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País de Otimistas

por Paulo da Mata-Machado Júnior *
publicado em 02/07/2005.

"Mais tous vous malheurs ont été utiles. Je suis sûr qu´ils étaient nécessaires.
Sans eux, seriez-vouz maintenant marié avec Mlle Cunégonde, la fille du baron de Thunder-ten-Tronckh? Auriz-vouz le plaisir de manger ici de nombreux fruits et de bons légumes?
- Mon cher Pangloss, cela est juste, répond Candide; mais rappelons-nous toujours qu´il fault cultiver notre jardin." (Voltaire, "Candide")

Não. Não me queiram cúmplices de suas indignações sazonais. Aquela amiga escritora, aquele autor de página da internet, aquele poeta famoso em entrevista irada...

Comiseração e auto piedade. É do que somos capazes e é só o que vejo acontecer desde que me entendo por gente. Vai tudo indo muito bem; de repente uma crise tem início. De localizada, pequenina, vai tomando vulto, cresce, espraia-se por todos os "fragmentos do tecido social".

Paranóia e histeria coletivas. Suspeitas levianas, acusações precipitadas, operações policiais espetaculosas, julgamentos equivocados. A versão. Jamais os fatos. Práticas e denominações para a nossa eterna e medíocre imaturidade, nosso infantil maniqueísmo.

A raiz do problema é que sempre são eles, nunca nós. Os ladrões, os corruptos, os isso, aquilo e ainda aquilo outro são, a vida toda, eles. A "grande, ordeira e pacífica maioria do povo brasileiro fique entretanto tranqüila que rigorosas investigações serão levadas a termo e os culpados punidos exemplarmente, doa a quem doer". Há quatro, quarenta ou quatrocentos anos que ouvimos? Que, sobretudo, falamos uns para os outros?

E então reconciliamo-nos, graças a essas patranhas, a "ideais" tão caros e tão civicamente construídos, tais como Pátria, Nação, Governo, Estado, etc. etc. Não coloco "cínico" no lugar de "cívico" porque sei que acreditamos piamente nessas balelas. Em outros lugares e para outros povos são vocábulos que exprimem a realidade, a construção responsável e diária de uma sociedade. Para nós é como se fossem palavras mágicas, invocações místicas capazes de, por si só, tornarem-se reais, se apertarmos bem os olhinhos e tivermos fé.

E isso nos impede de enxergar que aqui ainda não foi construído um país. Ao invés, tratamos todos de "fazer a américa", à custa da ingenuidade e da boa-fé do outro. Que nesse caso é uma ficção, pois sempre somos nós. E assim essa boa-fé macunaímica e essa ingenuidade velhaca são, ao fim, agravantes da nossa própria omissão criminosa. Que nos leva, ano após ano, ladeira abaixo. À conquistas de "campeonatos" tais como disparidade abissal entre ricos e pobres, favelização urbana, degradação ambiental, desperdício e esgotamento dos recursos naturais, mortes violentas, tratamento prisional degradante e, sobretudo, roubo.

De tempos em tempos lançamos um brado de ira. E como se isso, por si só resolvesse alguma coisa, nos escandalizamos com os gigantescos abusos, a grande corrupção o descomunal crime.Os autores, os bandidos, eles desceram de algum disco voador, foram gestados em algum outro planeta, tão estranhos que são ao nosso meio, tão alheios "a natural cordialidade e alegria do povo brasileiro"
E essa auto flagelação, seguida de um consolador passar de mão à cabeça, é o bastante. E assim vivemos e florescemos nos imaginando, individualmente, "lírios do pântano"; nos locomovemos e sobrevivemos em uma das mais sórdidas e injustas sociedades já construídas no mundo. A hipocrisia começa com a crença auto piedosa na nossa inocência. Enxergar finalmente a verdadeira imagem do espelho talvez possa ser um princípio.

Sobre o Autor

Paulo da Mata-Machado Júnior: Sou mineiro do Rio de Janeiro, das vizinhanças da Praça da Bandeira, rua Mariz e Barros, ao lado do Instituto de Educação, cheio de meninas vestidas de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador: Hospital Gaffrée-Guinle, dezembro de 1942. Antes dos cinco anos virei ilhota, naquele paraíso tropical que era a Ilha do Governador dos anos quarenta: pescava, nadava, andava de bicicleta e nas horas vagas freqüentava com muita má vontade as aulas da escola 5-13 Rotary. E as matinês do Cine Miramar, religiosidade dominical.

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