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Rosângela Vieira Rocha fala de sua literatura e anuncia um quarto livro

por Chico Lopes *
publicado em 24/05/2006.

Para ela, ser escritor exige uma mescla de refinamento e "couro" grosso, devido à dureza do ofício -

A mineira Rosângela Vieira Rocha, residente em Brasília, DF, que estreou na literatura com uma novela premiada, "Véspera de lua", a que se seguiu a publicação de outra, "Rio das pedras", ganhou respeito da crítica e seguiu com sua carreira publicando os contos de "Pupilas ovais" (LGE/FAC/Brasília, 2005), em livro prefaciado por Rachel Jardim, e participando de duas antologias de conto, uma de contistas brasilienses, organizada por Ronaldo Cagiano, e outra organizada nacionalmente por Luiz Ruffato.

Dona de uma prosa saborosa, que consegue trafegar entre o leve e o sombrio com elegância e ironia, sem perder o gume de sensibilidade, Rosângela é jornalista e professora de Comunicação da UnB e mantém uma relação de interesse passional com a literatura, correspondendo-se com vários escritores do país de maneira assídua e atenta. Depois de enveredar pelos contos, ela chegou a seu quarto livro no início deste 2006. É um romance, como ela nos conta, abordando um assunto de uma atualidade inquietante. Será na certa outro passo firme na consolidação de uma carreira que vem se fazendo discreta, mas persistentemente.
Para conversar com Rosângela, o contato pode ser feito pelo e-mail rosavi@uol.com.br

CHICO LOPES: Seus dois primeiros livros, "Rio das pedras" e "Véspera de lua", têm uma história interessante, tendo sido publicados fora de ordem. O que foi mesmo que aconteceu?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - É, realmente foi dessas coisas do destino, que não sabemos explicar. "Rio das Pedras" foi escrito em 1983, 1984, mas na época não consegui publicá-lo. Já havia acertado tudo com um editor, mas depois ele desistiu, sem dar uma explicação convincente. Como escritora iniciante, fiquei tão chocada que guardei os originais, e resolvi começar a escrever outro livro, imediatamente. Tive de fazer assim para não sucumbir à tristeza, sabe? Por uma questão de auto-estima. Hoje vejo com mais naturalidade episódios desse tipo, não por achá-los normais, falta de palavra nunca é normal, descaso e falta de consideração tampouco, mas o nosso ofício é tão duro e às vezes nos tratam tão mal que somos obrigados a endurecer. Eu acho que para agüentar ser escritor é necessário possuir duas características, aparentemente opostas: ao lado da sensibilidade aguçada e do olhar refinado há que ter o "couro" grosso, bem curtido. Voltando à sua pergunta, escrevi o segundo livro, "Véspera de Lua", um romance cuja personagem principal é uma mulher homossexual. Em 1988, a Editora da Universidade Federal de Minas Gerais realizou um concurso nacional, cuja premiação era a publicação do livro. Cada candidato poderia inscrever mais de uma obra. Inscrevi os dois livros, e "Véspera de Lua" tirou o primeiro lugar, na categoria romance. Fiquei sabendo depois que a comissão julgadora gostou muito de "Rio das Pedras" também, e que houve indecisão quanto ao primeiro lugar, até que resolveram escolher "Véspera de Lua", publicado em 1990. "Rio das Pedras" ficou engavetado até 2001, quase vinte anos, quando o inscrevi na "Bolsa Brasília de Produção Literária", prêmio promovido pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal, na categoria novela. Tendo obtido o primeiro lugar, finalmente foi publicado em 2002, pela Secretaria.


CHICO LOPES: "Rio das pedras" parece ter um lastro autobiográfico. A vida na cidadezinha onde nasceu, e outras vivências interioranas, dão sinais vigorosos de presença. Pode dizer até que ponto a vida interiorana e seus temas pesam em sua criação?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - Nasci numa cidade muito pequena, Inhapim, interior de Minas. Saí de lá com catorze anos, para estudar. Minha irmã mais velha havia se mudado para Brasília e vim morar com ela. Esses primeiros catorze anos foram decisivos na minha vida, como acho que ocorre com todo mundo, creio que é sempre assim, os valores que aprendemos na infância são muito poderosos, não é? A pessoa é moldada e fica marcada para sempre, para o bem e para o mal também. "Rio das Pedras" tem um clima autobiográfico sim, embora nem tudo que esteja no livro tenha ocorrido de fato. É isso mesmo que os escritores fazem, não? Recriam a partir do vivido, ou do imaginado, que tem a mesma força. Nada sai do nada, gosto muito da conhecida idéia de que cada livro é escrito a partir de todos os outros, ninguém cria nada, em termos absolutos. Sobre um único tema há livros muito diferentes, pois os olhares são diferentes. Essa é a riqueza incomensurável da literatura, a meu ver. Os temas interioranos estão presentes em tudo que escrevo, sim. Estão presentes dentro de mim e é natural que apareçam nos meus livros.

