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Tutankamon: desejo atendido

por Leopoldo Viana Batista Júnior *
publicado em 31/05/2005.

Imaginem que estamos por ali pelo ano 1350 a.C. O Saara, como o conhecemos atualmente, quase três mil e quinhentos anos depois, não tem as mesmas características de antanho. Ele ainda é doce aos olhos, como as atuais savanas, rios e florestas do sul africano. A flora é bem diversificada, ainda. A fauna, essa muito mais, pois a caça aos leões, elefantes e outros grandes animais, ainda se exercita sem risco de extinção das espécies.

Naquele tempo, o povo egípcio era governado por importantes e belicosos reis, os faraós, os quais durante seus milenares papados, digo, reinados, ora eram politeístas, em sua maioria, ora monoteístas, estes últimos já no final da cadeia das referidas dinastias. Entretanto, uma coisa possuíam os grandes faraós em comum, determinavam que, após suas mortes, como as que hoje conhecemos, fossem eles embalsamados e, por conseqüência, mumificados, sendo enterrados com muitas das suas riquezas. Alguns, em monumentos que ainda hoje representam maravilhas de engenharia, como o vale dos reis, as pirâmides, dentre outros.

Suas esplendorosas majestades abominavam a idéia de voltar simplesmente ao pó, desaparecendo e se integrando quimicamente ao solo. Suas crenças, muito parecidas com as dos atuais viventes, traziam-lhes a certeza de novas vidas no futuro. E, quando estivessem a visitar o futuro, como registram os hieróglifos - isso, naturalmente, quando os seus deuses quisessem, após centenas ou milhares de anos -, deveriam estar protegidos por suas preciosas riquezas, especialmente por muitas jóias, ouro, pedras preciosas, artes plásticas, objetos do cotidiano e até móveis, pois, decerto, seriam tão valorizados à frente quanto naquele instante do passado, o que, certamente, implicaria em manter, seus proprietários, os seus reinados.

E a morte, acreditavam aqueles soberanos, poderia ser perfeitamente vencida. Quando alcançada e não evitada pelos curandeiros e magos da corte, seria ela vencida pelas posses materiais, desde que o defunto carregasse consigo suas preciosidades.

Pois bem, meus caros, o tal futuro chegou! Estamos milhares de anos à frente das aparentes mortes daqueles reis, a exemplo dos três mil e quinhentos anos do passamento do rei menino Tutankamon. E não é que os seus desejos e profecias foram absolutamente cumpridos?

O moço Tutankamon, que tem nome significando, por coincidência, a “imagem viva de Amon”, está talvez ainda mais poderoso do que em seu tempo de faraó. Suas roupas um pouco desgastadas, é verdade, mas sua aparência é boa; amorenado, também é verdade, mas bem, e, creiam, sem nenhuma doença à vista, no máximo alguns microscópicos fungos e tantas outras invisíveis bactérias, vidas patológicas, essas, que nem mesmo nós podemos estranhar porque já as possuímos nos nossos corpos.

Encontra-se o faraó, como tinha ele certeza, em novos tempos e nova vida, por certo, cada vez mais influente do que mesmo ao tempo de sua primeira experiência do viver, pois que até para ser visto, por seus súditos ou não, carecem todos de desembolsar quantia exigida pelas autoridades atuais egípcias para acesso à sua moradia recomposta.

Fotografado continuamente e em quase transe (?) pelos visitantes, repousa em esquife aparentemente confortável, em ambiente climatizado, juntamente com vários dos seus conterrâneos e absolutamente com todas as suas riquezas preciosas, exceção para um dos seus anéis, como antes dito, quiçá ainda mais poderoso hoje do que mesmo no passado, quando reinava entre seu povo e seus escravos, o que implica em dizer, pelo que os olhos vêem, que o menino faraó foi atendido em suas convicções e em seus quereres.

E não me digam que o faraó - apenas porque titular de abóbadas oculares invertidas, o que lhe traz olhar profundo e sinistro, também com pele obnubilada, e, ainda, porque não se alimenta daquilo que conhecemos como comida - está morto, não! Quero uma prova de que o sujeito está mortinho depois de quase 35 séculos! A atual medicina, que declara a morte daqueles que se pensam vivos quando descerebrados, ou mesmo a religião, que cuida dos descerebrados que pensam que pensam, mostrem ambas uma só prova de que a imagem viva de Amon não tenha sido atendida em seus desejos. Na resposta, por favor, não aceito nove horas.

Mas, que tal reconhecermos que, mesmo após tantos misteriosos anos, nada ou muito pouco sabemos sobre o que consideramos vida? Seria o viver, em detrimento da morte aparente, apenas ser lembrado por alguém cerebrado, mesmo que esse seja apenas um? E a morte, por via inversa, a ausência de lembrança total nos que sobrevivem e sobrevêm sobre alguém do passado, pois, aí sim, coitado, configurada estaria sua morte, pelo martírio do esquecimento? Se o sujeito vive apenas enquanto se exprime, pensa ou em suas veias flui sangue, porque não vive e se comunica por si mesmo, pelo seu corpo e seus objetos preciosos ou não, mesmo aparentemente inanimados?

Será por isso que conhecemos tantos seres que se apegam extraordinariamente aos seus bens, bem aqui, pertinho deles, tentando inconscientemente embalsamá-los e mumificá-los porque deles dependerão no futuro? Terão razão, como Tutankamon? Por ângulo pragmático, todavia, parece verdade que, sem eles, ou melhor, sem que alguns possam deles usufruir enquanto ainda cerebrados, sequer o pó esbranquiçado derivado dos ossos mais grossos dos nossos pares serão visitados em suas campas.

Sobre o Autor

Leopoldo Viana Batista Júnior: Cronista.
Autor do Livro: Estrada de Barro para Ladeira de Pedra.
Advogado da CAIXA em João Pessoa/PB.
Professor Universitário e Ex-Conselheiro Estadual da OAB/PB.


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