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QUIXOTESCAS

por Viegas Fernandes da Costa *
publicado em 16/10/2005.

Talvez fosse melhor escrever uma historinha, mas cansei delas, principalmente quando vêm assim, no diminutivo. Não, definitivamente hoje não é dia para historinhas, e como escrever torna-se tão necessário quanto respirar, cá estamos para bancar o Dom Quixote e lutar contra os moinhos de vento, ou, se preferirem – eu prefiro - , sermos um Leonardo da Vinci desenhando aquelas geringonças voadoras, levado a sério por um certo Alberto que deu ao mundo o 14-Bis.

Começo lembrando Gandhi. Só mesmo um Mahatma para nos ensinar que se pode recolher o sal com as mãos. Carregou atrás de si uma Índia inteira e nunca disparou um tiro. Sua arma era a palavra e o exemplo, tinha a história nas mãos. Cultivou a tolerância na tentativa de colher a paz. Por que não? É triste constatar, porém, que há sempre maiores argumentos para se defender a violência, principalmente quando se vive uma sociedade violenta, pois como já poetava Augusto dos Anjos em seus “Versos Íntimos”, “o homem que vive entre feras sente, inevitável, necessidade de também ser fera”.

Sim, mas devo explicar. Ensinaram-me, nos tempos de escola, que não se deve iniciar um texto sem que se diga, primeiro, a que se veio. Estaria reprovado, então. Ainda não disse a que vim. Corrijo-me: venho por conta do referendo; deste referendo que levará o povo brasileiro às urnas para que decida entre a proibição ou não da venda de armas de fogo e munição no Brasil. Venho porque ainda acredito “nas flores vencendo o canhão”, apesar de tudo. Afinal, humanizar-se a humanidade não é tarefa das mais fáceis, ainda somos feras e acreditamos na força das balas.

Recentemente assisti ao documentário “Tiros em Columbine” (2002), do polêmico diretor estadunidense Michael Moore. Para quem não lembra mais, Columbine é o nome de uma escola nos Estados Unidos onde dois adolescentes armados mataram em 1999 doze estudantes, um professor e depois se suicidaram. Partindo deste fato, Moore procura analisar as razões que levam a sociedade estadunidense (uma das mais armadas do mundo) a ser, também, uma das sociedades com o maior número de crimes por armas de fogo do planeta. Tinha uma hipótese primária: a de que a violência nos Estados Unidos estava associada ao porte de armas, e procurou contrastar esta realidade com a do Canadá, um dos países com o menor índice de homicídios praticados por armas de fogo. Teve uma surpresa, no entanto. Descobriu que o Canadá possui sete milhões de armas para uma população de dez milhões de famílias, ou seja, quase uma arma por família. Como explicar, então, a gritante diferença entre a violenta realidade estadunidense e os baixos índices de criminalidade canadenses? Pois é, foi a pergunta que também me fiz, e a resposta é óbvia: o Canadá possui uma população preparada para portar armas justamente por ser uma sociedade ainda não amedrontada. Com altos índices de desenvolvimento social, educacional e apresentando um grande nível de tolerância às diferenças, o povo canadense aposta no diálogo, na negociação, e não na intimidação, tão diferentemente dos Estados Unidos – e do Brasil – onde o próprio Estado e os meios de comunicação tratam de amedrontar a população com seus alertas contra o terrorismo e através da discriminação implícita nos discursos de uma mídia que rotula enormes grupos sociais como “naturalmente” criminosos. Possuir armas, no Canadá, não está ligado a uma questão de segurança privada, mas de tradição histórica. Em resumo, nos Estados Unidos, assim como no Brasil, o medo leva as pessoas a se armar e a fazer uso das armas quando assustadas, e é justamente este o problema principal.

Defender o princípio de que se deve possuir uma arma particular para garantir uma segurança que deveria ser oferecida pelo Estado, é usar do mesmo argumento que o governo Bush utilizou para justificar a guerra no Iraque: já que a ONU não garante a segurança do mundo, os Estados Unidos se concede o direito de fazer guerras preventivas. Sob a desculpa de perseguir terroristas, lança-se mão de enormes ataques que dizimam centenas de milhares de pessoas. E a conseqüência todos nós conhecemos: o terrorismo não só não diminuiu, como aumentou. O planeta tornou-se ainda mais violento. Da mesma forma, acreditar que com atos violentos poderemos diminuir a própria violência, é repetir um erro que há muito já estamos cometendo. Há uma premissa sociológica que diz que a violência só gera mais violência; acredito nela.

No Brasil o porte e a venda de armas sempre foi algo legalizado, e nem por isso vivemos em uma sociedade segura. Muito pelo contrário, os índices de violência aumentam a cada ano. Não seria o caso de refletirmos sobre as causas dessa violência? É certo que não resolveremos o problema apenas votando “sim” ou “não” em um referendo. É certo que o debate sobre o controle da violência é muito mais complexo que este maniqueísmo simplista que hoje está colocado na mídia. A causa da violência não está nas armas; estas são sua conseqüência e a agravam. Porém, defender sua comercialização, crendo que assim resolveremos nossas mazelas sociais, parece-me ainda mais simplista; bem como defender o princípio do armar-se como resposta à ausência de uma segurança pública eficaz, parece-me retroceder à lei do mais forte, ou, do mais armado, neste caso.

Gandhi enfrentou o colonialismo inglês com seu corpo franzino e uma multidão de pessoas que preferiram crer no imponderável. Quando os ingleses esperavam os gritos, a resposta surgiu no silêncio; quando esperavam a guerrilha, receberam a não cooperação pacífica. Acostumados à violência, a estratégia de Gandhi trouxe o inédito, a opção que ninguém havia imaginado que funcionaria. Resposta inédita a um velho problema, por isso deu certo.

“Devemos ser a transformação que queremos”, dizia o Mahatma. Tornando-nos violentos jamais transformaremos uma sociedade violenta. Por que não conseguimos aprender?

Blumenau, 15 de outubro de 2005.

Sobre o Autor

Viegas Fernandes da Costa: Viegas Fernandes da Costa nasceu no município de Blumenau em 21 de fevereiro de 1977. Formado em História e professor de Humanidades no Colégio Metropolitano de Indaial, começou a escrever muito cedo. Poeta, contista, cronista e ensaísta, possui inúmeros trabalhos publicados na imprensa nacional e em antologias, detendo inclusive alguns prêmios literários. Viegas mantém também a coluna “Crônica da Semana”, distribuída para milhares de endereços eletrônicos em mais de uma dezena de países.

Site oficial = http://www.viegasdacosta.hpg.ig.com.br/

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