CHICO LOPES: "Véspera de lua" despertou grande interesse em leitores e críticos que militam na literatura gay, mas sei que você se recusa a integrar "uma literatura de ghetto". Pode dizer em que consiste o livro, quais suas intenções e o que acha dessas interpretações "militantes"?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA -"Véspera de Lua" teve uma receptividade muito boa. A tiragem era de apenas mil exemplares e hoje está completamente esgotado. Tanto heterossexuais como gays gostaram da história. Estes últimos festejaram bastante o livro, afinal, representava uma grande novidade em 1990, especialmente pelo tratamento respeitoso dado às personagens gays. Na época foi meio engraçado, eu me diverti muito, alguns jornalistas me perguntaram claramente se eu era gay, se o livro se baseava na minha experiência pessoal. Outros não ousaram apresentar a pergunta, mas o fizeram de maneira indireta. Para mim, isso nunca constituiu problema, não sou gay, mas poderia ser, acho isso uma coisa de menor importância, o que vale é o livro e não as minhas preferências sexuais, que não interessam aos outros. Quanto aos leitores gays militantes que elogiam o livro, fico às vezes com um pé atrás, sem saber direito se estão elogiando a obra em si ou se é a temática que desperta simpatia. Mas toda militância é assim mesmo, repleta de paixão, é o império da subjetividade.

CHICO LOPES: Seu terceiro livro, "Pupilas ovais", diferente dos anteriores, é de contos. Você também participou de antologias. O gênero passou a interessá-la desde quando?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - Participei de duas antologias, "Mais trinta mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira", organizada por Luiz Ruffato, da Record, e a "Antologia do Conto Brasiliense", organizada por Ronaldo Cagiano. Esta última foi publicada em 2004. Gostei muitíssimo de escrever o conto "O arrebatamento", a pedido do Ronaldo, e a partir daí foram surgindo outras idéias. Acabei escrevendo mais treze contos, incluindo "Pupilas Ovais", que deu nome ao livro, publicado em 2005. Sempre tive interesse pelo conto como gênero, gosto muito de ler contos, sou fascinada pelos contos da Katherine Mansfield, para mim a melhor contista do mundo. Mas o gênero constitui um desafio para mim, acho-o muito difícil, completamente diferente do artesanato do romance. Um erro, no romance, não tem um efeito tão drástico, em termos de estrutura, como no conto. Escrever contos é como fazer renda de bilro, como lapidar uma pedra preciosa, pois uma escolha mal feita pode por tudo a perder, pode destruir a narrativa completamente.

CHICO LOPES: Vê-se, como no caso das novelas e também dos contos, uma Rosângela Vieira Rocha pendular entre a mulher do interior e a mulher das metrópoles. Você não fez uma escolha, nesse sentido, preferindo ficar nos dois campos? Há algum que lhe pareça mais atraente ou com o qual fique mais à vontade, ainda assim?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - Sou uma mescla de mulher do interior e da metrópole. Do interior e não da zona rural, nunca morei na roça, embora o município de Inhapim tivesse mais habitantes nas áreas rurais que na cidade. Não vivi as agruras do homem do campo, meu pai tinha um pequeno cartório na cidade, embora essas vicissitudes não me fossem estranhas. Quando penso nos meus livros em seu conjunto, acredito que neles não transparecem os efeitos de uma escolha entre o rural e o urbano, esses dois mundos se encontram.

CHICO LOPES: Quem são os escritores que você reconhece como influências em sua obra? Acha que sua escrita se inscreve rigorosamente nos trabalhos literários pós-Feminismo que vêm sendo feitos no país? Aliás, que pensa da existência de uma "escrita feminina"?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - É difícil falar sobre influências, mas eu diria que no meu trabalho há "marcas" de muitas das escritoras que li, especialmente Jane Austen, Katherine Mansfield, Virginia Woolf. Entre as brasileiras, todas as autoras cujos livros compuseram, digamos assim, a minha cultura literária, como Rachel Jardim, Clarice Lispector, Patrícia Bins, Lygia Fagundes Telles, Ana Cristina César, entre outras, além dos autores homens, é claro. Acredito que todos os escritores cujas obras apreciamos passam a fazer parte do nosso universo, há uma aderência entre nós e eles, o nosso mundo interior nunca mais é o mesmo, quando a leitura foi realmente significativa. A literatura nos modifica, nos torna melhores, mais abertos, mais atentos. Por isso, falar sobre influências diretas é sempre algo complicado. Quanto à segunda questão que você aponta, realmente não sei se minha escrita se insere rigorosamente na escrita pós-feminismo que vem sendo feita no Brasil. Tenho pavor de rótulos, quero distância de palavras como "rigorosamente". Só para dar um exemplo, vamos tomar os dois volumes da antologia de mulheres organizada pelo Ruffato. No primeiro são 25 e no segundo 30 mulheres, um total de 55. Pode-se perceber uma grande variedade no que diz respeito à temática, ao tratamento dado aos temas, aos estilos. Mais importante do que isso, vê-se claramente que há divergências quanto ao conceito de conto, que não é o mesmo para todo mundo. Estamos vivendo uma época de rupturas, de grandes transformações, que se refletem também na literatura. Quanto à existência de uma "escrita feminina", é um tema que vem sendo muito debatido. De novo, expresso o meu medo dos rótulos, que em geral revelam e/ou ocultam preconceitos, em um movimento de mão dupla. Para mim, o que importa mesmo é o fato de saber que o número de escritoras tem aumentado muito no Brasil. Talvez não seja propriamente o número de escritoras e sim o número de publicações escritas por mulheres, que tem aumentado significativamente nos últimos anos. Desejo que tenhamos cada vez mais visibilidade, que nosso trabalho seja discutido nas salas de aula, nas escolas de todos os níveis, que o contingente de escritores homens e mulheres cresça a cada dia.

