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Scliar explora dois percursos narrativos em sua nova obra

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Um diamante é, digamos, a "pedra de toque" desta nova ficção do escritor gaúcho Moacyr Scliar, colunista da Folha, a qual apresenta dois percursos narrativos claros.

O primeiro, que segue até a metade do romance, descreve o périplo do mineral, tirado das entranhas de Minas Gerais, passando pelos Países Baixos até chegar ao Leste Europeu. O segundo, centrado na figura do judeu Guedali, conta como o diamante foi parar em seu ventre e, a partir daí, como o incidente marca a vida do personagem, que emigra com a família da Rússia ao Brasil.

Vemos então um deslocamento em duas direções: do Novo ao Velho Mundo e do Velho ao Novo, fechando o círculo. No que se refere ao diamante, o percurso salta de uma marcha épica para um relato de conotação mais íntima, existencial. Na primeira parte, o diamante passa de mão em mão, e a narrativa, igualmente, desloca-se de personagem a personagem, como num mapa em que os pontos geográficos vão sendo aos poucos iluminados de acordo com o foco do interesse.

As luzes podem estar sobre o cristão-novo Gaspar Mendes que, no século 17, leva para a Europa um punhado de diamantes brutos da fictícia vila de Arraial da Cabra Branca. Ou sobre o maligno Pedro do Carmo, caçador de judeus a mando da Inquisição. Ou em Diogo Moreino, que rouba o diamante já lapidado da casa do filósofo Spinoza.

Não se trata da única figura histórica retratada ou mencionada (dentre outras, temos o padre Vieira e o revolucionário Trótski), mas sem dúvida é a principal. Como se sabe, o filósofo exercia o ofício de polidor de lentes, o que suscita o seguinte comentário, acerca de suas idéias: "Dentro de cada complexa, obscura proposição, parece haver outra, ainda mais complexa e obscura. Algo semelhante aos segmentos da luneta que se encaixam uns nos outros".

Podia ser uma alusão à técnica narrativa de Scliar, neste livro. O autor também não só encaixa um fragmento no outro, como também, por meio desse percurso intrincado, chega mais próximo (como a luneta o faz) do seu assunto.

E o assunto é o modo como seu herói guarda dentro de si essa pesada herança, que ele preferia não ter "engolido", mas, uma vez na pança, recusa que de lá lhe seja extraída. A herança inclui a filosofia de Spinoza e as idéias revolucionárias de Trótski, assim como as acusações sobre a crucificação, as perseguições do Santo Ofício e dos pogroms na Rússia.

Como em outro romance de Scliar, "O Centauro no Jardim", a herança lhe é presa ao corpo como se por um acidente genético: naquele, o herói nasce meio cavalo meio homem; neste, com uma espécie de bolso intestino, em que se aloja o diamante. Ambos foram escolhidos. Mas nenhum dos dois queria ter sido.

São considerações como essas, provocadas por "Na Noite do Ventre, o Diamante", que confirmam a importância da obra, densa de idéias, imagens e indagações. Se aqui e ali se pode discordar de escolhas técnicas do autor ou se a primeira parte possa parecer narrativamente mais rica que a segunda, não há nada que desabone a força do romance como um todo.
(MARCELO PEN)

Resenha publicada na Folha de São Paulo

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