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Como se faz uma mulher
por Pablo Morenno
*
publicado em 04/03/2005.
A mulher só se torna mulher sob o olhar do homem;
o homem só se torna homem sob o olhar da mulher.
Simone de Beauvoir
o homem só se torna homem sob o olhar da mulher.
Simone de Beauvoir
Foi muito sem querer, na festinha de aniversário de sua filha. Observando os presentes, minha amiga se deu conta de como uma mulher é feita. No aniversário de seu menino, outros presentes: jogos lógicos, carrinhos, livros. Sua filha recebeu bichinhos, bonecas, vestidos, estojos de maquiagem. Mulher é uma instituição histórica. Tal como a conhecemos, é muito mais costela da cultura que da natureza.
Ao menino jogos, carrinhos, livros. Quem fez de tais coisas objetos de varão? A cultura. Um quarto azul para ele, um rosa para ela. Jogos para o cérebro. Carrinhos de tecnologia. Livros para os saberes. Aliás, salvo os culinários, é mister manter as mulheres longe dos segredos. Na maçonaria, por exemplo. Ou na Igreja Católica, onde podem servir, rezar, limpar, bordar a estola e quarar o manutérgio. Tudo, menos participar da hierarquia. Para justificar essa declarada preferência de Deus pelo sexo masculino, a teologia produziu os mais estrambóticos silogismos.
Minha amiga observa os presentes de sua filha. Ela precisa ser meiga, doce, bonita. Essa é a idéia de menina que os convidados à festa reafirmam. A filha de minha amiga, mesmo sem saber de feminino e masculino, vai aprendendo a conformar-se – isto é adquirir a forma da fôrma – ao mundo pronto. Bonecas. Claro, maternidade. E, se por um descuido da natureza, ela não puder fazer-se mãe, terá de administrar a frustração imposta por si mesma, e pelo meio. Milhares de anos depois de Sara, não ter filhos ainda é um castigo divino. Um castigo não expresso, mas dolorosamente tácito e ácido, implícito e lícito. Ai das estéreis!
Mulheres bem sucedidas tornam-se devoradoras de homens ou fagocitam o masculino. Para vencer os machos, as armas de varões. Se muito femininas, perdem credibilidade e o cargo. Os homens usam ternos para serem respeitados, as mulheres terninhos. Prostituta ou santa. Sob o homem ou acima dele. Lado a lado não?
O mundo público é assaz masculino. É o mundo da razão, da lei, da guerra, da objetividade. Às mulheres o confinamento dos espaços privados. É preciso controle, e não apenas da fêmea como indivíduo da raça. Características femininas como a solidariedade e a amorosidade foram banidas da hierarquia e da lógica pública. Destruição do meio ambiente, guerras, racionalidade muita, ternura pouca. É o império patriarcal.
Uma mulher não se faz sob jugo e desterro. Uma mulher se faz deixando-a bordar todos os tecidos sociais. Uma mulher se faz permitindo-a cozinhar tenra e ternamente política e ciência. Jamais haverá rosto humano sem a face feminina.
Mulheres, que dão à luz, amamentam e, ainda, educam meninos e meninas, mais do que ninguém, sabem: pequenos gestos podem estar grávidos de grandes mudanças. E, se o sonho de um mundo diferente para seus filhos tornar-se causa de insônia, podem começar a pensá-lo na próxima festinha de aniversário. Feliz Dia da Mulher!
Sobre o Autor
Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno
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