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RESENHAS
BRASIL: NOVA CARTAGO?
Alaor Barbosa*
Alaor Barbosa, autor de "Um Cenáculo na Paulicéia", cuja resenha encontra-se publicada na VERDES TRIGOS, sob o título de "Lobato Revisitado" enviou-me texto completo de entrevista, autorizando-nos publicá-la, que concedeu ao Jornal Opinião, de Goiânia.
Uma entrevista memorável, no dizer de Manoel Hygino dos Santos, do Jornal "Hoje em Dia", que confirma a vitalidade intelectual de um dos maiores ficcionistas do Brasil. Revela-se sua enorme consciência dos grandes do Brasil e do Mundo. Recebi também pelo correio cópias da publicação no Jornal Opção da memorável entrevista. Li e já faz parte de nosso acervo. Uma preciosidade, que deveria ser publicada e distribuída aos nossos estudantes e leitores, em razão de sua riqueza cultural, filosófica e literária. Entrevista a José Leão Filho (Especial para o Jornal Opção)
“Aquele leilão de paus-de arara", que Antônio Olinto saudou como "obra prima da contística brasileira de agora", está lá, no livro Picumãs, a respaldar por antecipação a denúncia que nesta entrevista Alaor Barbosa atira contra isso que ele vê como um processo de alienação dos escritores em face das questões políticas e sociais. "Quem ultimamente anda opinando sobre tais assuntos" – observa – "são atores e atrizes, cantores e cantoras."
Sem arredar-se da "enorme soma de trabalho" que realiza ou tem projetada – livros, muitos livros –, Alaor Barbosa, aos 62 anos, vive uma fase de madura e eficaz reflexão sobre essa literatura a que se entrega desde os 15, seja escrevendo, seja estudando, seja participando, como espectador arguto ou agente incansável, do vasto espetáculo espiritual de seu tempo, exuberante universo no qual tem logrado inserir-se como um ponto de luz, um mestre das letras no Brasil hoje. Sobretudo na condição de "romancista da província de Goiás", como refere Wilson Martins quando o põe na família de Balzac ou Thomas Hardy, Eça de Queiroz ou Dostoiévski, Graciliano Ramos ou Giovanni Verga.
Após pacificamente opinar que entre as missões da literatura está a de contribuir para a felicidade humana, Alaor Barbosa aponta, quase belicoso, a "necessidade de defender o Brasil defendendo a língua portuguesa", para ele tão ameaçada que o País se arrisca a ter o inglês oficializado como "primeira língua" caso se vincule à ALCA (Associação de Livre Comércio das Américas).
Alaor Barbosa se queixa de não existirem no Brasil uma Sociologia e uma Filosofia capazes de capturar nossa realidade essencial, decifrá-la e oferecer aos brasileiros opções democráticas legítimas. Aposta que a derrocada do comunismo na Europa não afetou o sonho de justiça social; dá seu testemunho e sua visão dos idos de março de 1964; revela suas preferências políticas; regozija-se com a acolhida de seu livro mais recente, Um Cenáculo na Paulicéia, sobre Monteiro Lobato e os amigos intelectuais que com Lobato dividiram a juventude no Grupo do Minarete, nos primórdios do século passado.
Alaor excursiona, enfim, por muitas e diversas paragens do pensamento, inclusive explicando por que, após duas décadas, deixou vazia a cadeira que ocupava na Academia Goiana de Letras, gesto cujas razões se calaram em desconcertante mistério na lacônica mensagem de desligamento.
– Considera boa a receptividade de seu último livro, Um cenáculo na Paulicéia?
AB – Até agora, muito boa. Só me têm chegado elogios. Em menos de dois meses saíram dois artigos em jornal, um de Manoel Hygino dos Santos, o outro de Ronaldo Cagiano, no Hoje em Dia, de Belo Horizonte, reproduzido no Jornal de Letras, do Rio. Sobre o lançamento já houvera um artigo de José Leão Filho, no Jornal Opção, de Goiânia. O editor, Reivaldo Vinas, tem me informado que o livro está tendo muito boa saída nas livrarias em que ele logrou colocá-lo à venda. O problema que ele tem deparado e sofrido está na dificuldade de se colocar o livro nas livrarias. As duas principais redes de livrarias não compram, nem recebem em consignação, livros que não tenham sido editados por editora vista como de grande porte.
Que representa esse livro na sua carreira?
