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Os comedores de carolo
por Urda Alice Klueger
*
publicado em 27/03/2007.
Em muito poucos meses as galinhas e os galinhos (chamam-se frangos, em tal época da vida) estão prontos para a reprodução, e quando os hormônios de uma galinha velha ou nova se altera para completar seu ciclo de reprodução, ela deixa de ser chamada de galinha e passa a ser uma choca. Por mais macia e amiga que seja, uma galinha choca se transforma incrivelmente: muda de voz, enclausura-se num ninho, mesmo que sob ela não exista um ovo sequer a ser chocado, passa a comer só umas duas ou três vezes por semana – é uma mudança impressionante. Quando se dá a uma galinha em tal estado hormonal um bom ninho cheio de ovos devidamente fertilizados, coisa que eu ainda não entendia como funcionava, ela toma conta dele com tal precisão e carinho, aquecendo os ovos praticamente todo o tempo sob ela mesma, virando-os e revirando-os com o auxílio do bico, conforme o instinto lhe manda fazer, e em apenas 21 dias os transforma em... pintinhos!
Há poucas coisas no mundo mais fascinantes do que se observar tal ciclo de vida e o nascimento de um pintinho! No máximo, no máximo, põe-se sob uma choca umas duas dúzias de ovos – normalmente dá-se a elas uns 20, 21 ovos – e se tudo corre bem, nascem 20 ou 21 pintinhos. Desde a minha pré-adolescência era eu a encarregada de cuidar de tais coisas, na minha casa, de tanto que gostava de fazê-lo – e eu sabia coisas que as crianças de hoje nem imaginam, como se o ciclo dos 21 dias de incubação dos ovos coincidisse com a lua cheia, já no vigésimo dia haveria pintinhos fazendo pequenos ruídos como pios e forçando as cascas dos ovos, abrindo buraquinhos nelas para já ir saindo um dia antes do prazo. Se a lua não era cheia ... bem, aí demorava, mesmo, 21 dias para o nascimento daqueles serezinhos que eram pura magia, e que em apenas três semanas tinham como que surgido do nada e se tornado tão fortes que, tão logo abriam o primeiro buraquinho na casca do ovo com um biquinho de nada, um pedacinho amarelo de uma substância mais dura, tratavam logo de pôr em ação toda a força contida nos minúsculos corpinhos, e forçavam os pés, as pernas, as asinhas ainda implumes, e em pouco tempo, algo entre poucos minutos ou poucas horas, quebravam todo o ovo e se tornavam pequenos seres completamente novos no mundo!
Pintinhos nascem prontinhos para a vida – apenas, quando abandonam a casca do ovo, ainda estão molhados e meio tontos, coisa que uma galinha choca resolve rapidamente, puxando-os com o bico para baixo de si própria, onde eles, em poucos minutos, perdem a tontura e secam, virando aquelas bolinhas de penugem que é o que algumas crianças, hoje, às vezes vêem na televisão.
Ah! A inigualável graça, maciez e delicadeza de um pintinho nos seus primeiros dias de vida! Depois dos 10 ou 15 minutos que levam para secar, eles estão prontos para comer, para brincar, para correr – e como são doces e confiantes, assim naquele jeitinho de bebê coberto de penugens amarelas ou cinzentas, que é como normalmente nascem! Pode-se criá-los em granjas, por exemplo, aquecendo-os com o calor de uma lâmpada elétrica, por exemplo, e ainda na minha infância cheguei a viver algumas experiências assim – mas o maior fascínio de todos está na completa relação de proteção que há entre uma galinha choca e seus filhotes.
No mesmo dia em que os pintinhos nascem, a choca já sai a passear com eles por tudo onde lhe é permitido ir, e esgaravata o chão procurando minhocas ou insetos, já a ensiná-los a sobrevivência, a chamá-los com a sua voz hormonalmente alterada, e os ensina a comer ração ou uma coisa chamada carolo, que era muito usada lá no passado, que não passa de milho moído numa complexa máquina que tem o complexo nome de “máquina de fazer carolo”! Tudo vai bem até que surja qualquer sinal de perigo: pode ser um gato que apareça por ali, ou algum barulho estranho, ou apenas um susto indefinível – qualquer que seja o medo da choca, e ela dá um sinal com a sua voz de choca, e todas aquelas bolinhas de penugem num instante correm para ela e somem – nem o mais ativo gavião, se for o caso, será capaz de encontrar um pintinho numa hora assim!
Atenta, a choca espia, calcula, vigia, sente – em algum momento, ela se certifica que o perigo já passou, e então ela dá outro sinal com sua voz, e um primeiro biquinho e um parzinho de olhos espia de dentre as suas penas, e depois outros, e logo uma enfiada de pintinhos volta de novo à faina onde estava. Quando escurece, a operação se repete, e os pintinhos dormem toda a noite completamente escondidos pelas penas da choca. Algumas há que são tão cuidadosas com a prole, que eles crescem, já estão quase virando frangos, e continuam sumidos sob a mãe noite após noite, espiando por entre as penas delas já uns latagões sem nenhuma plumagem, cobertos de penas coloridas ou brancas e com duros bicos de quem já sabe muito bem se virar sozinho. Até hoje não entendo como cabem aqueles quase frangões escondidos assim sob uma galinha só!
Há muito mais a contar sobre aqueles meus amigos do passado. Volto ao assunto em outro dia.
Blumenau, 25 de março de 2007
Sobre o Autor
Urda Alice Klueger: Escritora catarinense de Blumenau, onde vive e trabalha. Publicou inúmeros livros, entre eles "Entre condores e lhamas" e "Crônicas de Natal"http://geocities.yahoo.com.br/prosapoesiaecia/urdaautores.htm
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