CHICO LOPES - Seu próximo livro, segundo sabemos, é uma novela, e tem um título fascinante...Pode falar sobre ela e sobre a procura de publicação?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA - Meu quarto livro é um romance, intitulado "Fome de Rosas". É história de uma família cuja filha caçula, Alice, é uma adolescente que sofre de anorexia e bulimia. Vinha pensando nessa história há algum tempo, desde que analisei, com meus alunos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, um texto do chamado "new journalism", retirado de um livro organizado por Tom Wolfe, sobre uma moça que, nos anos sessenta, morreu por causa de uma dieta macrobiótica radical, que se chamava na época "dieta zen número 7". Intuí que essa personagem era, no fundo, anoréxica, e comecei a pesquisar sobre anorexia. Li muitos livros sobre o assunto, de Medicina e de Psicologia, além de ter examinado vários blogues de meninas anoréxicas, cujo número, infelizmente, cresce a cada dia no Brasil. Concluí o livro no início deste ano e desde então estou à procura de editora. Recebi apenas uma resposta até agora, negativa, de uma grande editora. Não enviei os originais para muitas, pois cheguei à conclusão que, em grande parte delas, os originais não são lidos. É uma espécie de martírio ao qual somos submetidos, do qual é difícil escapar. Os escritores sabem disso, pelo menos aqueles não cortejados pela mídia, mas não sei se o público em geral sabe. Há que ter paciência, muita paciência mesmo, e tentar pensar em outras coisas, enquanto espera. O único jeito de agüentar isso, para mim, é canalizar a energia para outro projeto, começar a trabalhar em novo livro, enquanto a resposta positiva não chega...

CHICO LOPES - Muita gente escreve para escapar ao peso insuportável da realidade. Muita gente adota o lema de Flaubert : "Mergulhar na literatura como uma orgia perpétua", não sem certo escapismo. Mas há autores que fazem a arte literária com alegria, como uma maneira de seguir a corrente exaltante da vida, abrindo guerra contra a depressão e o desespero. Qual é o seu caso?

ROSÂNGELA VIEIRA ROCHA -Embora não me considere uma pessoa pessimista, acho que escrevo pelas duas razões que você citou, para suportar os aspectos negativos da vida e para celebrar os positivos. No fundo, acho que todos estamos à procura de um sentido, não é? De qualquer sentido, que vai variando de pessoa para pessoa, mas que nos pareça legítimo. Se bem que o assunto seja discutível, também. Quando, sisudamente, como agora, fico às voltas com temas desse tipo, me atribuindo talvez uma importância que não tenho, o que me vem à cabeça é uma anedota que li certa vez, num livro de astrologia: em busca da "iluminação", um jovem procurou um monge do Tibet, a fim de lhe perguntar qual o sentido da vida. Jejuou muito e, depois de caminhar durante meses, encontrou o sábio, que apenas lhe respondeu: - "O sentido da vida? Sopa de galinha". O rapaz retirou-se cabisbaixo, sem entender nada. Julgando que ainda não era santo o suficiente para entender a resposta, passou dez anos jejuando, quase nu, morto de frio, descalço, enfim, fez toda a sorte de sacrifícios. Sentindo-se pronto, purificado, resolveu procurar de novo o monge e retornou ao local onde o encontrara, dez anos antes. Ao relatar a história, disse não ter ficado satisfeito com a resposta "sopa de galinha". Impassível, do alto de sua sabedoria, o homem lhe respondeu calmamente: - "E não é?"

Bem, depois dessa historinha, para mim um achado, concluo dizendo que escrevo porque preciso, porque não poderia ficar sem escrever, escrevo porque me agrada, escrevo para viver melhor.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

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