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MARCELINO FREIRE volta de viagem à Itália e diz: eu escrevo para me vingar

por Chico Lopes *
publicado em 21/06/2006.

Nascido em 1967 na cidade de Sertânia, sertão de Pernambuco, Marcelino Freire veio do Recife para São Paulo em 1991. Publicou os livros de contos "Angu de sangue" e "BaléRalé" pela Ateliê Editorial, de São Paulo, e tornou-se um dos nomes de frente da chamada "Geração 90", sempre mal compreendida (mas referência da literatura feita no Brasil dos últimos anos para o mundo todo, como ele revela abaixo, voltando de uma viagem da Itália). Idealizador e organizador da antologia "Os cem menores contos brasileiros do século", publicado no Brasil e no exterior, mantém um dos blogs literários mais visitados do país - o www.eraodito.blogspot.com. e publicou em 2004, pela editora Record, o livro "Contos negreiros". Prepara um livro chamado "Gonza-H", a sair pela Record até o final de 2007. "Se eu conseguir acabar", diz.

Com Marcelino, só uma palavra funciona: contundência. O que ele escreve é daquelas coisas que funcionam como socos no estômago e não agradam a todos. Mas seduzem, persuadem, convertem os mais lúcidos. A violência e a contundência - de que por vezes a Geração 90 é acusada, como se vivêssemos num país de cetim e pluma, só entre gente muito boazinha e pacífica - são marcas dessa literatura forte que ele pratica.

Tive contato com ele por obra de Nelson de Oliveira, que, com a publicação de meu livro de contos "Nó de sombras" (IMS/SP, 2000), quis que eu conhecesse a sua turma. Marcelino leu o meu livro e o comentou generosamente no seu blog, eu li os seus, trocamos cartas, e, depois, nos perdemos de vista. Recentemente, o procurei - exatamente quando partia para a Itália. Queria fazer esta entrevista com ele. Prometeu responder na volta. E está cumprindo. Falando sobre a sua literatura. E oferecendo um presente ao Verdes Trigos: um conto inédito. Confiram aí.

CHICO LOPES: Uma particularidade na sua escrita é o estilo. Você não se parece com ninguém, e é possível reconhecer um texto seu a quilômetros. Os trocadilhos, as aliterações, e um texto que parece menos "contar" que "cantar" uma história, geralmente pesada. Como nasceu esse estilo?

MARCELINO FREIRE: De fato eu "canto" mais que "conto". Isso, creio, esse "estilo" vem colado em mim desde a infância. Sou filho de sertanejos. Gente nascida numa cidade chamada Sertânia, no alto sertão de Pernambuco. E como fala o sertanejo! Como canta! Como faz barulho! Cinco horas da manhã e a casa em que nasci/vivi já estava aos gritos. Cresci ouvindo essa música, essa ladainha, esse vexame. Quando vim morar em São Paulo, sozinho, desde 1991, descobri que tudo isso formou uma memória musical no meu juízo. Eu estava impregnado daqueles sons. São Paulo é uma cidade braba. Tem tudo para diluir a gente, entende? Acho que foi aí que eu me agarrei nessas origens. Nesses ciscos sonoros. Daí, não parei mais de escrever desse jeito. De ouvido atento. Descobri que eu escrevo porque gosto de escutar. Vou costurando o que vou ouvindo, sei lá.

CHICO LOPES: A quantidade de violência e desespero de "Angu de sangue" e o aspecto infalivelmente metropolitano e apocalíptico deste livro causam uma impressão forte. Ao falar-se da "Geração 90", pensa-se em livros como esse, como se constituísse de fato uma marca de geração. O que é o "Angu..." para você? E a Geração 90, que sabemos não ter uma cara assim tão definida, até que ponto ela o interessa?

