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Crônica: Quando eu entrar para a história
por Verônica Böhme
*
publicado em 12/12/2005.
Enquanto rezava para que as sarnas percebessem a minha superioridade genética e que não ousassem me abordar, eu me perguntava porque eu, logo eu , estaria passando por isso. Desempregada, vendera o carro, dependendo assim do transporte coletivo, e já entrava no caminho de pedir esmolas para comer, pois a fase de pedir um empréstimo para pagar o outro, já havia sido esgotada.
Quando penso que um gênio como eu está passando por isso, me inclino a acreditar que o mundo é injusto e que a vida é uma droga. Porém, como o mundo atual proporciona muitas opções antes da loucura, mudo logo de idéia e preencho meu cérebro de exemplos como estes: um alto executivo contava que estando desempregado por dois anos, certo dia chegou ao ponto de ter que assaltar o cofrinho do filho. Outro exemplo que me afasta de uma visão negativa da vida é o de Wittgenstein; este filósofo que achava o mundo injusto e a vida uma droga só porque tinha dinheiro. Vejam que interessante: ele tinha “algo” que o fazia infeliz e eu precisando, tanto, desse mesmo “algo” para poder ser feliz: pagar meu aluguel, contas, comer. Radical ele doou a fortuna para sua irmã e quis trabalhar como porteiro, e, o mais interessante: não entrou em nenhuma crise por isso, não se sentiu injustiçado pela sociedade, explorado pelos governantes e/ou banqueiros, e nem teve aquele sentimento pesado de viver na pobreza ou de estar executando um trabalho inferior, cá entre nós, acho que devia, até, ter se sentido livre. Quando fico ciente desses exemplos me sinto no caminho certo, tenho a compreensão de que minha genialidade não é em vão.
O exemplo que mais me toca, no entanto, aquele que me dá a verdadeira sustentação psicológica nos momentos difíceis é o de Einstein. Soube que ele trabalhara num tipo de repartição pública e que recebia os artigos de físicos para posterior publicação. Uma tarefa administrativa que com certeza não primava pela dificuldade ou inteligência exigida; e vejam que coincidência: quando morei em Genebra fiz o mesmo trabalho que Einstein, não é uma glória!?! Na minha história eu trabalhava na Revista Européia de Física, recebia os artigos dos físicos e contava os caracteres dos mesmos para posterior publicação. Quando pensava no meu diploma de física ou no mestrado da USP e tendia a ficar frustrada ou infeliz, a história de Einstein me vinha à mente e aí eu entendia: são percursos que gênios devem percorrer!
O que me conforta em tudo isso, o que dá o verdadeiro sentido à minha vida, é que além de mentes brilhantes não arrumarem trabalho ou terem de fazer tarefas medíocres, é que: quando eu entrar para a história e estiver registrado que vivi no Brasil quando o dólar estava de um para quatro reais, que fiquei desempregada no ano quando o desemprego foi um dos maiores no país, que o seguro desemprego mal dava para pagar as despesas básicas, que tive que cancelar meu seguro saúde, vender o carro, não sabia como pagar o aluguel e muito menos onde arrumar dinheiro para comer no dia seguinte, tudo isso vai somar a minha glória, quando eu entrar para a história, e aí, eu percebo a justiça do mundo e vejo que a vida é perfeita.
Sobre o Autor
Verônica Böhme: Verônica Böhme, física, escritora e poeta, escreve em 4 estilos: (1) Aventura-investigação-humor, (2) Contos filosóficos e metafóricos, (3) Relações familiares, (4) Ficção social. Tem aproximadamente 200 poemas em português, 30 em francês, 2 em inglês. Escreve crônicas desde 2002 publicadas no jornal Correio Popular, Setor Opnião. Viveu no Uruguai, na Suíça e tem artigos publicados (sobre a escritora e sua obra) em Londres e na República Tcheca.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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