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PERFIL DA IMPERATRIZ

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 06/05/2005.

Em outras oportunidades, escrevi sobre minha mãe. Apesar do perfil de imperatriz não mudar, algumas posturas engraçadas dela – que não me leia ou ouça – acontecem todos os dias.

Acredita que entende o que os gatos querem falar: os três aqui de casa – Nickles, Beethovinho, Mendiguinha – e os da vizinha, associados da Pensão Felina de D. Irene, Minie e Madruga. Quando cessam os miados, após alguma atitude dela, empina o nariz afirma de imediato: “Viu só como entendo o que eles querem dizer?!” E não é somente com os gatos: há cachorros de rua e outros conhecidos dela, abelhas, borboletas, grilos... Um dia desses, havia um cachorro perdido pela rua de casa, irritadíssimo com os bichanos, até levar uma coça da Mendiguinha, que, por certo, treina luta livre. No domingo, recebi a determinação de levar comida para ele na calçada. Estranhamo-nos um pouco. O colega já estava tão mal acostumado, com a protetora de latidos e miados, que não gostou de minha demora no serviço de mesa. Resultado: arranhou minha mão com os dentes. A mamãe achou uma graça a atitude dele e reprovou minha lentidão.

O lado jardineira dela reprova minha maneira de cuidar dos gerânios que ficam em minha janela. “Excesso de água – comenta. As raízes apodrecem. Precisa trocar a terra e adubar”.E o pior é que interfere no trato e os vasos olham-na com flores sorridentes. Fico com cara de tacho.

Aprecia demais os produtos de alta durabilidade, mesmo os que são para descartar! Se trabalhasse nas empresas do Tio Patinhas do Walt Disney teria sucesso. Recentemente, fomos a uma festa e estacionei o carro próximo a uma vegetação. Na manhã posterior, indignou-se, pois havia picão em sua meia de seda. E se desfiasse? Era nova. Não poderia conceber jogá-la fora ou guardar para o tapete de crochê, feito com meias, do qual ouço falar há uns dez anos, mas a tecedura... Meias e mais meias desfiadas acumulam-se num canto de seu armário. E ainda quer que eu não seja “maluca beleza” nesse convívio bonito e engraçado de tantos anos.

O lado bravo é bom não experimentar. Quando não gosta, diz de imediato e chama a atenção. Seja a quem for. Algumas atitudes ou falas julga ser “falta de linha”. Os bichanos, considerados inteligentíssimos numa porção de coisas, estão isentos de broncas. Quando quebram objetos e desarrumam armários, não se pode nem falar mais alto com eles, pois de imediato justifica que são irracionais e traumatizam-se com advertências.

De bem com a vida, dentre agulhas e novelos, sempre arrumada, possui coragem imensa para enfrentar as dores e as perdas que todas as histórias carregam. Abate-se, chora e, de imediato, reage, pois as horas prosseguem e rumamos para a Eternidade, onde não haverá sofrimento algum. Leva com um sorriso a saudade, sem se permitir paralisar nas recordações. Nos impactos, anuncia a esperança. É firme em suas orações. Crê na intercessão dos santos e, antes de dormir, coloca seu olhar no da Sagrada Face e no da Virgem Maria.

Minha mãe desperta paixão nas pessoas, bichinhos e plantas. Suas carícias vêm de dentro. Os bichanos percebem, as flores e as plantas também, além dos seres humanos. Na semana passada, após a Missa na Igreja do Rosário e São Benedito, um colega de rua ficou encolerizado com uma mendiga que dizia palavras de louvação para a imperatriz. Ciúmes de D. Irene, constataram os demais que estavam em volta. Encontrou, nela, na sua solidão de andarilho, colo de mãe.

É possível não se apaixonar por uma pessoa como ela?

Feliz “Dia das Mães” para todas as grandes mulheres, como minha mãe, que executam tarefas, cantam cantigas de ninar, colocam limites, falam, olham e afagam com o coração!

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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