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Um cubículo de pavões
por Chico Lopes
*
publicado em 17/05/2005.
Volta e meia essa conclusão me assalta, e, para não cair na melancolia e na impotência diante de coisas que sei irremediáveis (o gosto brasileiro por patotagem e pela falsidade eufórica é um deles), em geral fecho os olhos, procuro ser complacente, sou corporativista como todos devem ser (afinal, somos um monte de náufragos numa canoa minúscula), mas, depois, remoendo pensamentos em meu travesseiro, o que me assalta está mais para a resignação triste que para o consolo: há pouco ou nada a fazer. "Comicidade e miséria", como resumia Thomas Mann no seu "Tônio Kroeger", disso é feito o nosso panorama. Ele se referia, claro, à condição humana, mas também à solidão e às desilusões de Kroeger, que, aliás, era escritor.
Eu já suspeitava disso há muitos anos, muito antes de estrear com um livro de contos em 2000. Suspeitava disso lá pelos começos dos anos 80 quando, jovem, ainda um grande entusiasta de escritores (todo mundo no distante mundo literário me parecia grandioso, dotado de um heroísmo à parte - achava eu que a tribo literária era feita apenas de gente moralmente nobre), lia um livro lúcido como "Problemas inculturais brasileiros - O ideal e a glória", de Osman Lins. Lins, falecido, é um escritor pouco lembrado, e seu livro, talvez por conter realidades amargas e lúcidas demais, menos ainda (por quê ninguém o reedita?). Nesse volume esquecido, ele pintava a realidade "incultural" do país com uma veemência peculiar e mostrava como é limitada a glória dos nossos literatos. Talvez não consista em nada além de uma espécie de delírio auto-indulgente de que as pessoas da rua não compartilharão jamais.
Hoje, com dois livros publicados, sei na carne o que ele estava dizendo. Talvez sejamos as criaturas mais excêntricas e solitárias deste mundo, num momento em que a cultura brasileira se afunda - e não parece dar sinais de que voltará à tona - em televisão, televisão e mais televisão. Ficaria feliz se visse muita gente se organizando e se opondo com um pouco mais de virulência e atitude a isso - digo, mais escritores. Mas, não: o que se nota é uma prostração geral, uma sensação de crepúsculo (o que explica a mídia acendendo velas de aniversário para alguns nomes já octogenários sem dizer uma palavra sobre o fato de que não há sucessores dignos à vista e tudo parece mesmo acabado).
Com a televisão, é assim, reclamações generalizadas, mas, quem pode, tira suas lasquinhas como proveitos estritamente pessoais. Não haveria nada de errado nisso, se a televisão retribuísse, prestando uma atenção decente aos escritores.
Mas, não: o que se vê, de raro em raro, em algum programa com ligeira pretensão cultural, a presença de algum famoso que está vendendo seu peixe - em geral, com uma bela capa e com um preço que o torna proibitivo ao brasileiro das ruas, que tem toda razão em ignorar literatura e literatos. A televisão, senhora feudal da alma popular, é arrogante com escritores: trata-os com o desdém de quem pode, do alto de sua ignorância bem sucedida, atirar migalhas a esses chatos "intelectuais" que emprestam algum verniz a algum programa aqui e ali. A televisão não produz nada que se pareça com escritores, embora alguns intelectuais cheguem ao cúmulo de achar que os autores de novela possam ser isso (autor de novela é um só: o Ibope, ou os patrocinadores). Mas há escritores que passam a vida inteira sonhando com ser acolhidos por ela, para finalmente alcançar o sucesso popular. E por isso babam de servilismo e vassalagem diante dela, felizes por algum reconhecimento espúrio. Uma vez perguntei a um escritor que teve um livro seu adaptado para a televisão e estava muito satisfeito, demasiado satisfeito com isso, como um deslumbrado desprezível, se ele achava que a máxima aspiração que um escritor brasileiro poderia ter seria virar minissérie da Globo. Avermelhou, não respondeu. E eu fiquei muito feliz por deixá-lo embaraçado daquele jeito. Quem sabe, consegui fazê-lo começar a pensar um pouco...
SEM APETITE PELA GRANDEZA
Há um problema no ar: pouco apetite pela coragem, pela grandeza, pela atitude. Justamente por vivermos todos massacrados com nossas pequenas edições limitadas, nossas necessidades de divulgação, nossa tentativa de sobreviver de coisas outras que não livros (que ninguém é doido), nos calamos também sobre a baixa qualidade de tantos de nossos novos "confrades", porque estamos debaixo de uma afetação democrática hipócrita, já que por baixo dela o que há é mesmo o velho brado darwiniano: "Vire-se, negão. Sucesso é loteria..."
E há gente demais escrevendo e publicando. A heterogeneidade aturde, impede que façamos juízos sensatos. Quem é que raciocina em meio a avalanches? Cada um corre para seu lado, e, no nosso caso, carregando nossos preciosos livros, destinados a tão poucos leitores, como relíquias de sobreviventes. A mentalidade de catástrofe e massificação leva a essa sensação de que sucesso não é mais questão de mérito, mas de loteria, de quem será o sortudo a despertar a atenção das emissoras de tevê ou das grandes editoras com contratos gordos. Só se ouve falar de qualidade literária em grupos muito restritos, de gente que baixou a cabeça e se resignou a produzir em silêncio, para grupos identicamente pequenos, alguma coisa mais cuidada.
E, em geral, não adianta querer um pouco de dignidade, bom senso e superioridade, nesse contexto. Como o tom reinante é o da vaidade, qualquer crítica é tomada como ataque pessoal de um narcisista a outro narcisista e, um jurando que o outro é que é narcisista, como se os dois (e o resto) não fossem, ficam ali, se engalfinhando, nessas briguinhas infernais (pela esterilidade, acima de tudo) que são tão comuns no meio. Nesses momentos é que se vê, como disse um escritor meu amigo, que, no ser humano, duas coisas são especialmente horríveis: certas partes pudendas e a vaidade exposta. Ninguém se beneficia disso. O espetáculo é tão deprimente quanto o daquelas brigas de políticos no Congresso que tantos amam deplorar.
Somos pequenos, minoritários, isolados, ignorados por uma sociedade inculta que até hoje só consome mesmo é o Alencar ou o Amado fáceis que alguma novela lhe dá em bocados demagógicos. Somos um cubículo, e acreditamos ser infinitos. Justamente por sermos um cubículo e por sermos tão pavões, é que os choques são inevitáveis - as caudas, ao se abrirem, se chocam umas com as outras, e a algazarra dos melindrados não tem fim.
Seria necessário que tivéssemos mais generosidade. Mas, desconfio que estou sonhando de novo, tal como sonhava naqueles tempos românticos em que acreditava numa espécie de nobreza inata na tribo dos escritores. Pensava eu em Kafkas, Dostoiévkis, Prousts, sujeitos para os quais nada era maior que escrever. Meu protesto aqui pode não passar de um anacronismo. Em todo caso, não custa nada acreditar que alguém preste atenção a ele e medite um pouco. A mais não posso aspirar.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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