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Transposição do Rio São Francisco

por Efraim Rodrigues *
publicado em 27/02/2005.

O Brasil é o país do Carnaval. Nós adoramos as grandes penas, o luxo, a alegoria. Não só em fevereiro.

Há décadas que eu ouço falar na transposição do Rio São Francisco. A idéia é que se o rio subir a Chapada do Araripe, poderá então, ao norte dela, irrigar parte do Ceará e o interior do Pernambuco. O argumento é que se pegarmos um pouco da água do São Francisco e colocarmos na Caatinga, ela floresceria.

Colocada assim, a idéia e simples e funcional. Trata-se de mais uma grande alegoria, no entanto.

A transposição do São Francisco é mais necessária durante a seca, quando os rios intermitentes do Ceará e interior de Pernambuco secam. No entanto, o próprio São Francisco também tem sua vazão reduzida durante a seca. E como ficam, nesta época, as represas de Paulo Afonso, Itaparica e Xingó, mais abaixo no rio ?

Os grandes projetos são as meninas dos olhos dos políticos, por que são visíveis, promovem, um busto de bronze fica muito bem ao lado, isto para não sair do terreno da honestidade...

Quando eleito, nosso presidente falou uma coisa muito interessante. Se o frio não impede a Suécia de ter uma altíssima qualidade de vida, porque a seca é um problema para o nordeste ? Porque a seca não está inserida na vida do nordeste, sendo somente mais um aspecto, como o calor, as cabras e tudo o mais ?

Todos sabemos que não falta água no nordeste. A água que cai lá em média durante um ano seria suficiente para manter rios cheios, solo úmido e água por todo canto. O problema é que quando chove, alaga. Depois esturrica.

A solução é simples e barata; cisternas, cacimbas, poços e pequenos açudes. A baixa tecnologia faz com que os próprios interessados consigam construí-los. Ou seja, o dinheiro não vai dos cofres da união para a conta da empreiteira paulista (ou mesmo baiana, que seja). Ele iria da união para os moradores. E dos moradores para outros moradores, gerando um benefício econômico, além da água, é claro.

Uma outra dúvida que paira sobre a transposição do São Francisco, é quem se aproveitará desta água. Hoje em dia, uma comunidade de vazanteiros se aproveita da beira dos rios. Com a transposição, o que eles irão fazer ? Ainda pior, quem irá segurar a especulação imobiliária às margens dos canais ?

O custo ESTIMADO desta obra é de R$ 4,5 bi. Ele não vai ser pago pela Bela Adormecida, Coelhinho da Páscoa ou Saci Pererê. Vai ser pago por mim. E eu não quero pagar para viabilizar mais acumulação de capital. Já temos isto demais no Brasil.

O Governo fala que vai desapropriar uma faixa de alguns Km ao longo de ambos canais, para assentamentos. Eu conheço estes projetos. Para o concreto nunca faltam recursos, já para a redução dos impactos sociais e ambientais, sempre temos que ouvir o velho discurso sobre a crise do país, dívida, juros, etc.

De concreto mesmo, há o gasto para fazer parte do Rio São Francisco subir a Chapada do Araripe movido a energia elétrica, e quanta energia, e entrar sertão adentro, evaporando a cada metro.

Que o Padin Ciço cuide do São Francisco, porque os homens....

Sobre o Autor

Efraim Rodrigues: Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é doutor pela Universidade de Harvard, Professor Adjunto de Recursos Naturais na Universidade Estadual de Londrina, Consultor do Programa Fodepal da FAO-ONU e Editor da Editora Planta, sem fins lucrativos.

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