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RESENHAS

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Safo - Breve Nota e Traduções

Giuliana Ragusa*

A representação de Afrodite na lírica de Safo

Neste livro, Giuliana Ragusa, centrando-se na lírica arcaica de Safo, a célebre poeta da ilha de Lesbos, redimensiona a imagem da deusa Afrodite, complexa e multifacetada, percorrendo, além da literatura, a história, a religião, a arqueologia e a iconografia gregas. Desse trajeto resultam cuidadosas análises, interpretações e traduções dos fragmentos poéticos que chegaram até nós. Assim, o leitor encontrará um denso e estimulante estudo da fragmentária, porém rica, representação sáfica de Afrodite.

Safo nasceu na ilha de Lesbos, provavelmente em Mitilene, por volta de 630 a.C.: eis o que de mais certo sabemos sobre a biografia dessa poeta, a única do período arcaico grego (circa 800-480 a.C.) cuja obra atravessou os séculos e chegou até nós.

..... Em seu tempo, a poesia lírica ainda não se divorciara da música. Ao contrário, era destinada a ser cantada ou recitada com acompanhamento musical numa determinada ocasião de performance. Safo praticou pelo menos três subgêneros líricos que os poemas aqui traduzidos ilustram: monódias, ou seja, cantos solos apresentados com o acompanhamento da lira (fragmentos 1 V, 2 V, 16 V, 44 V, 96 V), cantos corais (fragmento 140 V) e epitalâmios (fragmento 112 V), canções inseridas no quadro da cerimônia de casamento para louvar os noivos ou para celebrar sua união de maneira jocosa, o que denuncia as suas raízes populares.

..... As canções sáficas chegaram-nos em estado material precário: faltam-nos versos, palavras, inícios e finais de suas composições. Na realidade, tudo o que temos são fragmentos, denominação mais apropriada. Nem por isso a força da lírica de Safo foi comprometida: desde a Antigüidade até hoje, os ecos de seus versos e mesmo dos mitos e das ficções em torno de sua ignorada biografia se fazem ouvir nas obras da literatura ocidental, seja na prosa, na poesia ou no teatro.

..... Na tradução, note-se que seus fragmentos não têm títulos, mas números que normalmente coincidem nas suas duas edições mais importantes de Safo: Poetarum Lesbiorum Fragmenta (1955), de Denys Page e Edgar Lobel, e Sappho et Alcaeus: fragmenta (1971), de Eva-Maria Voigt.

De florido manto furta-cor, ó imortal Afrodite,
filha de Zeus, tecelã de ardis, suplico-te:
não me domes com angústias e náuseas,
........veneranda, o coração, ...............................................................................4
mas para cá vem, se já outrora -
a minha voz ouvindo de longe - me
atendeste, e de teu pai deixando a casa
........áurea a carruagem ................................................................................... 8
atrelando vieste. E belos te conduziram
velozes pardais em torno da terra negra -
asas rápidas turbilhonando, céu abaixo e
........pelo meio do éter. ....................................................................................12
De pronto chegaram. E tu, ó venturosa,
sorrindo em tua imortal face,
indagaste por que de novo sofro e por que
........de novo te invoco, ....................................................................................16

e o que mais quero que me aconteça em meu
desvairado coração. "Quem de novo devo persuadir
(?) ao teu afeto? Quem, ó
........Safo, te maltrata? ....................................................................................20
Pois se ela foge, logo perseguirá;
e se presentes não aceita, em troca os dará,
e se não ama, logo amará,
........mesmo que não queira". ......................................................................... ..24
Vem até mim também agora, e liberta-me dos
duros pesares, e tudo o que cumprir meu
coração deseja, cumpre; e, tu mesma,
........sê minha aliada de lutas. ...........................................................................28


Fr. 2:

Para cá, até mim, de Creta, (para este?) templo
sagrado, onde (...) e agradável bosque
de macieiras, e altares nele são esfume-
........ados com incenso. .....................................................................................4
E nele água fria murmura por entre ramos
de macieiras, e pelas rosas todo o lugar
está sombreado, e das trêmulas folhas
........torpor divino desce. ...................................................................................8
E nele o prado pasto-de-cavalos viceja
(...) com flores, e os ventos
docemente sopram (…)
Aqui tu (...) tomando, ó Cípria*,
nos áureos cálices, delicadamente,
néctar, misturado às festividades,
........vinho-vertendo ... ....................................................................................16

*: outro nome de Afrodite.


