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RESENHAS
Os sexos da palavra
Whisner Fraga*
A desgastada frase de Leon Tolstoi 'Se alguém quer ser universal, deve cantar a própria aldeia' há muito carece de uma atualização. A própria assertiva urge uma adaptação para a realidade não só de uma tribo que aspira a um papel mais importante no palco literário mundial, como também para a contemporaneidade a que qualquer indivíduo está sujeito. Esta aldeia a que se refere o escritor russo pode ser uma cidade, uma aglomeração social, se tomada no sentido literal, ou outros 'lugares', incluindo-se aí subclasses, povoações virtuais e o próprio ego. Rosângela Vieira Rocha, discípula de Tolstoi, em seu último livro de contos, Pupilas ovais, recém-lançado pela LGE, de Brasília, entoa sua experiente voz para discorrer sobre uma comunidade que coincidentemente é a sua: a das mulheres.
Se até mesmo a frase 'universo feminino' já se tornou um lugar-comum, resta algo a acrescer sobre o assunto? Sim. Para o bom narrador, nenhum tema jamais estará completamente esgotado. Sabedora desta regra, Rosângela maneja sua pena com cuidado para dar vez às mulheres, de modo que elas possam expor a sua versão dos fatos.
Rachel Jardim, no prefácio do livro, adianta uma discussão sobre a existência ou não de uma literatura feminina. Há um aspecto desta polêmica que merece uma observação. Existe uma literatura feminina brasileira, muito bem representada por Hilda Hilst e Clarice Lispector, por exemplo, feita por e para mulheres. Que importância tem essa existência para a crítica? É apenas um dado a mais na busca da qualidade.
Ao deixar transparente o partido que toma, Rosângela perde a isenção e sai em socorro das mulheres, tratadas invariavelmente em seus contos como vítimas dos homens ou de sua própria condição. O que é perfeitamente plausível. Foi apenas uma escolha. Por um viés masculino, em contrapartida, encontram-se casos aberrantes de machismo em inúmeros contos ou romances da literatura mundial. Não merecem maiores comentários quando se trata de textos esteticamente irrepreensíveis.
Para as grandes editoras brasileiras, a qualidade não é um critério de seleção, ou pelo menos não é o mais importante, o que faz necessário um rastreamento mais profundo do que vem sendo lançado por editoras menores, que arriscam em talentos, para que se possa mapear de forma metódica a literatura brasileira contemporânea.
Sustentada por uma memorabilia que reforça o caráter irremediável dos relacionamentos humanos, a proposição de Rosângela é coerente com os dias atuais, em que a competição desregrada, a correria indômita e a necessidade do sucesso tamborilam incessantemente na cabeça das pessoas, tornando-as inaptas para a convivência.
Distante do tom perdulário e incoerente dos contistas mais jovens, Luiz Ruffato acertou ao convidar Rosângela a integrar a sua antologia de mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira, lançada pela Record, provando estar atento ao que se publica fora do célebre eixo Rio-São Paulo. (Whisner Fraga)
Sobre o Autor
Whisner Fraga:
Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.
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Logo se percebe que esse autor, de escita musical, apresenta mais do que uma reconstituição das tortas relações "primitivas". Pois o que realmente está em questão aqui é uma certa dormência no ato de viver, uma flutuação sem destino aparente, vivida por criaturas à beira de um idílico estado demencial.
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