MARCELINO FREIRE : Essa é uma geração de livros marcantes, enfim. Muitos foram pontuais para essa retomada de fôlego. Fico contente que o "Angu" seja aqui, apontado por você, como um marco dessa turma. Para mim, foi ele apenas o livro possível. Um retrato do meu "choque" particular com a cidade de São Paulo. João Alexandre Barbosa (crítico que descobriu o "Angu de Sangue" e escreveu o prefácio e indicou o livro à Ateliê Editorial) diz que o "Angu" só foi possível porque eu vim morar em São Paulo. O meu "angu" deixou de ser o "angu" da tradição, o de farinha, para ser o "angu" de sangue, o "angu" violento, violentado. Concordo com ele. O "Angu de Sangue" foi o grito que eu dei. Os cachorros que soltei do peito. Foi a partir do "Angu" que fui cozinhando a minha trajetória. Ainda crua. Ainda terei muitos pratos pela frente. Quanto à Geração 90, ela continua me interessando. Há pouco, estive na Itália, e todo mundo lá, pelas universidades, conhece a antologia organizada pelo Nelson de Oliveira. Um livro marcante. E que tem rendido frutos por aí afora. Mas, vale dizer, meu interesse aponta para todos os lados. Gerações anteriores, presentes, posteriores. Eu quero é estar em todo canto. Fuçando em tudo que é parágrafo bom, enfim, assado.

CHICO LOPES: Críticas recentes (ou já nem tanto) de um crítico de "Veja" tentaram reduzir a Geração 90 a frangalhos. Como viu isso? A que atribui essa má vontade generalizada para com os autores que se abrigam sob esse rótulo?

MARCELINO FREIRE: Eu sempre acho engraçado. Maluco demais a forma como alguns críticos falam a nosso respeito. Coisa que mistura rancor e dor-de-cotovelo, sei lá. Ler a gente mesmo eles não leram. Há pouco, a pretexto de falar do novo livro do André Sant´Anna (o romance "O Paraíso É Bem Bacana"), o cara-de-pau da Veja ressuscitou a antologia "Os Transgressores", também organizada pelo Nelson de Oliveira. Só para cuspir em todo mundo. Mas enfim… É o crítico lá e a gente cá, trabalhando, escrevendo, produzindo. Acusam a gente de muita coisa: marketing, por exemplo. Como se as grandes editoras não tivessem os seus "assessores de imprensa". Dizem que a gente é um bando de inocentes… Taí uma crítica cabeluda! É muita inocência chamar a gente de inocente. A gente pode ser tudo, até péssimos escritores, menos inocentes. A gente tá sabendo de tudo. A gente tá de olho ligado.

CHICO LOPES: "BaléRalé" traz aquela capa interessantíssima, do par de múmias homossexuais... Quanto a esse assunto, como você se posiciona, literariamente falando? Como andar na corda bamba entre o desespero social e o humor negro, ao como parece ser o seu enfoque? Não me parece que você esteja interessado no enfoque "politicamente correto", ou não necessariamente...

MARCELINO FREIRE: Eu escrevo numa região muito "fronteiriça". Se erro a mão, posso descambar para o discurso panfletário, sei disso. Para o melodrama. Creio, até, que chego a perder o tom em alguns contos. Meus temas são espinhentos. Provocativos, sei lá. Mas prefiro errar do que acertar. Prefiro ter a coragem de escrever enviesado, de correr riscos. Não quero escrever frígido. Não quero a mesmice. Eu quero, no que eu escrevo, fazer o que fizeram os artistas que admiro. Jogaram merda no ventilador. Eu quero dar a minha contribuição ao desconforto. Desconforto que vem daquilo que vejo por aí, no dia-a-dia. Das dores e revoltas que carrego. Eu escrevo para me vingar. E essa vingança não pode ser "politicamente correta". Ave Nossa! Longe disso. Eu escrevo como se sentisse uma coceira. Eu escrevo com a cabeça cheia de piolhos. Eu quero soltar esses piolhos por aí. Quero dividir com o leitor esse inferno. Eta porra!