AB – Um cenáculo na Paulicéia resultou de uma dissertação que fiz para concluir o curso de Mestrado em Literatura Brasileira na Universidade de Brasília e que terminei de redigir onze anos atrás. Tendo de escolher um tema para sobre ele dissertar, entre três ou quatro optei por aquele em que poderia com mais facilidade me aprofundar mais. Estudei muito para poder redigir esse livro. Todo estudo, principalmente quando volumoso, intensivo e sistemático, traz muito benefício a quem o realiza: você aprende. Tem uma frase de Thomas Jefferson muito boa: “Quando um homem competente não está de todo a par de um assunto, não há melhor maneira de dominá-lo do que escrever um livro”. (Ele pôs em prática essa diretriz escrevendo um Manual de prática parlamentar.) Neste caso, eu não ignorava o assunto; conhecia-o muito, mas não, a meu ver, bastantemente. Os estudos que fiz e o texto que com base neles redigi me ajudaram muito a alcançar o objetivo de auto-educação que perseguia: suprir sérias lacunas da minha formação e aprendizado literário e artístico.
– Quais os seus projetos literários?
AB – Tenho tanto trabalho projetado que logo penso naquele brocardo atribuído, se não me engano, a Hipócrates: “Ars longa, vita brevis est”. Eu sou pouco, um só, para a enorme soma de trabalho que tenho projetada.
Imediatamente, quero publicar meus contos: os já publicados e os inéditos. Eu os reescrevi a todos, como quem faz o próprio testamento: meu legado à Humanidade. Muita pretensão, não faltará quem afirme. Os livros são cinco, que reduzi a quatro: A espantosa realidade (ou Caminhos de Rafael), Picumãs, Gente de Imbaúbas (Campo e noite), Os rios da coragem. Mais de mil e duzentas páginas. Uma das narrativas eu classifico de novela: a fortíssima estória de um Percival Matoso, que passa quase toda no decênio de 1950. O conto de ação mais antiga passa no decênio de 1860. Os de ação mais recente ocorrem no decênio de 1970. Mais de cem anos de vida num pequeno lugar do mundo: Imbaúbas.
Conforme a época do entrecho, personagens podem ser avós ou pais ou filhos ou netos ou sobrinhos ou primos ou amigos ou conhecidos de personagens que aparecem em outros contos. Três gerações, às vezes quatro. Retrato a gente da minha aldeia a fim de retratar a gente do mundo. Trata-se de uma originalidade, no conto brasileiro, isso de transitar personagens de um conto para outro e de pertencerem eles a mais de uma geração. Aliás, não só nos meus contos, mas também nos meus romances, pois venho compondo uma “Comédia Humana” do Brasil Central.
Meus contos são muito trabalhados. Não me satisfaço com o texto do primeiro jato; burilo infatigavelmente, dez, quinze, vinte vezes, até o texto se tornar bom, digno de ser lido dentro de duzentos, trezentos anos. Eu escrevo de-olho na posteridade. Pretendo que o leitor do século XXIII lendo meus livros saiba como era a vida no século XIX e no século XX numa parte meio anônima do Universo chamada Goiás, uma região situada no coração, no âmago do Brasil. Espero que o leitor do século XXIII leia minhas estórias e se emocione.
Enquanto se processa o penoso trabalho de editoração dos livros de contos, tentarei publicar um estudo que efetuei no ano passado, em dois meses de intensíssimo esforço intelectual, sobre o romance regionalista brasileiro. Dei–lhe o título de O romance regionalista brasileiro. Origens: as obras fundamentais. Evolução: as obras capitais. Focalizo os primórdios do nosso romance no gaúcho Caldre e Fião, no mineiro Bernardo Guimarães, no cearense-carioca José de Alencar, no fluminense Visconde de Taunay; estudo Os sertões, de Euclides da Cunha; focalizo o Gente da gleba, de Hugo de Carvalho Ramos; e, depois de analisar o romance nordestino (José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos) e o sulista (Érico Veríssimo) de 1930, abordo o romance goiano (Bernardo Élis) e o mineiro (Mário Palmério e João Guimarães Rosa) da década de 1950; e da de 1960, com as obras de José Cândido de Carvalho e de José J. Veiga. Entremeio ao levantamento crítico do século XIX, faço um estudo do famoso ensaio de Machado de Assis, “Instinto de nacionalidade”, publicado em 1873, no qual Machado efetuou um balanço muito inteligente e compreensivo da literatura brasileira e afirmou a inevitabilidade do regionalismo na produção literária de qualquer país. Embora esteja introduzindo nesse meu trabalho pequenos acréscimos e melhoramentos, já estou à procura de editor.
Tenciono publicar logo, também, o meu diário literário, que venho compondo desde 1961, e que já se estende por cinco volumes de mais de trezentas páginas cada um. Denominei-o Diário de um escritor brasileiro. Quando decidi organizá-lo para publicar, o título era Diário intermitente. Estou à procura de editor. Não será fácil, pois são quase duas mil páginas. Depois que eu morrer, eu sei, vão verificar – a menos que a burrice das pessoas se prolongue demais através do tempo – que o meu diário é valioso documento de um período importantíssimo da vida do Brasil. Mas quero publicá-lo enquanto estou vivo a fim de presenciar as primeiras reações a esse meu testemunho histórico e autobiográfico.
