Crônicas,contos e outros textos
PÁGINA PRINCIPAL → LISTA DE TEXTOS → Airo Zamoner →
Verdes Trigos em São Miguel das Missões/RS - Uma viagem cultural
VerdesTrigos está hospedado no Rede2
Leia mais
-
NOSSOS AUTORES:
- Henrique Chagas
- Ronaldo Cagiano
- Miguel Sanches Neto
- Airo Zamoner
- Gabriel Perissé
- Carol Westphalen
- Chico Lopes
- Leopoldo Viana
- mais >>>>
Link para VerdesTrigos
Se acha este sítio útil, linka-o no seu blog ou site.
Anuncie no VerdesTrigos
Anuncie seu livro, sua editora, sua arte ou seu blog no VerdesTrigos. Saiba como aqui
Ouçam o silêncio!
por Airo Zamoner
*
publicado em 15/07/2006.
O farfalhar metálico das correntes, revestindo pneus, construía o som do momento. O momento das enxurradas, das chuvas, do barro profundo.
Um cheiro de progresso, de otimismo, de confiança no futuro tomava conta dos ares e dos bares, das ruas e das puas, dos mercados e dos pecados, das mentes e das sementes. Eis aí, a “piccola” Londres tupiniquim de minha infância.
O barulho dos homens com suas máquinas. O barulho da natureza com seus ventos. Tudo impulsionava corações na construção de um novo canto, embutido nas florestas frescas e densas do norte de meu Paraná.
Houve um dia, porém, menino ainda, senti um choque nos ouvidos e um susto no coração. Repentinamente, as rotinas se quebraram. As máquinas pararam. Os ventos cessaram. O céu, sem nuvens, escureceu a tarde de verão. No ar estático, homens e natureza largaram suas ferramentas, pegaram suas armas, suas defesas. Um silêncio longo espinhava as entranhas, não se falava palavra alguma.
Angustiado, tanto quanto um menino pode ter de angústia, perguntei a meu pai o que era aquilo. Colocou o indicador nos lábios e disse: É o silêncio que prenuncia a tormenta.
E a tormenta veio. Implacável, destruidora, impiedosa. Arrasou plantações. Arrastou casas. Destruiu obras. Desnutriu sonhos. Inundou praças. Afundou suores. Decepou frutos. Aflorou lutos.
Nunca mais esqueci daquele silêncio aterrador. Hoje, Londrina não é mais a mesma. Transfigurou-se em metrópole. Não há mais silêncio, nem tormenta capaz de arrasá-la. Não há mais ninguém com ouvidos para ouvir o silêncio, trombeteando catástrofes.
Não é mais o silêncio daqueles dias que nestes dias aflige meu pensamento. Aprendi a ouvir o barulho de meu país. Barulho feito por braços e cabeças de quem trabalha para valer. E se há barulho neste Brasil, este vem das máquinas, das mãos e das mentes produtoras que vencem a preguiça dos aproveitadores.
Vence a má-fé dos mandarins de araque. Ultrapassa o assalto contumaz ao imposto, do imposto, imposto imoral a ultrapassar os limites da cidadania. Ele que esvazia a barriga do povo para engordar a pança dos traidores.
Agora, a mesma aflição do silêncio repentino de Londrina-criança me assalta e me aferroa. É o silêncio desta nação espoliada. Um silêncio soberano de norte a sul. Silêncio de advertência muda. Um silêncio-ultimatum.
Ocupados com seus poderes, seus haveres, seus adultérios, não ouvem nossos perderes, nossos sofreres, nossos revertérios. Ocupada com a partilha, a camarilha não é capaz de ouvir nossos silêncios.
Agora, a tormenta se avizinha sobre a pátria que foi minha.
Sobre o Autor
Airo Zamoner: Airo Zamoner nasceu em Joaçaba, Santa Catarina, criou-se no Paraná e vive em Curitiba. É atualmente cronista do jornal O ESTADO DO PARANÁ e outros periódicos nacionais. Suas crônicas são densas de conteúdo sócio-político, de crítica instigante e bem humorada. Divide sua atividade literária entre o romance juvenil, o conto e a crônica, tendo conquistado inúmeros prêmios e honrosas citações.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
LEIA MAIS
Histórias de Natal, por Maria Cristina Castilho de Andrade.
CAMILLE PAGLIA vê um Hitchcock aterrorizado por mulheres em sua leitura de “Os Pássaros”, por Chico Lopes.