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RESENHAS
A palavra desencantada
Whisner Fraga*
Até mesmo a bruxaria teve de se adequar aos dias correntes, globalizando-se e difundindo-se por meio das tecnologias disponíveis neste século 21. Aquela feiticeira que flutuava pelos céus em sua vassoura mágica e cozinhava em um caldeirão foi substituída no imaginário pela bruxa moderna, que surfa na internet e prepara deliciosas receitas com condimentos ao alcance de qualquer cidadão que vaguear por uma feira de rua. Prima muito próxima do feminismo, reflexo da necessidade de centralização da mulher, sempre à margem de uma sociedade essen-cialmente machista, a feitiçaria, dom, arte, religiosidade ou filosofia, tem por objetivo o enaltecimento do feminino. Só as mulheres são naturalmente bruxas. Os homens podem ter acesso aos conhecimentos que os tornarão magos, mas só com bastante esforço.
Dona-de-casa que divide os afazeres domésticos com a atividade de escritora, conhecida em todo o Rio de Janeiro como excelente bruxa e cozinheira, Marcia Frazão é um bom exemplo de feiticeira contemporânea. Impulsionada pelo sucesso de seus livros de culinária e infanto-juvenis, que a tornaram badalada em todo o país, a ficcionista carioca se aventura pelo romance ao publicar, pela Editora Record, o livro Senhoras do santíssimo feminino. Um vôo muito ambicioso para a maga carioca, que sai um pouco de seu domínio habitual ao transformar numerosas santas em personagens de uma narrativa.
Senhoras do santíssimo feminino narra o conflituoso relacionamento de Virginia e de outras mulheres de um morro do Rio com as santas Genoveva, Joana d´Arc, Marta, Teresa d´Ávila e Rosa de Viterbo, entre várias outras. Transportadas para o cotidiano brasileiro, as santas européias perdem completamente a força que as tornou superiores em comparação aos seres comuns. Ao transformá-las em invejosas, mexeriqueiras, vingativas, Marcia desconsidera o aspecto mítico que culminou em suas canonizações e constrói uma história com protagonistas inverossímeis.
A inverossimilhança se acentua nos diálogos. É até plausível que, em poucos dias no Brasil, Santa Rosa adquira cacoetes tupiniquins e aprenda gírias próprias de nosso idioma, mas no romance a sua fala não convence. A despeito dos diferentes lugares e épocas em que as santas nasceram e viveram, todas elas adquirem a mesma voz: a da autora. Desde Lúcio Cardoso e sua Crônica de uma casa assassinada que o desleixo dos escritores brasileiros com os diálogos vem se acentuando. Marcia Frazão deveria ler mais Luiz Vilela, um mestre nesse quesito. Da mesma forma, as histórias das santas aparecem deslocadas do contexto, tomando a forma de citações enciclopédicas ao longo da narrativa, atravancando a fluência do texto.
Em Senhoras do santíssimo feminino, a trama começa propondo um desafio, uma ressurreição santa, mas aos poucos se torna lerda, arrastada, de modo que o leitor se desanima à medida que avança nas 270 páginas da obra. Marcia Frazão, mesmo sendo uma bruxa de primeira, não conseguiu realizar a difícil mágica de converter uma boa idéia em um grande livro. (Whisner Fraga)
Sobre o Autor
Whisner Fraga:
Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.
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