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Para não esquecer o Holocausto

por .::. Verdes Trigos Cultural .::. *
publicado em 27/01/2006.

Os prisioneiros dos campos de concentração dormiam em galpões de madeira com uma abertura no telhado que ventilava no verão e por onde entrava chuva e neve. Os catres sobre os quais homens apagados deitavam seus corpos eram beliches de três andares. Cada bloco deveria abrigar 150 pessoas, mas havia sempre mais de 300. Seis pessoas em cada beliche tornava o inverno mais suportável. Os catres eram inclinados. Os nazistas os projetaram assim não para que os excrementos dos homens doentes apenas se acumulassem nos catres superiores, mas, caindo sobre os que estavam embaixo, desumanizava a todos e aproximava ainda mais do fim os homens que não conseguiam se afastar dele.
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O Holocausto de cerca de 6 milhões de judeus se torna memória pública e lição para combater todas as formas de intolerância
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Os blocos, os catres inclinados e a porta triunfal na qual ainda se lê "O trabalho liberta" -sob cujo arco passavam os trilhos dos trens de carga abarrotados de seres humanos- podem ser vistos por quem quiser e se interessar nos campos de concentração das zonas ocupadas pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Auschwitz, por exemplo, símbolo e emblema da produção industrial de cadáveres -aliás, como estabelecia o protocolo da Conferência de Wannsee para a Solução Final do problema judeu na Europa.
Por esses campos, desde o segundo semestre de 1941, passaram milhões de não-homens, seres dos quais se apagou a centelha divina e que, de tão vazios, não podiam nem conseguiam mais sofrer. Primo Levi, químico italiano que sobreviveu a Auschwitz, mas não resistiu às suas lembranças e se matou em 1986, escreveu um pequeno poema com o título "É Isto Um Homem", em que se lê: "Pensem bem se isto é um homem / que trabalha no meio do barro / que não conhece paz / que luta por um pedaço de pão / que morre por um sim ou por um não".

Levi e alguns poucos foram libertados pelas tropas da extinta União Soviética que entraram em Auschwitz, no dia 27 de janeiro de 1945. A eficiente e disciplinada administração nazista já contabilizava algumas centenas de milhares de mortos cujas cinzas foram expelidas pelas chaminés dos crematórios, promovendo a desertificação da vida.

Mesmo ao fugir diante da aproximação do Exército soviético, os nazistas não deixaram para trás, com os uniformes que podiam denunciá-los, seu instinto assassino: levaram o que puderam de prisioneiros para a tristemente famosa Marcha da Morte, que caminhava pela neve para lugar nenhum. Fuzilavam-se os moribundos.

Para que aquele assassinato em massa -pela primeira vez caracterizado como um genocídio- jamais seja esquecido, a ONU decidiu no ano passado que todos os anos, na data de hoje, se comemore o Dia Internacional de Recordação das Vítimas do Holocausto, com o voto unânime de seus membros, entre eles o Brasil. É que, em 2004, o presidente Lula recebeu uma delegação do Congresso Mundial Judaico e lideranças da comunidade judaica do Brasil e assinou um documento condenando o anti-semitismo, o que significava se manifestar contra a intolerância e a discriminação em todos os sentidos.

Por esse ato da Assembléia Geral da ONU, o Holocausto de cerca de 6 milhões de judeus, ou um terço da população judaica da Europa de antes da guerra, se transforma em memória pública e lição para combater todas as formas de discriminação, intolerância, racismo e violências contra minorias étnicas. Ou seja, o Dia Internacional de Recordação das Vítimas do Holocausto também homenageia ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais, deficientes, comunistas, socialistas, lideranças sindicais e oposicionistas de um modo geral, todos vítimas dos nazistas. E faz com que não se repitam as atrocidades do Camboja, de Ruanda, da Bósnia e de Kosovo.

Datas como esta são importantes para lembrar e fundamentais para conter um ou outro espasmo de discriminação e intolerância que se traduz em anti-semitismo. Como o do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, engenheiro de 49 anos que, por sua idade e por certamente ter faltado às aulas de história, parece ignorar que Hitler queria o petróleo do Oriente Médio, seu país incluído. Se isso tivesse acontecido, a história seria outra e, além dos soldados e civis, teria assassinado os milhares de judeus que lá viviam.

Hoje, restam cerca de 10 mil judeus, aos quais se permite liberdade de culto, de educação e de organização. Mas, paradoxalmente, Ahmadinejad coloca em dúvida seu programa nuclear, ataca Israel, vocifera contra o Holocausto e, como bom negacionista, propõe uma estranha conferência para que se prove cientificamente se o Holocausto aconteceu e se, de fato, foram assassinados milhões de judeus.
Sabe-se, no entanto, que o presidente do Irã usa esses factóides para desviar a atenção do povo dos problemas internos. Isto é, demoniza os judeus e culpa Israel pelos males do país. O drama é que, na Alemanha da década de 1930, também foi assim. Israel não existia, mas o judeu estava à mão, Hitler o satanizou, tomou o poder, fez o que está contado nos parágrafos acima e mostrou, mais uma vez, que o anti-semitismo não é apenas uma questão judaica mas uma questão de liberdade.
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Jack Leon Terpins, 57, engenheiro, é presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil) e do Congresso Judaico Latino-Americano.

Sobre o Autor

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