Crônicas,contos e outros textos

PÁGINA PRINCIPAL LISTA DE TEXTOS Airo Zamoner


COMPARTILHAR FAVORITOS ver profile do autor fazer comentário Recomende para um amigo Assinar RSS salvar item em delicious relacionar no technorati participe de nossa comunidade no orkut galeria relacionar link VerdesTrigos no YouTube fazer uma busca no VerdesTrigos Imprimir

São Miguel das Missões Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural

VerdesTrigos está hospedado no Rede2

Leia mais

 




 

Link para VerdesTrigos

Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.

Anuncie no VerdesTrigos

Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui

Zorta, a ignorância

por Airo Zamoner *
publicado em 18/10/2003.

O grupo foi se reunindo, clandestinamente, ao lado de Zorta que não havia completado ainda seus cinco anos de vida, quando a primeira intrometida foi se achegando. Aproximou-se quieta, tímida, calada. Pelo menos foi assim que Zorta entendeu. Passou a sentir medo pelo resto do dia. Bem que tentou se livrar daquela presença, mas não houve jeito.

Irritada, deixou os brinquedos lá dentro e invadiu o quintal ensolarado. Correu o que pôde, na velocidade que pôde, com o ímpeto que pôde e fez tudo isto até cansar. Mas a danada corria junto, na mesma velocidade e com o mesmo ímpeto. Não teve esforço que resolvesse.

Veio a noite e com ela todos os fantasmas do bem e do mal a povoar as telas sonhadoras de Zorta. E ela não conseguia dormir. Abria os olhos e lá estava a enxerida, qual sentinela perfilada. Fechava-os e ela invadia sua intimidade, insistente, teimosa, intrigante, perturbadora de sua felicidade infantil.

Nos meses seguintes, apesar da inconfortável presença, já começava a se acostumar com a primeira, quando chegou a segunda. E com o mesmo abuso, mas um pouco mais obscena, escancarada.

Azucrinava a cabecinha de Zorta dia e noite. Até que numa tarde quase tranqüila, as duas, de forma intempestiva, uma de cada lado, começaram a tagarelar em seus ouvidos, provocando gritos desarvorados, desesperados.

Seus pais desolados, apelaram para pediatras, depois pedagogos, psicólogos que a duras penas conseguiram aparentemente acalmá-la.

Em seu íntimo Zorta se desesperava com as duas impertinentes. Só ela, e ninguém mais, nem mãe nem pai, nem professora, nem as amiguinhas, conseguia compreender a abrangência de seu pequeno grande drama.

E Zorta completava seu décimo aniversário, um tanto conformada, habituada com elas. Suportava as presenças inconfortáveis com a resignação dos monges prematuros. Tentar ela tentou inúmeras vezes, explicar com riqueza de detalhes o que se passava. Ninguém parecia ouvir, ou entender, ou descobrir a origem do incômodo e sofrido mistério.

Numa noite de primavera, porém, Zorta levantou-se de madrugada num pulo. Sentiu tocarem sua testa. Nem precisou acender a luz, pois a maldita recém-chegada era recebida com festas pelas duas veteranas. As três não a deixaram dormir mais. O toque na testa era o convite para que Zorta entrasse na bagunça. A mãe, ainda sonolenta, empurrou enfastiada a porta do quarto, acendeu a luz e encontrou Zorta de olhos esbugalhados, tentando expor a prova física de suas angústias, expor à mãe o trio maldito que a torturava. A mãe se restringiu a um longo bocejo e uma ordem para dormir, um virar as costas, um empurrar de porta.

Zorta hoje completa a maioridade. Acostumou-se com o grupo das vinte e tantas alucinadas que foram chegando ao longo da vida. Sim, as três se tornaram mais de vinte. Chegou ali, decepcionada com as promessas de que o maldito grupo se dissiparia, fosse embora, ou ao menos diminuísse o quorum, quando entrasse, e depois quando saísse do primeiro grau, do segundo, da faculdade, mas nada se cumprira. Assim mesmo, aprendera a conviver com elas martelando sua testa nas madrugadas, cutucando seu descanso, aborrecendo sua lógica.

Livrou-se de algumas, acomodou-se com outras e agora passa horas e horas nas bibliotecas. Por que nas bibliotecas? Ah, sim! Porque foi ali que ela começou a se livrar do indesejável grupo que enlouqueceu sua cabeça ao longo da vida. Foi ali que descobriu ter inteligência privilegiada, e quem a tem, tem o poder, mas com ele vem gratuitamente a desvantagem daquelas presenças. Outros, muitos outros, esbanjam a felicidade própria dos que desfrutam uma ignorância atroZ, assim mesmo, com este “z” maiúsculo no final. E estes jamais foram invadidos como Zorta por um bando de perguntas sem respostas.

Sobre o Autor

Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.

< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>

LEIA MAIS


Um Deus que chora, por Leonardo Boff.

Mendoza e a revolução falhada, por Adelto Gonçalves.

Últimos post´s no Blog Verdes Trigos


Busca no VerdesTrigos