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Entrevista da escritora e filósofa Márcia Denser
por .::. Verdes Trigos Cultural .::.
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publicado em 03/12/2005.
Texto _parte_ da entrevista da escritora e filósofa Márcia Denser. Vale a leitura.
1. Alguns críticos literários pensam que a crise da representação da mulher em América Latina é mais social do que epistemológica. Qual é a sua opinião a respecto?
R. Para além da literatura – mas sendo incorporada por toda literatura brasileira contemporânea – a crise de representação da mulher é política e envolve o processo de globalização intensificado a partir dos anos 90, quando a mulher ocidental retrocede ao projetar novamente a imagem de mulher-objeto, voltando a agir como objeto do homem e não mais como sujeito da ação, principalmente no cinema comercial norte-americano onde, emblematicamente, ela passa a maior parte do tempo de joelhos a fazer felação no parceiro embora, é claro, não fume. O neoliberalismo combinado Thatcher-Reagan nos anos 80 se constitui para diluir as conquistas dos movimentos feministas de 60/70, desagregadoras para o capitalismo, e a ele se une a ação da igreja católica na figura do papa polonês e do atual, alemão, ambos conservadores, impondo as políticas da “nova carismática”, práticas religiosas idiotizantes que substituem a “teologia da libertação” da década anterior convenientemente massacrada na América Central pelas forças norte-americanas( ver Noam Chomsky, Poder e Terrorismo- entrevistas e conferências pós-11 de setembro, Rio de Janeiro, Record, 2005). Um puritanismo farisaico se impõe ao lado da hipocrisia do politicamente correto, incentivando a natalidade, condenando e proibindo o aborto, provocando uma nova explosão populacional que abrange não só as classes C e D, como a B, constituída por uma pequena e média burguesia emergente da informalidade, inculta, massificada, despolitizada, explosão demográfica que não interessa a ninguém, mas que a nós, latino-americanos, particularmente a nós, brasileiros, apenas prejudica e cujas conseqüências, apenas vislumbradas, já são e serão gravíssimas.
2. O que você pensa da figura da mulher escritora brasileira hoje em dia? Em sua opinião,como deve ela contribuir no contexto da América Latina e globalizado?
R. Atualmente os procedimentos de um escritor ou escritora profissionais são semelhantes no mundo todo, pois a literatura não é globalizada mas internacionalizada, compreende? Meu “fazer literário” é algo construído no cotidiano, constituindo-se o viver e o escrever uma só e a mesma coisa, não mais a vivência metafísica consumada apenas no plano subjetivo clariceano, e muito além duma subliteratura Carraro/Cassandra . Minha personagem toma a iniciativa no jogo de sedução e sexo, está interessada no seu próprio prazer, ela usa, não é usada pelo outro, desse modo opera a subversão do sistema de gêneros dominante e assim coloca a mulher como sujeito da ação, e não como objeto do outro, cancelando o papel de mulher–objeto. Outrossim, este cancelamento é uma conquista levada a efeito no interior da batalha discursiva. Assim, em função duma pesquisa de linguagem, como produto duma elaboração da linguagem como fenômeno estético, duma consciência plena da língua e da linguagem como instrumento de trabalho, minha personagem não é falada pela língua, não vincula o discurso do outro, ao contrário, desloca o discurso da Tradição para colocar o seu próprio, conquistando o direito à própria voz, à própria fala. E quem detém a palavra, detém o poder. Aliás, a conquista de uma voz própria, de uma voz pública, universal, polissêmica, plurivalente, que é manifesta ao se atingir um estilo único, meta de todo escritor, seja mulher ou homem, é algo que precisa passar antes pelo exercício, pelo domínio, pela superação, pela incorporação de um discurso erótico.Esta é minha tese e, ao que parece, não é um problema apenas da mulher latino-americana ou das mulheres do terceiro mundo, mas pós-90, é um problema colocado também para as mulheres do segundo e primeiro mundo ocidentais tendo em vista os retrocessos do feminismo, tal como foi apontado na questão 1, acrescido do fato do discurso cinematográfico hollywoodiano, no qual esta mulher está inserida, penetrar o imaginário globalmente.
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