CHICO LOPES: Que escritores fizeram a sua cabeça? Ou sua escrita teria filiação em outras fontes, e não apenas da chamada pedantemente "literatura culta"?Os cantadores populares do Nordeste. por exemplo, devem apresentar grande interesse para você...

MARCELINO FREIRE: Se eu dissesse que os cantadores populares fizeram, desde sempre, a minha cabeça, seria hipocrisia. Embora eu tenha nascido em Sertânia, nunca fui de ir ver, na feira, embolador embolar. Sempre achei tudo uma chatice. Só no Recife, já adulto, é que comecei a abrir mais as orelhas para os cantadores. Mesmo assim, sem essa paixão cega. O que eu tenho de cantador no que eu escrevo veio mais indiretamente, ouvindo a minha mãe falar, meu pai contar lorotas. Sempre digo, por exemplo, que minha mãe cantando Luiz Gonzaga na cozinha me influenciou tanto quanto Graciliano Ramos, Guimarães Rosa. Outro cabra importante para mim foi o Manuel Bandeira. Foi o primeiro poeta que li. Ele foi a porta de entrada para outros versos, como os de João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade. Comecei lendo muita poesia. Não posso deixar de dizer que sempre li e releio o Julio Cortázar. Ah! Outra influência foi o teatro. Comecei escrevendo para teatro muito novo. Por isso meus personagens têm essa carga dramática. Meus contos são esses monólogos prontos. Gosto disso. Eu escrevo em voz alta. Imaginando um ator, uma atriz em cena, "interpretando" os sons que vou inventando.

CHICO LOPES: Interessado pela metrópole e pela visão de um mundo sórdido e desintegrado, como viu a recente guerra do PCC com a polícia paulistana?Por vezes, certos trechos grotescos de noticiário chegaram a me parecer perfeitas dicas de inspiração para um texto como o seu...Ou não?

MARCELINO FREIRE : Pois olhe só: a pedido de O Estado de S. Paulo, eu escrevi um conto curto, bem no meu "estilo-ladainha", digamos, sobre os recentes ataques do PCC. Na verdade, o jornal pediu que eu criasse um personagem perambulando durante aquela segunda-feira vazia e fatídica. Em vez de colocar um personagem pelas ruas, imaginei o desabafo de uma mãe que teve o seu filho assassinado àquele dia. Em vez de atacar a "guerra", ela ataca a "paz". Para responder melhor à sua pergunta, não seria legal publicar o conto por aqui, o que acha? O Estadão acabou não publicando. E nem me deu notícia, satisfação... Vai ver que não gostaram. O conto segue no final dessa entrevista. Veja se dá para colocar.

CHICO LOPES: Nós, escritores, escrevemos por e para quê? Para salvar a nossa alma do tédio da vida vivida sem imaginação, para explodir com nossas fúrias reprimidas, para tentar mudar o mundo, colocando em seu lugar um artefato de nossa fantasia, nosso arbítrio? É possível fugir à depressão, a que a categoria está fortemente associada? É possível ver o ato da escrita como exaltação, como prazer sensual e libertação? Ou nada disso? O que é escrever, para Marcelino Freire?

MARCELINO FREIRE : Escrever, caramigo Chico, é tudo isso que você falou acima. E mais um pouco, enfim. É por aí. Eu escrevo porque não sei fazer outra coisa assim, com entusiasmo. Tudo o mais que faço é meio mecanicamente. Vou vivendo no automático. Escrevo porque, já disse nessa entrevista, eu quero me vingar. Vingar-me de uma dor, de uma tristeza, de um aperreio. Eu quero fazer alguma coisa. Mesmo sem saber que "coisa" é essa… Essa coisa que, de quando em vez, vem me apertar o peito. Sei lá. A literatura ainda vai me matar. Grato pela entrevista e vamos que vamos e saravá!


DA PAZ: Conto inédito de Marcelino Freire

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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