início da navegação

RESENHAS

(para fazer uma pesquisa, utilize o sistema de buscas no site) VOLTAR IMPRIMIR FAZER COMENTÁRIO ENVIAR POR E-MAIL

Cinemaginário

RICARDO CORONA*

Nos poemas desse livro de estréia, o autor paranaense assinala a força da imagem em movimento - imagem fílmica, tensa, com cortes ágeis, alucinatória, simbolista, etc. -; da marcação nervosa dos roteiros de histórias em quadrinhos e da palavra cantada da música brasileira, mesclando referências de diversos registros para inserir conscientemente sua poesia dentro da produção contemporânea.

Pode ser que o poema "Paisagem narcisista" seja o signo deste Cinemaginário, livro de estréia do poeta curitibano Ricardo Corona. Isso, porque o poema é uma expressão dinâmica - tensa e densa - de como a experiência da vida pode estar na linguagem. Não é só a performance da paisagem "narcísica" que impacta nossas consciências: "em mim incide o que está depois da paisagem: / oásis, Iemanjá, sereia, miragem". Aqui, a criação poética é mais do que a reprodução do "clic", do "flash", do "espanto" que se associam a um único ato, precário, de percepção que nos é fornecido e vai além da estampa - ou parte dela - para revelar o invisível, a alma da paisagem.

O repertório léxico/semântico deste livro é, indubitavelmente, o tema do olhar: como olhar o mundo, como ser olhado pelo mundo ao mesmo tempo que imaginamos o mundo sendo olhado por nós, e como transmitir verbalmente o processo do olhar. O olho edita imagens (cinema), fragmentando-as, vertendo-as: o poema é a visão do olho-câmara da imaginação.

É importante notar que os poemas foram escritos em Curitiba, onde não existe uma paisagem exuberante, das que costumam inspirar poetas. Talvez por isso a paisagem destes poemas seja menos narcisista, feita de "chips de memória", inventada, e com o movimento (vortex, vórtice) da voragem do olho da mente (alucinação, miragem). Paisagem sob a luz da lua. Lunares. Paisagem borrada. É no invisível que funciona o olhar do poeta para mediar uma "estranha alquimia" que permeia a força de uma voz poética além de sentimentalismos e naturalismos. ( David William Foster - Department of Languages and Literatures Arizona State University).

O CINEMAGINÁRIO DO POETA CANTOR

Quem tiver olhos de ver que veja, se já não viu — este Cinemaginário que aqui se exibe e representa, do curitibano Ricardo Corona, é, senhores, um refinadíssimo livro de poesia. Concentrado, a palavra limpa de uma limpeza quase enxuta, “clássico” no que tem de metro e medida, no que tem de decoro, esta palavra em desuso, Cinemaginário é um livro orgânico e concebido baixo o pecado bem-bom de produzir um livro-de-poemas, cousa assaz diferente de reunir, ao acaso, versos sem data.

Construir um livro-de-poemas é mais do que distribuir a esmo as nem sempre harmônicas flores de estilo. Necessário razão e sabedoria, a meu ver, para que elas com elas não desavenham, e nem desalinhem assim tudo o que se quis como um livro-de-poemas. E este é, de cara, o primeiro trunfo deste Cinemaginário; existem outros, mas nenhum tão “fundante” quanto este.

Dividido em quatro momentos de celebrada/celerada imaginação — Vortex, Lunares, Tunguso-Manchuriana, Satirilyrics (+ seis para HQ) —, o livro parece aspirar fundamentalmente a um conceito que decifra, e devora, o para além da primeira visada sobre as coisas que será sempre, e apenas, exercício limitante, a do desvelamento da máscara, e não do que, genuína armadilha, ainda é a máscara da face se bem mais não seja a máscara primeira. Cai o pano. Sabedor do cinemovimento da dízima periódica, mesmo assim, ou por isto mesmo, o poema insiste. Aliás, Cinemaginário é um livro para além do ver, posto que perscruta e tateia, e pela teia da palavra, aranha ávida, já envolve o objeto que des-creve, querendo-o inteiro, pura teima, o gosto insistente de buscar o que é que há atrás da imagem. Assim, podemos dizer que mesmo frente à intenção do grito, as palavras tratam as palavras com delicadeza ainda que para “informar”, muitas vezes, o mais rude ou o menos afetuoso. É que as palavras não nascem do chão.

Dos quatro momentos em que se distribui Cinemaginário, “Lunares” me parece o mais fiel ao que se quis como o “desenho” de um livro-de-poemas e ali está o poema que, em minha opinião, melhor reflete e conceitua toda a obra — “Paisagem narcisista”, com este belo fecho:

Eu, de passagem e a paisagem, de paisagem.
Em mim incide o que está depois da paisagem:
oásis, Iemanjá, sereia, miragem.


