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Nelson Rodrigues: remando contra a corrente e seduzindo

por Chico Lopes *
publicado em 23/03/2006.

Para quem gosta de Nelson Rodrigues, uma ida às livrarias, hoje em dia, compensa: há livros dele por todos os lados. Sua obra completa foi relançada pela Companhia das Letras, organizada por Ruy Castro, e os livros, em maior ou menor grau, são sempre interessantes. Já passei por O óbvio ululante, A menina sem estrela e concluí outro dia, sem nenhuma ansiedade porque é o tipo de livro que se lê aos pedaços, com prazer, voltando várias vezes a certas crônicas a coletânea O remador de Ben-Hur, me divertindo a valer.

Mas compreendi um pouco as razões de tanta gente achar Nelson chato e redundante. Eterno personagem de si mesmo, ele se repetia muito. De confissões e crônicas para memórias, há nessa coleção reeditada pela Cia. das Letras muita coisa ótima, mas você encontrará também, muitas vezes, os mesmos períodos, idênticas frases, bordões obsessivos, e poderá recordar aquilo que muita gente de língua ferina diz dele ou de escritores como Dalton Trevisan: certo, esses caras têm estilo, mas, quanta monotonia! Bem, talvez o que chamamos de estilo seja mesmo uma forma superior de monotonia.

O certo é que Nelson pega, como um vício. E o que escreveu, com todos os seus exageros, em parte se revelou profético mesmo, como afirma Castro.

Lembro-me bem que o achava, nos anos 60, um fenômeno exclusivamente carioca, pois era leitor do "Pasquim", e o jornal fez com que eu me acostumasse a achar Nelson um monstro asqueroso de direita (a esquerda sempre soube demonificar seus inimigos; Paulo Francis uma vez disse que o único talento real dos esquerdistas seria a difamação). No caso de Nelson, a esquerda tinha todas as razões para odiá-lo, porque era mesmo um reacionário assumido, numa época em que uma ditadura odiosa exigia que os bem-pensantes ao menos escondessem suas predileções mais suspeitas.

Mas, há um equívoco nisso: a ira de Nelson contra as esquerdas, se contém algumas verdades bem observadas, está em grande parte fundamentada numa espécie de birra independente de ideologias. Fosse ele um anti-direitista, diria as coisas mais justas e mais fulminantes com o mesmo talento e a mesma raiva.

Com Nelson, impõe-se pensar o seguinte: que o talento, esteja a serviço de que ideologia for, pode às vezes perpetrar verdades enormes e equívocos monstruosos com uma facilidade idêntica. Quando alguém escreve com a verve e o charme de Nelson, pode provar o diabo que quiser. O talento aí se reveste de uma encantadora arbitrariedade. Claro, em tempos de regime fechado, esse encanto é um tanto leviano. Era essa a razão pela qual as diatribes anti-esquerda de Nelson tanto irritavam.

Em O remador de Ben-Hur, Nelson passeia por vários mitos nacionais: JK, Garrincha, Plínio Marcos etc. e, no geral, ocupa-se bastante de teatro, atores e teatrólogos, jáque era essa a sua praia. Mas o que escreve sobre o que e quem quer que seja tem sempre aquele brilho suculento da observação ferina, da frase lapidar, da coragem intelectual mais audaciosa. Em A morte pela beleza, por exemplo, chega a ser profundo, falando do suicídio de Marilyn Monroe. Leiam só:

...Marilyn Monroe morrera, na véspera, dessa enfermidade terrível que é a beleza. Enfermidade, disse eu. De fato, a beleza causa na mulher um desgaste interior, macio, insidioso, fatal. E, no fim de certo tempo, a mulher bonita se volta contra si mesma, com tédio e ira de todos os seus dons plásticos. Por que se matou Marilyn Monroe?


Porque, doente, neurótica de beleza e de graça, fez da morte o último sonho da carne e da alma. E, assim, toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. Éuma ressentida contra si mesma.


Mas, Nelson vai de Marilyn Monroe a uma figura aparentemente muito mais séria: Jean-Paul Sartre:

Mas o que eu queria dizer é que a autoflagelação, ou a autodestruição, é própria dos seres melhores. Há um momento em que o santo, ou o gênio, ou o herói, ou o craque, têm uma brusca saudade da mediania.

O que é a tentação, para o santo, senão o ressentimento? Por um instante, baixa nele um tédio cruel da graça que o ilumina. Ele, então, desejaria ser um burocrata. Trocaria a bem-aventurança pela repartição. Do mesmo modo, um Napoleão, ou um Goethe, ou um Michelangelo, há de perguntar, por vezes, a si mesmo: Por quê é que eu não sou uma besta?. Foi o que aconteceu com Jean-Paul Sartre em sua viagem recente ao Brasil. Nas suas conferências por estas bandas, ele precisava, de vez em quando, dizer umas bobagens tremendas. E assim fazia porque estava farto de ser genial
.


Pontos de vista originais eram mesmo com o Nelson. Uma pena que esse homem tenha morrido, mas os livros estão aí, e dá para reviver uma época, relendo-os. A falta de talento de gente que escreve na imprensa atual dá uma saudade imensa dele.

O interessante é que se conclui, lendo Nelson, que pensar é sempre pensar contra a corrente, incomodando seja a esquerda, seja a direita, seja o centro, já que a originalidade do livre-pensador há de ser sempre incômoda a qualquer regime ou a qualquer grupinho que se acredite santificado por ter chegado ao poder. Pensar contra a corrente é pensar solitariamente. Só contando com a justiça que o tempo poderá fazer a nós, pensadores do contra. Isso se é, se o tempo não continuar alheio a nossas idéias, porque o que há de verdades soterradas por conveniência, neste mundo, não é brinquedo.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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