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O sacrifício de Yitzhak Rabin
por Amós Oz
*
publicado em 13/11/2005.
Na verdade, era fácil respeitá-lo, mas muito difícil amá-lo, e contudo eu o amei. Mas não de imediato.
No início, ele era para mim o general Rabin, o comandantechefe do Exército israelense, o herói vitorioso da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Nossa relação começou com um documento e evoluiu como uma tensa amizade. O documento era um texto do setor de inteligência que li quando servia no Exército em 1967. Ele dizia algo sobre uma "enorme concentração militar egípcia ao longo da fronteira israelense".
Alguém riscara a palavra "enorme" e escrevera à mão a palavra "considerável". Por pura curiosidade literária, senti que precisava descobrir que mão moderadora havia feito aquela mudança. Fora a mão do general Rabin - e gostei imediatamente dele por isso.
ENCONTRO
Alguns anos depois, Rabin me telefonou, apesar de mal termos nos conhecido antes. Ele queria o meu conselho sobre os termos de um certo discurso importante. Dei-lhe o melhor conselho que podia, e aí ele disse inesperadamente: "Posso ir vê-lo?" E acrescentou: "Só tomarei uns vinte minutos de seu tempo." Naquela época, ele estava em primeiro lugar na disputa pelo posto de primeiro-ministro e eu era apenas um jovem escritor - um entre muitos. Disse-lhe que ficaria contente em encontrá-lo onde ele quisesse, mas Rabin insistiu em vir até minha casa. Dezenove minutos depois (marquei no relógio), ele partiu, desculpando-se pelo incômodo.
Esse, nas palavras do filme Casablanca, foi o começo de uma maravilhosa amizade - maravilhosa certamente para mim. Nunca uma amizade fácil, nunca amena e relaxada, sempre carregada de discussões ferozes e discordâncias agudas.
Contudo, desde aquela visita à minha casa, eu poderia ver com freqüência a criança tímida por trás do orgulhoso líder militar e do poderoso estadista.
Havia em Rabin um lado eternamente solitário, inseguro, perplexo, e muito comovente.
De certo modo, ele parecia mais um jovem artista do que eu. E, no entanto, havia um gume cortante nesse homem, cerebral, às vezes extremamente feroz, duro como um camponês, potente como um machado e teimoso como uma mula.
Quando nos encontramos pela primeira vez, Rabin era um político bastante convencional e um falcão militar. Sua sabedoria política nos anos 70 poderia ser espremida no mantra simplório "os árabes só entendem uma linguagem" (ele sabia perfeitamente que a política exige táticas e que a linguagem mansa pode ser mais eficaz do que a linguagem violenta, mas não havia nada de manso em sua concepção do conflito árabe-israelense).
PROCESSO DE MUDANÇA
Rabin mudou gradualmente diante dos meus olhos. Decerto não por influência minha, mas por um processo sutil, emocional e intelectual, que poderia ser expresso nas palavras "se eu fosse palestino." Ele se ensinou a imaginar os sofrimentos dos inimigos. E com certeza nunca se converteu ao pró-palestinianismo. Mas percebeu, passo a passo, que os palestinos têm de fato algumas demandas válidas, poderosas até, contra Israel.
Nada disso é muito especial.
Essas mudanças de coração e mente ocorreram com muitos israelenses nos anos 80. Entretanto, no caso de Yitzhak Rabin, as mudanças se materializaram numa mudança fabulosa também na política.
Muitas décadas de recusa israelense em tratar com a Organização de Libertação da Palestina (OLP) foram anuladas por Rabin e Shimon Peres, numa dramática reviravolta que tornou possíveis os Acordos de Oslo entre Israel e a OLP. Esses acordos assentaram as bases para qualquer futuro tratado de paz entre Israel e a Palestina.
Na última vez em que vi Yitzhak Rabin, preguei-lhe estupidamente a respeito da necessidade de fazer mais concessões à OLP a fim de reativar o processo de paz. Eu disse: "Yitzhak, sei que fazer mais concessões envolve uma enorme dificuldade no front doméstico." Ele me endereçou então um meio sorriso e replicou tristemente: "Enorme não, Amos, apenas considerável dificuldade." Duas semanas depois, em novembro de 1995, Rabin foi assassinado por um fanático judeu durante uma manifestação pela paz na praça central de TelAviv.
Os fanáticos nunca moderam sua posição. Suas opiniões jamais são "consideráveis".Seus atos são sempre "enormes"?
Tradução de Celso M. Paciornik (OESP)
Sobre o Autor
Amós Oz: Nasceu em Jerusalém, em 1939. Considerado um dos melhores escritores israelenses da atualidade, já foi traduzido para mais de 22 línguas. Atualmente mora em Arad, no deserto de Neguev, dedicando-se à militância em favor da paz entre árabes e israelenses e ao curso de literatura hebraica que leciona na Universidade Ben-Gurion.Clique AQUI para ler a COLETÂNEA AMÓS OZ
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