz, Yêda, 1996 p. 7) apud ( Olival, 2000 p.78.)

Narciso é poesia, é amor que se impõe, que se basta, que se consome.

Eco é sobretudo Yêda, poeta, também, mas mulher, símbolo das minorias, que se contenta em revivê-la pela memória, imortalizando-a pela palavra.

A figura de Yêda, entrelaçada, na contra-capa, com a ilustração de Eco, a ninfa, reafirma esta sua asserção: " Gosto mesmo é de amar o amor".( Idem, ibidem, p.53).

Narciso-pós-moderno-aciona o grito do amor, mas é agente "computadorizado" da emoção.

Eco - pós moderna - é a voz da ressonância magnética. Guarda, na memória, a lembrança do sentimento idealizado do Amor. E, por isso, não o aceita prepotente, egoísta, impostor. Não o aceita fora de suas perspectivas, de sua dimensão existencial, como deixa patente no poema "10a- eco de Érato".(...).

"A voz de Eco é nada/ é o som do meu silêncio/ é tudo o que me resta/ e quero que me escutes./ Silêncio radical além do verbo/ amor primordial mais que palavra./(...) ".(Schmaltz, Yêda,1996, p. 158 ) apud ( Olival, 2000,p.82).

E do ensaio sobre Rayon, pequena mostra:

"Rayon nos parece uma extensão de Ecos, numa versão especular agora personalizada.

A própria Yêda se nomeia em muitos dos poemas.A simbologia que escondia e universalizava Ecos, agora se desvela, sempre na operação ambígua da metalinguagem, mas percorrendo caminhos de investigação e performance pessoal, tanto no espaço da criação poética, quanto no ato do desempenho amoroso.E o Mito perseguido é o da renovação; da recriação, da inspiração liberada, da subversão, da liberdade iluminada.

Nesta obra, o eu lírico se mostra fragmentado até as suas últimas instâncias, daí o simbolismo da ação fracionária do raio, a ilustrar a capa e sua presença semântica na elaboração do título: R(aion), conforme explica, na orelha, a própria poeta: " Jung tem um livro cujo título é belíssimo: Aion- juntei a ele o erre da palavra raio e daí..." .

Nesta obra, especialmente, Yêda joga com as novas células semânticas, ou seja, com as novas palavras advindas do processo de cortes, como, por exemolo, na palavra ce(l)ulose, desdobra-se uma esteira semântica, tecida em mosaico, e construída pela matéria- prima ( celulose: inspiração) deste espaço que é do céu e do interior de cada um.

Então, a poeta brinca com os valores que a circundam, propondo fórmulas sintetizadoras, reunindo os elementos chaves de sua matéria-prima: espaço exterior e interior, como nos mostra o poema " Oitante- região polar- austral". Vejamos:" Receita para se fabricar/ uma estrela: é só queimar/ átomos de hidro/gênio / por meio da fusão do olhar,/ isto é, nuclear" Schmaltz, 1997, p. 24, apud Olival, 2000 p.91.

Finalmente, nesta síntese de alguns dos ensaios críticos que pude realizar sobre a marcante poesia de Yêda Schmaltz, na intenção de me reunir às homenagens que muito justamente lhe vêm sendo prestadas, homenagens, infelizmente, pós-mortem, gostaria de lembrar fato recente, quando do recebimento, por Yêda, do título de cidadã Goiana - ela que era pernambucana de nascimento , mas que abraçou, desde a infância, a terra goiana - título que lhe foi conferido pela Assembléia Legislativa de Goiás, Nesta ocasião, Yêda lançou seu último livro Urucuns e Alfenins - Poemas de Goyás - (Goiânia: Editora da UFG, 2002) na verdade, poemas, na maioria, extraídos de alguns livros anteriores, como Caminhos de Mim, Secreta Ária, O peixenauta, A Alquimia dos Nós, A Forma do Coração, Baco e Anas Brasileiras, Prometeu Americano, Ecos, Chuva de Ouro, além de alguns inéditos.

São poemas através dos quais Yêda reafirma sua sintonia constante com a nossa cultura, poemas em que patenteia seu entusiasmo e amor pela nossa terra, por suas tradições, pela sua gente, consolidando o perfil autêntico e singular de sua personalidade criadora.


(Retirado do livro GEN: Um sopro de Renovação em Goiás, da ensaísta e crítica Moema de Castro e Silva Olival- (I Prêmio do Concurso Bolsa de publicações Nelly Alves de Almeida-1999). Goiânia: Ed. Kelps, 2000)

Sobre o Autor

Moema de Castro e Silva Olival: Doutora em Letras Clássicas e Vernáculas—1972—pela Universidade de São Paulo. Professora de Língua Portuguesa e de Estilística nos cursos de graduação em Letras, da UFG—aposentada em 1991. Professora de Crítica Literária—Crítica Estilística—nos cursos de Mestrado em Letras e Linguística, curso de que foi fundadora e que coordenou por oito anos. Fundadora e primeira Coordenadora do Centro de Estudos Portugueses da UFG. Editora da Revista do Mestrado—Signótica—por duas gestões: 1988-1990; 1990-1992.

Livros Publicados: 1)O Processo Sintagmático na Obra Literária. Goiânia: Editora Oriente, 1976; 2) O Espaço da Crítica- Panorama Atual. Goiânia: Editora da UFG, 1998 ( 381pp); 3) GEN- Um Sopro de Renovação em Goiás: Vozes representativas.(1 Prêmio do Concurso de Ensaios Nelly Alves de Almeida),Goiânia: Editora Kelps, 2000); e 4) O Espaço da Crítica II— A crônica-Dimensão Literária e implicações dialéticas. Goiânia: Ed. Kelps, 2002.

 

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