Fr. 16:

Alguns, renque de cavalos, outros, de soldados,
e outros, de naus - sobre a terra negra dizem
ser a coisa mais bela, mas eu (digo): o que quer
........que se ame. ..............................................................................................4
Inteiramente fácil fazer compreensível a
todos isso, pois a que muito superou
em beleza os homens, Helena, o marido*,
........o mais nobre, ............................................................................................8
tendo deixado, foi para Tróia navegando,
até mesmo da filha e dos queridos pais
completamente esquecida, mas desencaminhou-a
........Afrodite (?) .............................................................................................12
........(...)
(...) agora traz-me Anactória à lembrança,
........a que está ausente, ..................................................................................16
Seu adorável caminhar quisera ver,
e o brilho luminoso de seu rosto,
a ver dos lídios** as carruagens e a armada
........infantaria... ....................................................................................................20

*: Menelau.
**: povo da antiga Lídia (atual Turquia), bem próxima de Lesbos, poderosa e rica em ouro.


Fr. 44:

(...)
Veio o arauto (...)
Ídaos (...), veloz mensageiro:
"(...)
Heitor e os companheiros a de vivos olhos trazem ...................................................5
de Tebas sacra e da Plácia de fontes perenes - ela,
delicada Andrômaca -, nas naus, sobre o salso
mar. E muitos braceletes áureos e vestes
de púrpura fragrantes, adornos furta-cor,
incontáveis cálices prateados e marfins". .............................................................10
Assim ele falou; e rápido ergueu-se o pai querido, Príamo;
e a nova, cruzando a ampla cidade, chegou aos amigos.
De pronto os troianos às carruagens de boas rodas
atrelaram as mulas, e nelas subiu toda a multidão
de mulheres e junto as virgens (...), ....................................................................15
mas apartadas as filhas de Príamo (...)
e cavalos os homens atrelaram aos carros (...)
... rumou (...) em direção a Ílio*,
e a flauta de doce som (...) se misturou
e o som das castanholas (...) e então as virgens ...................................................25
cantaram uma canção sacra e chegou aos céus
eco divino (...)
e em toda parte estava ao longo das ruas (...)
crateras e cálices (...)
mirra e cássia e incenso se misturavam, ..............................................................30
e as mulheres soltavam alto brado, as mais velhas,
e todos os homens entoavam adorável e alto
peã a Apolo invocando o Arqueiro habilidoso na lira,
e hineavam Heitor e Andrômaca, semelhantes aos deuses.**

*: outro nome de Tróia.
**: Os personagens citados fazem parte da realeza troiana retratada na Ilíada de Homero (c. 750 a.C.?). Note-se que, no épico, Apolo, como outros deuses, coloca-se ao lado de Tróia e contra os gregos, que, por sua vez, também tinham deidades que os favoreciam, como Atena.


Fr. 96:

(...)
Mas agora ela se sobressai entre Lídias mu-
......lheres como, depois do sol
...............posto, a dedirrósea lua ........................................................................8
supera todas as estrelas; e sua luz se es-
......parrama por sobre o salso mar
.......e igualmente sobre multifloridos campos. ......................................................11
E o orvalho é derramado em beleza, e bro-
.....tam as rosas e o macio ce-
........refólio e o trevo-mel em flor. .....................................................................14
E (ela) muito agitada de lá para cá a re-
...cordar a gentil Átis com desejo;
...decerto frágil peito (...)? se consome. ..............................................................17


Fr. 112:

.............................Ó feliz noivo, tua boda, como pediste,
.............................se cumpriu, e tens a virgem que pediste.
.............................Tua forma é graciosa, e (....) olhos de
.............................mel, e amor se derrama na desejável face
.............................(...) honra-te em especial Afrodite...


Fr. 140:

............................."Morre, Citeréia*, delicado Adônis. Que nos resta fazer?"
............................."Golpeai, ó virgens, vossos seios, e lacerai vossas vestes..."**


*: outro nome de Afrodite.
**: nos mitos antigos, Afrodite e Adônis são amantes separados pela morte dele, que ocorre no auge de sua juventude e virilidade.


Sobre o Autor

Giuliana Ragusa: Giuliana Ragusa é professora de Língua e Literatura Grega da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, onde defendeu sua dissertação de mestrado "Fragmentos de uma deusa: a representação de Afrodite na lírica de Safo" (agosto de 2003), que se encontra na biblioteca da Faculdade de Letras da USP.
É autora do artigo intitulado "De compositione uerborum: apontamentos para uma reavaliação do tratado de Dionísio de Halicarnasso", da revista especializada Letras Clássicas, número 4, 2000 (2002), p.137-154, publicada pela Editora Humanitas, São Paulo.

 

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