início da navegação

RESENHAS

(para fazer uma pesquisa, utilize o sistema de buscas no site) VOLTAR IMPRIMIR FAZER COMENTÁRIO ENVIAR POR E-MAIL

Trajetória de uma Intimidade

Lucilene Machado*

Lucilene Machado, poeta, contista e professora universitária, traz neste FIO DE SALIVA um movimento cinematográfico em sua palavra ágil e inteligente, transportando o feminino contemporâneo para a intimidade cotidiana, numa linguagem própria, mas também soprada por ventos vindos do universo de Cecília Meirelles, de Rubem Braga, de Guimarães rosa.

Trajetória de uma Intimidade

O conto Fio de Saliva foi o primeiro contato que tive com o universo literário de Lucilene Machado, cronista, contista, poeta e integrante da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Nele percebe-se, com muita nitidez, o corte sincrônico que ela faz na linearidade editorial contemporânea.

Sua agilidade, velocidade e intimidade coma a criação, toma emprestado o mesmo vento que sopra as crônicas de Rubem Braga, a densidade de Cecília Meireles, a busca de Guimarães Rosa e a fina ironia de uma pitonisa grega resgatada em pleno século XXI.

É absolutamente reconfortante encontrar pedra preciosa em meio a tanto cascalho jogado nas livrarias deste tempo veloz e superficial. E quando esse valor vem com indumentária e conteúdo femininos, o encanto é maior ainda.

O jogo de caracteres, cinematograficamente colocados num script imaginário, revela personagens que deslizam em travelling perfeito, nota-se que na cena da sua palavra em ação, não há necessidade de continuísta para fazer a ligação de um conto para outro até que se esgote o volume. Não há tempo para respirar, a emoção seduz outra emoção página por página, na marcação e no compasso de um tempo maior que nós.

Neste livro de contos Lucilene Machado se transforma no amálgama narradora-personagem, entregando-se sem limites na reconstrução de si mesma, como se o dito dela fosse retrato de uma odisséia feminina diária transformada em realidade, configurando desejos e sonhos que povoam todo ser sensível, pois com sabedoria nos faz ver que o beijo é a trajetória mais íntima a acontecer entre dois humanos.

O fio de saliva que se desprende de sua fala, vai costurando nossas bocas secas de boa literatura. Não há mais o que esperar. Apenas saciar.

Ferriól Cabanas
Poeta e Editor


NOTA SINESTÉSICA

Sintonizada com os tempos em que a mulher usa sua própria lente para fazer a leitura da auto-descoberta e para configurar as imagens que constituem o corpus feminino, a voz de FIO DE SALIVA marca o percurso do universo sinestésico captado pela sensibilidade do olhar sobre o mundo e as pessoas. São dezoito contos que garantem um movimento ascendente, úmido, que parte do primeiro conto "Fio de saliva" ao último "A mulher do guarda-chuva".

Coexistem na narrativa elementos metalingüísticos que se processam com as porções constituintes das protagonistas envolvidas numa "teia" que tece a realidade e máscaras do universo feminino com um "fio de saliva". A narrativa leve como o andar das personagens absorve o vermelho das rosas e o cheiro molhado da terra, imagens essencialmente metafóricas da intimidade feminina reveladas na alma de mulheres estrelas, prontas para desnudar corpos escondidos nas armadilhas espalhadas que interceptam "caça e caçador".

O cotidiano despido, assim feito estrelas, revela a reconstrução de significados dos objetos que, até então, estavam encobertos por um verniz opaco: "as casas eram vasos de flores, os edifícios caixas de presentes, a rua um colar de pequenos pontos brilhantes e eu, um ponto final de uma história" (Memória). A singularização presente na narrativa faz com que se possa sentir o perfume das rosas ou se perca num "momento sagrado de sinestesia" capaz de colocar a palavra na mão e moldá-la a seu gosto ou perdoar. E há, também, a possibilidade de descobrir outros caminhos sinalizados nas cores do semáforo, "palmilhar estradas povoadas por ausência", ao encontro do insólito.

O fio prende-se a uma rede de uma diversidade de outros textos que evocam "a palavra dentro da palavra" (Eliot), convidando a "alfinetar estrelas" com Quintana ou permitir "sangrar as veias da poesia e deixar escorrer os versos em praça pública", atrever-se a experimentar porque "quase todas as vidas são pequenas. O que alarga uma vida é a vida interior, são os pensamentos, são as sensações, são as esperanças inúteis" (Clarice). Assim, se constroem as "alegorias femininas" que povoam esta obra marcante como o brilho dos "brincos" perdidos embaixo das poltronas mudas diante dos enredos de filmes capazes de fazer apaixonar e ferir por um fio cortante de primavera capaz de "cicatrizes definitivas".

Alegoricamente, também, constrói-se a narrativa com seus enigmas paradigmáticos, provocando a memória a conflitar "uma história qualquer" com "amores de árvores", com "olhares não premeditados, palavras espontâneas e gestos desobrigados a qualquer futuro", à guisa de "uma mulher feita de todos esses pequenos mistérios. Esconde a intimidade, os sonhos, as palavras e os sentimentos. [...] tão secreta quanto uma estrela".

O "gosto amargo" dos becos labirínticos da vida cruel da prostituição tece a máscara do lado maculado e obscuro da imagem feminina que nem mesmo a água consegue redimir, "e as mulheres continuam a vislumbrar imagens pelas arestas angulosas do destino".

Após a leitura de Fio de Saliva, conseguiremos desviar nosso "olhar estreito" acerca da busca dos espaços existenciais femininos sem o rastro da imposição cultural presa por um novelo que se desfia a cada nova voz que se ergue para aromatizar e colorir as "rosas brancas...não, vermelhas mesmo".

Prof. Ms. Luiza A. Oliva dos Santos
Depto. De Letras/ Sinop-MT

Sobre o Autor

Lucilene Machado: Lucilene Machado é professora, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e da UBE-MS. Tem três livros publicados, sendo poesia, literatura infantil e contos. Possui artigos publicados na Itália, Espanha e Venezuela. Atualmente é mestranda em Estudos Literários com ênfase na obra de Clarice Lispector.

 

< ÚLTIMA RESENHA PUBLICADA | TODAS | PRÓXIMA RESENHA >

LEIA MAIS

+ 30 mulheres, organizadas por Luiz Ruffato,  por Luiz Ruffato.
Após o sucesso da primeira antologia, Ruffato organiza mais uma coletânea com o melhor da literatura das autoras da nova geração, como Adriana Falcão, Cecília Giannetti e Andréa del Fuego. São 30 textos inéditos sobre temas urbanos e contemporâneos.  Leia mais
Visiones de Frydda,  por María Rocío Cardoso de Giordano.
Livro de contos de Maria Rocio Cardoso, uma revelação da literatura uruguaia, talhada nas oficinas literárias de Rodolfo Fatorusso, de Raquel de León e de Marta Clark, que, em breve, ingressará com seus contos junto ao público brasileiro.
 Leia mais

Faça uma pesquisa no sítio

Utilizando-se uma palavra no formulário, pesquisa-se conteúdo no Sítio VerdesTrigos.

Ir ao início da página