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RESENHAS

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A Palavra Definitiva

Whisner Fraga*

Tendo iniciado seu percurso literário com alguns livros de poesia e uma novela juvenil, entremeando colaborações e resenhas em diversos jornais, Ronaldo Cagiano firma-se definitivamente na ficção com este segundo volume de contos. Após o premiado Dezembro indigesto, o escritor mineiro radicado em Brasília mal deixou a poeira abaixar e nos apresenta Concerto para arranha-céus, mais um exemplo de vitalidade dos autores da nova geração.

Novamente o autor utiliza o cotidiano como matéria de sua literatura. E é uma matéria áspera, injusta, melindrosa, que não permite retoques feitos por artesãos inexperientes. E as mãos de Ronaldo estão ainda mais habilidosas. Os temas são corriqueiros, pequeníssimos recortes da vida e é daí que o contista extrai uma prosa densa, incisiva, inquietante e muitas vezes desesperada. Continua dissecando as tragédias interiores de seus protagonistas sofridos, com tal veemência e talento que não nos resta outra alternativa, senão sucumbir à nossa (vil) condição humana.

Ao lermos as epígrafes, percebemos que a cidade é personagem principal nesses contos. Não somente a metrópole, tão apreciada pelos contemporâneos, como pode dar a entender o título aos leitores mais apressados, mas também as cidades do interior, com sua fauna igualmente peculiar de seres, coisas e situações.

É a cidade que impele seus habitantes a atos que não tomariam se participassem de outro habitat, invocando uma simbiose na qual essas atitudes fazem dela um ser orgânico e participante do cotidiano de seus moradores. É o concreto vingando em seu destino de prédio.

Há Minas em seus contos, mas também há Brasília, São Paulo, Paris. Não que os universos precisassem dessa migração (não podendo ser entendida como ampliação do espírito humano) das personagens, mas necessitam como parte de seu processo de caracterização: um lugar não pode ser como o outro, a sociedade é singular, também o devem ser as histórias que se passam em ambientes distintos. Existe também um misto de melancolia e mágoa em relação à sua terra natal, cujo destino foi retórico por autoridades sinistras, e que já não é a mesma Cataguases da infância do autor, mas é um sentimento de quem conhece profundamente a natureza que criou e que, portanto, pode criticá-la como uma mãe procede com o filho que ama.

A reação ao sistema que impera nas grandes cidades, principalmente à Brasília burocrática e irreal, está presente, estão ali os bancários bovinizados, os fast foods cheios de pessoas vazias, o cinismo dos congressistas, mas também notamos a decadência das cidades pequenas: a tribuna do disse-me-disse, o golbery municipal habitando um corcunda, os maus políticos nenhum agrupamento social escapa ao olhar crítico de Ronaldo.

Além disso, o arranha-céu chegou ao campo. As cidades explodem e cospem os menos preparados para as cadeias, para o álcool, para a fome e a morte. Como então separar o ser-humano de sua condição social? Não há como. As construções continuarão pulsando, criando sua própria era, a pós-humanidade. É a matéria controlando a carne, ditando a nossa imprevisível história. É o tempo da tecnologia absurda, da velocidade.

Por fim, a busca pela palavra definitiva, ansiada por todos os escritores. Notamos em Ronaldo Cagiano o esmero do lapidador, aquele que deixa a pedra mais brilhante com o mínimo de desperdício, não existem adjetivos sobrando, as frases parecem surgidas prontas para serem lidas. Poderíamos dizer que essa procura tivesse término nestes arranha-céus, não fosse a vulnerabilidade da língua, que permite que esta ou aquela palavra se encaixe com precisão (e beleza) em uma frase com o mesmo sentido. Sabendo disso, o contista não se contentará com o pronto, um Deus que retoca o belo criando um novo belo.

Sobre o Autor

Whisner Fraga: Escritor, autor de Inventário do desassossego. Detentor de vários prêmios literários, dentre eles Segundo Lugar no Primeiro Concurso Internacional da Sociedade de Cultura Latina no Brasil, Terceiro Lugar no Primeiro Prêmio Missões, categoria Conto e Segundo Lugar no Com. de Contos de São Paulo. Organizador de antologias, publicou duas, "Encontros", de contos e "Literatura do Século XXI", de poesias. Teatrólogo, é autor da peça "Biografia de um dia só", um monólogo intimista.

 

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