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Um novo cenário para o conto

Nelson de Oliveira*

Antologia de escritores brasilienses tem a intenção política de mostrar que há vida fora do eixo Rio-SP

O mercado editorial brasileiro vive hoje seu melhor momento econômico. Nunca se publicou tanto livro no país, nunca se consumiu tanta poesia, tanto conto, tanto romance como nos dias que correm. O problema é que, apesar dessa movimentação toda, o número de editoras brasileiras ainda é pequeno para o número de bons escritores na ativa. Elas simplesmente não dão conta da imensa oferta de originais que sem dúvida merecem estar nas livrarias. A questão fica mais séria quando notamos que infelizmente nem tudo o que sai das editoras tem valor literário. Basta uma rápida olhada nas listas de best-sellers para se perceber que a qualidade pouquíssimas vezes aparece de braços dados com o sucesso de vendas. Paciência. Essa é a realidade não só nacional, mas planetária. É a realidade da sociedade de consumo, da cultura de massas.

Não é exagero dizer que a Antologia do conto brasiliense, organizada por Ronaldo Cagiano, chega às livrarias do Sudeste carregada de intenções políticas. Não porque venha de Brasília, metrópole que por si só já exala política, mas principalmente porque traz, nas suas mais de 400 páginas, severas exigências aos leitores e editores do famigerado eixo Rio-Sampa.

Estive na capital federal duas vezes, debatendo com os autores locais, e nas duas ocasiões a queixa geral foi que a boa literatura brasiliense vem sendo sistematicamente ignorada pelas grandes editoras nacionais, todas do Sudeste. Lembro-me que meu conselho meio cínico foi: 'Em vez de ficarem reclamando, criem sua própria megaeditora, encontrem caminhos para escoar sua própria produção.' A antologia de Cagiano - publicada pela Projecto Editorial, a mesma casa que acaba de lançar a Antologia dos poetas de Brasília, organizada por Joanyr de Oliveira - de certo modo é a resposta à provocação.

O volume, enquanto objeto gráfico, não tem o aspecto amadorístico da maioria dos livros editados por lá. Muito pelo contrário, ele é elegante e profissional. Além disso, se a proposta do organizador, de 'inventariar o conto produzido na capital da República, compreendendo os autores que aportaram à cidade ainda em construção e os que chegaram durante seu processo de consolidação', é aberta demais, a riqueza do resultado deixa claro que valeu a pena levar o projeto adiante. São várias gerações de escritores provenientes dos quatro cantos do país, proporcionando ao leitor riqueza de estilos, de temas e de visões de mundo.

Abençoados por mestres do passado, tais como Samuel Rawet, Dinah Silveira de Queiroz, Bernardo Élis, Ary Quintela e Cyro dos Anjos, encontram-se os expoentes da nova safra de prosadores, sendo os meus prediletos: Fernando Marques, Geraldo Lima, Lourenço Cazarré, Stela Maris Rezende, Rogério Menezes, Whisner Fraga e Branca Bakaj. Dividindo essas duas águas estão os veteranos Nilto Maciel, Artur da Távola, Chico Lopes, Rosângela Vieira Rocha, Joanyr de Oliveira, Danilo Gomes, Alaor Barbosa, Anderson Braga Horta, entre outros. No total, são 83 contistas contaminados por essa cidade que já foi chamada por André Maulraux de Capital da Esperança.

Como eu disse, o mercado editorial brasileiro sofre da síndrome do epicentrismo. Ou seja, os pontos de irradiação - as megaeditoras - estão situados todos em São Paulo ou no Rio de Janeiro, de onde parte a maioria dos bons livros publicados no Brasil. Esses pontos de irradiação se chamam Record, Objetiva, Companhia das Letras, Ática, Rocco, L&PM (a única grande editora gaúcha, exceção à regra). Para o leitor preguiçoso e desinteressado, que só compra o que encontra bem exposto nas livrarias, os livros desses contistas de Brasília (a maior parte deles autoeditada) jamais existiram. Para ser visto pelo resto do país, o escritor tem de publicar pelas megaeditoras do Sudeste, do contrário é como se não existisse.

As oito dezenas de narrativas reunidas na Antologia do conto brasiliense, escritas por autores em quase tudo tão diferentes, têm, no entanto, algo em comum: elas expõem em praça pública, ora de maneira lírica ora de maneira dramática, as relações absurdas que os seres humanos estabelecem cotidianamente entre si e com o mundo externo. Nesse rol de relações absurdas está a tal síndrome de epicentrismo da qual falei. Síndrome que massacra os autores, principalmente os novos, que não moram próximo aos pontos de irradiação: São Paulo e Rio de Janeiro. Qual a saída possível? Penso que é a mesma encontrada pelos gaúchos: a criação, nem que seja a golpes de marreta, de um mercado auto-suficiente.

Quando estive em Porto Alegre, fiquei perplexo. Os gaúchos têm, além da L&PM, pequenas editoras interessadas na produção local, autores interessados em publicar por essas editoras e leitores famintos por essa produção. É como se o resto do país não existisse. Isso de certa forma fortalece o amor-próprio de editores, escritores e leitores. Hoje estou convicto de que, no caso do Distrito Federal e dos Estados distantes dos atuais epicentros, o caminho é esse mesmo. Muito me espanta que Fortaleza, ou Salvador, ou Goiânia, não tenha a sua megaeditora. Muito me espanta que os bons autores desses lugares tenham, década após década, de enviar seus originais para o Sudeste e rezar para que atravessem a trama fechadíssima da peneira editorial. Como vêem, o coro dos descontentes não é formado só pelos bons escritores de Brasília. Já não está mais do que na hora de se montar grandes editoras, por exemplo, nas seculares capitais nordestinas? Do contrário, a síndrome de epicentrismo, de origem paulista e carioca, jamais terá fim.

Sobre o Autor

Nelson de Oliveira: Nelson de Oliveira nasceu em 1966, em Guaíra, interior de São Paulo. Em 1995, recebeu pelo livro Fábulas o Prêmio Casa de las Américas, e em 1996 venceu o concurso promovido pela Fundação Cultural da Bahia com Os saltitantes seres da lua, também de contos. Em 1998, aos 32 anos, saiu Naquela época tínhamos um gato (Companhia das Letras). Escreveu ainda os romances Subsolo infinito (2000) e A maldição do macho (2002).

Em 2001, Nelson de Oliveira organizou a antologia Geração 90: manuscritos de computador, reunião de contistas brasileiros surgidos na década de 90. Em 2003, o autor lançou o último volume do projeto, Geração 90: os transgressores; editou, com Marcelino Freire e Tereza Yamashita, a revista PS:SP e publicou ainda o livro Anseios Cripticos (Escrituras, 2003). Nelson tem atuado intensamente em diversas frentes, seja como contista, romancista, cronista e resenhista. Já publicou nas revistas Cult e Ficções (RJ), além dos jornais Folha de S. Paulo, Correio Braziliense e O Globo. Atualmente escreve para o suplemento Rascunho (Curitiba), Revista Bravo! e Coyote (Londrina, PR).

 

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