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Aquilo que realmente importa
por Efraim Rodrigues
*
publicado em 06/03/2005.
Há quase seis anos, eu pensei um monte antes de plantar um palheteiro no aterro do Lago Igapó 2.
Era a época em que a Câmara de Vereadores votou unanimemente pela doação daquela área para construção de um Shopping Center. Uma única vereadora contra iniciou uma resistência. Depois de um tempo, o poder público entrou na briga, depois foi a UEL, e o então prefeito, algum tempo antes de ser cassado, voltou atrás e transformou a área em Parque. No meio deste redemoinho, uma escola organizou um pic- nic na área, e apareceu a idéia de plantar-se uma árvore.
Eu pensei muito sobre a escolha desta espécie, porque esta não era uma árvore qualquer. Uma das vozes que se levantou a favor do Shopping Center, disse, por exemplo, que nada cresceria ali. Outros disseram que era um terreno insalubre. Também havia o desejo de plantar uma espécie nativa, ao invés de uma árvore da Amazônia. Não só por aspectos biológicos, mas também pela simbologia de se repor uma espécie que já esteve ali.
Depois de pesar prós e contras, terminei optando pela espécie exótica, pensando nos diversos impactos que esta árvore iria ter que suportar, os cortadores de grama, o subsolo cheio de entulho, e até fogo que deu um ano que deixaram o capim alto demais. Pensei também que a dispersão agressiva desta espécie poderia ocupar parte do gramado do Igapó, preparando a área para que germinassem as sementes trazidas por pássaros.
Antes do dia do plantio, eu fui lá fazer a maior cova que eu conseguisse fazer, enchi a mão de bolhas, mas abri uma cratera onde coloquei no fundo o composto orgânico que produzo em casa. No dia do plantio teve crianças, mídia e até um animador que fez uma cerimônia de nativização da árvore. Esta invenção dele não deve ter deixado meus colegas mais exigentes nada satisfeitos, mas as crianças adoraram os passes de mágica que fizeram a árvore nativa da Amazônia se nativizar no norte do Paraná.
Teve televisão, colocação de placa, fotógrafos, repórteres...
Terminada a festa todos foram para casa, e aquela árvore ficou ali como único representante de tudo isto.
O primeiro ano foi bastante difícil. Foi um ano de seca, e durante meses eu andava com algumas garrafas PET no carro, cheias de água para regar a árvore.
Da rua, eu via a folhinha meio caída, ia lá, despejava 5 litros de água nela, e no dia seguinte ela estaria bem de novo.
No segundo ano, houve uma geada terrível, que queimou o pé inteiro.
Neste momento, ela fez por merecer a confiança que depositei nela. Ela rebrotou a partir de um único ramo, uma única brotação da raiz. Dois anos depois, ela teria o tamanho de um carro, tudo refeito a partir daquela única gema.
As placas caíram alguns anos depois. Como toda placa, eram feitas de madeira morta. Só a árvore ficou.
Há seis meses, alguém resolveu fazer uma fogueira embaixo da árvore. Ela perdeu todas suas folhas, mas boa parte dela se salvou. Nestes meses, ela vinha se recuperando do impacto, dia a dia, semana a semana, trabalhando em silêncio, e aos poucos se arrastando para fora da UTI por seus próprios meios.
Nesta quinta feira , a árvore foi cortada para dar lugar ao campeonato de vôlei.
Os responsáveis pela organização estão plenamente corretos de ter feito isto. Este não é um mundo para seres com vida e história. É um mundo em que para se existir, precisa-se ter mídia, top models, alguns milhões de dólares, ou a locução do Galvão Bueno. A árvore do Igapó não tinha nenhum deles, além de ser um objeto anti-estético, a metade já estava morta mesmo.
Cortemos as árvores para abrir espaço para as coisas realmente importantes deste mundo.
Sobre o Autor
Efraim Rodrigues: Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é doutor pela Universidade de Harvard, Professor Adjunto de Recursos Naturais na Universidade Estadual de Londrina, Consultor do Programa Fodepal da FAO-ONU e Editor da Editora Planta, sem fins lucrativos.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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