Tenciono republicar, devidamente reescrito e um tanto estendido ao restante da obra de João Guimarães Rosa, meu ensaio sobre o Grande sertão: veredas, publicado em 1981. De então para cá aumentei e melhorei muito os meus conhecimentos do assunto. Fiz, de 1984 a 2002, algumas proveitosas releituras de livros de Guimarães Rosa e mais cinco viagens (em 1985, 1986, 1992, 1994, 2002) através de Minas Gerais. Quatro delas através do sertão onde ocorrem as suas estórias; a mais longa, em fevereiro, março e abril de 1994, que durou sessenta e seis dias, incluiu o sertão de Mário Palmério e a zona de vivência de Carlos Drummond de Andrade que tem Itabira no centro. Visitei Cordisburgo, Araçai, Itaguara, Paracatu, Curvelo, Corinto, Lassance, Pirapora, Paredão, Montes Claros, São Francisco, Januária, Itacambira, Itacarambi, vários pontos do rio de São Francisco, o rio do Sono, o rio das Velhas, o rio Urucuia, o de-Janeiro, o Abaeté, o Pará, dezenas de rios e cidades e lugarejos. Em minhas viagens a qualquer lugar os meus roteiros são sempre literários. Conheço bem o sertão roseano. Viajei tomando notas, entrevistando pessoas, e fotografando lugares e pessoas. Tenho fotografias que ninguém fez ainda: de Itacambira, onde nasceu Diadorim, e da barra do rio de-Janeiro no rio de São Francisco, onde Riobaldo e Diadorim se conheceram adolescentes. Só falta passar a limpo umas coisas novas que tenciono acrescentar ao livro e reescrever os textos anteriores já publicados. O Reivaldo Vinas, editor de Um cenáculo na Paulicéia, me afirmou que o editará. Aliás ele tem me cobrado o acabamento do livro, mas eu não tive tempo ainda para me dedicar a ele.
Tenho prontos para sair dois volumes de ensaios: O homem e a palavra e Confissões de Goiás, este reedição de um livro de 1968 editado pelo Taylor Oriente em parceria com o Departamento Estadual de Cultura, ao qual acrescentei numerosos ensaios. O homem e a palavra reúne estudos sobre bom número de autores: Homero, Carlos Drummond de Andrade, Thomas Mann, Pedro Nava, etc.
Venho trabalhando há muitos anos no meu romance O exílio e a glória. Um dia ele ficará pronto. Como dizia meu pai: “Se Deus me der vida e saúde”. Quero que ele seja a suma do meu pensamento. Coisa que, na versão publicada em 1980, não conseguiu ser. Ando a refazê-lo livre da auto-censura que, no período de 1967 a 1980, enquanto o escrevia, atuou muito fortemente em minha consciência . É um livro fácil de se converter em obra poderosa: basta suprimir-lhe os defeitos de composição e de linguagem. Essa é a tarefa a que tenho me devotado um tanto intermitentemente. Ele foi um romance de duzentas e poucas páginas; está se transformando num romance cinco vezes mais extenso e minucioso.
Quero escrever também a versão definitiva do meu primeiro romance, Chuva no telhado, ainda inédito. Vinte e quatro horas na vida de um menino de sete anos de idade, em cuja alma instalei uma câmera filmadora que lhe capta os pensamentos, sensações e sentimentos, e lhe grava a voz e a das pessoas que com ele convivem. Escrevi o rascunho em 1966-1967, em Morrinhos. A versão que considerei definitiva durante muito tempo ficou pronta em 1968. No livro Confissões de Goiás, editado nesse mesmo ano de 1968, eu, precipitadamente, anunciei o Chuva no telhado como obra inédita que devia sair logo. E de-fato ele integrava como conto, por ser então um texto pequeno, o livro Campo e noite, que todavia eu publiquei sem ele em 1971. Eu o reescrevi anos depois em Brasília, e lhe dei um outro título: Enquanto o mundo gira. Mais tarde, novamente reescrito, passou a se chamar Belinha. Ano passado eu fiz uma alteração essencial nele: mudei a narrativa da terceira para a primeira pessoa; a estória ganhou muito mais força, intensidade e densidade. Porém, não me satisfaz ainda: está longe disso. Estou esperando o momento de trabalhá-lo para alcançar a versão definitiva. Repito: é o meu primeiro romance, tem quase quarenta anos de existência.
Tenho um outro romance para reescrever: Eu, Peter, um predileto de Deus (cujo primeiro título foi Vida e glória de um banqueiro) e dois par terminar: um deles, um painel psicológico e moral da vida de Goiânia de 1960 a 1985, do tipo Mannhatan Transfer, de John dos Passos e da trilogia Os caminhos da liberdade, de Jean-Paul Sartre; o outro é a autobiografia de um jornalista goiano.
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Sobre o Autor
Alaor Barbosa:
Autor de "Um Cenáculo na Paulicéia", cuja resenha encontra-se publicada na VERDES TRIGOS, sob o título de "LOBATO REQUISITADO"
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