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RESENHAS

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Babel

Alberto Lins Caldas*

Alguns já disseram que é um livro de contos fantásticos ou até grotescos, plantados no chão da literatura universal. E ele é. Entretanto fico com o que sempre me “pegou” na leitura de Babel: sua visão cruel sobre o mundo e o homem.

O homem (e seus avessos) que leva até as últimas conseqüências a aventura com a linguagem. Canibal, antropófago, autor devorador, estes escritos nos levam ao desconcerto e nos envolvem estranhamente como feras ou docemente como num sonho.

A leitura é, então, num primeiro momento uma agonia pois o universo que passamos a habitar é cheio de incoerências, avessos, irrealidades que vão tomando as mais diversas formas. Somos feitos muralhas, solitários, tigres, seres informes, dragões, seres invencíveis para em seguida nos tornarmos pequenos seres fúteis, vazios, sombras de nós mesmos.

Um rastilho de pistas percorre o universo dos contos que se constróem sobre seu próprio abalo interior e implode sua tentativa de transformar-se em narrativa. Salvaguardar o animal empalhado vem de encontro com uma lógica destroçada que nos comove.

O escritor, esse ser acossado, vive e revive embates com dragões azuis, com identidades forjadas, com desejos que devoram ou lutam numa auto devoração. A fome que não se aplaca resvala no nosso ser insaciável. Bebemos cada história (?) revendo tudo. O que foi dito e não dito paira sobre nossas vidas ilusórias.

Babel nos suga, nos engole, nos vampiriza como toda literatura feita para incomodar. Tentar encontrar a ordem é inútil, mais nos atinge ainda a desimportância do sentido. Os quebras-cabeça frasais sem encaixes possíveis jogam a linguagem por descaminhos sem fim. Lição joyceana que contamina o universo insone daquele que persegue as palavras inutilmente, pois já não pode encantá-las. A escrita encena assim o seu próprio desconcerto consigo mesma e com o mundo que não se deixa mais representar. Quixote ou Pierre Menard o narrador se debate com os moinhos nos sonhos. Sonhos ou realidade? Já não sabemos.

Nas torres-contos de Babel podemos apreender a atmosfera de cada história que parecem pequenos universos isolados mas que na realidade se unem como um todo indivisível desmentindo assim a profecia babélica. Como leitora Penélope me propus desfazer a trama discursiva e babélica, que me fez usar as armas de Ulisses (marinheiro e Rei) e não esperar tão confiante pelo seu retorno.

Poderia ainda falar de outro avesso de Babel: A poesia que ressoa no conto “Ordog” como um dos seus descaminhos. “...algo em mim caminha sem caminho...” “...basta me deixar aqui sozinho basta ouvir esta sonata...” “...casto silêncio catando a palavra o verso perfeito calva comigo neste silêncio...” “...cinzas cinzas claridade e não colher a palavra...” “...como uma vela no mar completo e eterno compreenderia o silêncio...” “... deixa-me dormir deixamos de ver deixaram-me morrer deixo-te assim entre mil espelhos dentro da velha sinfonia dentro de mim...” “...esse mar entre nós esse mar...” “...não dissemos nada e não falamos tudo e não há nada...” “...no naufrágio dos seus olhos voa o abismo como saída...” “...toda busca é vã e é encontro..” “....existem palavras expatriado deserto extinto viço explode a carne que que te contém face a face falocalo fanfaluca fará sentido depois de tudo farão sentido para os que olham fechaste os olhos e quiseste sonhar feita de desejo e caramelo feita pelo arco da vida feito lunático lundum lustroso ferido de saudade fica em silêncio na treva bem quieto florescem...”

E poderia ainda sair entrar em outras convulsões da linguagem mas não se sabe onde ela começa ou onde termina o que pretendia dizer. Agora vá
leitor: leia Babel e babe!!!

(resenha encaminhada por Sandra Hahn, de Campo Grande/MS)


Sobre o Autor

Alberto Lins Caldas: Escritor e professor doutor pela USP em história oral. Já escreveu outros livros como "História e oralidade"(ensaios) e outro sobre literatura. Tem pelo menos mais uns 10 livros engavetados.

 

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