À parte o magnífico trato com as palavras, aqui em particular o poeta se declara, à luz do cinemaginário, o buscador do movimento que há por detrás da simpleza às vezes ingênua das coisas, o que há no movimento extraordinariamente repetível da miragem e que, por se repetir, ainda uma vez nunca é a mesma e glosa a sua pele inédita sob o sol.

A paisagem estará sempre de paisagem para quem de passagem — e me ocorre que aí Ricardo Corona expressa, em síntese, todo o dizer do Cinemaginário cujos “poemas-câmera” já iluminam o que há depois da paisagem — o tumulto da vida se processando em novas paisagens que, por seu turno, pretendem outras paisagens adictas ainda de outras paisagens, feito o cine-sonoro sobre a cena muda. Tanto assim que na estrofe imediatamente anterior, o poeta não poderia ser mais claro sobre os ofícios da paisagem:

Mas nela meu olhar não se detém,
nenhum clic, espanto, nada.
A memória agora está além,
nem a mais linda imagem é guardada.


De uma contemporaneidade que o faz, mais que um poeta jovem, o instrumentador afiado de um dizer, do “novo”, suas raízes, Corona pontua, não sem malícia e segundas intenções, este Cinemaginário com algumas agudas epígrafes — da lua de Laforgue ao pensa/sentimento de Lautréamont, ou, outro modo de epigrafar as coisas, anota de Basquiat todas as ruas, de Jim Morrison perfaz o olho e o risco de acordadíssima tradução-mutante, e dedica a Ginsberg, o (condoreiro) poema que fecha o volume.

Mas Ricardo Corona não se mistura: a sua dicção é de um gosto profundamente pessoal, dificilmente vista em livros de estréia, ainda que contaminada por tudo e por todos, síntese feliz com que o poeta “modula” a sua língua, os ícones devorados até a mais ruminante tortura. (Wilson Bueno - Escritor curitibano, autor de Meu tio Roseno, a cavalo (SP, editora 34, 2000), Mar paraguayo (SP, Iluminuras, 1992), entre outros. Foi também editor do premiado jornal Nicolau, de Curitiba).

Sobre o Autor

RICARDO CORONA: Ricardo Corona (1962, Pato Branco/PR) é autor, entre outros, dos livros de poesia Cinemaginário (1999), Corpo sutil (2005) e Tortografia, em parceria com Eliana Borges (2003) – todos pela editora Iluminuras. Em 2001, lançou o CD de poesia Ladrão de fogo (Medusa). Organizou a antologia Outras praias – 13 poetas brasileiros emergentes / Other Shores – 13 Emerging Brazilian Poets (edição bilíngüe – ed. Iluminuras, 1998). Traduziu em parceria com Joca Wolff o livro-poema a.A Momento de simetria (Curitiba, Ed. Medusa, 2005), de Arturo Carrera. Integrou as antologias Outras praias (1998), Pindorama – 20 poetas de Brasil (Argentina, 2000), Na virada do século – Poesia de invenção no Brasil (2002), Passagens – Antologia de poetas contemporâneos do Paraná (2002) e Cities of Chance: New Poetry from the United States and Brazil (Rattapallax, EUA, 2003), acompanhada de CD de poesia, no qual participa com o poema “Ventos e uma alucinação”. Participou também da antologia Os cem menores contos brasileiros do século (org. Marcelino Freire, SP, Ateliê Editorial, 2004) e da mostra “Brasil: Poetry Today”, publicada na revista Slope (EUA, 2004). Tem poemas musicados por Vitor Ramil, Ana Lee, Neuza Pinheiro, entre outros. Em 1998, criou a revista de poesia e arte Medusa, e, em 2004, a revista de poesia e arte Oroboro, a qual edita em parceria com Eliana Borges. Em 2006, seu primeiro livro de poemas, Cinemaginário integrou o projeto Rede Saber, com nova tiragem e distribuição dirigida ao acervo das bibliotecas da rede pública. Reside em Curitiba (PR).

 

< ÚLTIMA RESENHA PUBLICADA | TODAS | PRÓXIMA RESENHA >

LEIA MAIS

A literatura dos deserdados,  por Adelto Gonçalves.
Willer compara os contos de Cagiano aos de João Antônio por causa da indignação, do senso crítico agudo, do desprezo pelas concessões. Nelson Oliveira na contracapa também lembra de João Antônio e acrescenta Samuel Rawet e Luiz Ruffato. E não exageram na comparação. Todos vêem o mundo de baixo, das classes sociais mais oprimidas. E fazem literatura de alto nível porque saída das entranhas da vida.  Leia mais
Tantas Dúvidas,  por Rafael Gomes.
O besouro voando, o cachorro latindo, eu passeando / nós todos vivos, conscientes na manhã de domingo / só eu incosciente o bastante para apontar / e chamar pelo nome: besouro, cachorro, manhã
(Poesia do livro Tantas Dúvidas de Rafael Gomes)
 Leia mais

Faça uma pesquisa no sítio

Utilizando-se uma palavra no formulário, pesquisa-se conteúdo no Sítio VerdesTrigos.

Ir ao início da página