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Fraqueza do cinema americano empalidece noite do Oscar 2005
por Chico Lopes
*
publicado em 23/02/2005.
Os palpites se inclinam para "O aviador", de Martin Scorsese, que deverá ser o campeão da noite, pela força da personalidade biografada - Howard Hughes, um milionário excêntrico que esteve historicamente ligado a Hollywood - e pela importância do diretor, que também deve levar o seu Oscar (aliás, merecido e esperado há muito tempo). Seria bom que, na leva de prêmios, "O aviador" também desse a estatueta para Cate Blanchett, que no filme representa ninguém menos que Katherine Hepburn. É, aliás, uma das boas razões pra se ver o filme: conferir o que Blanchett conseguiu fazer no ingrato papel de uma das mulheres mais chiques e com personalidade da velha Hollywood. No mesmo filme, a inglesa Kate Beckinsale (de "Pearl Harbor") tem a ingrata tarefa de interpretar Ava Gardner. As duas são bonitas, mas chegar aos pés de Katherine e Ava, coitadas...
Uma das barbadas (vem sendo falada há bastante tempo) é o prêmio de melhor ator - deverá sair para Jamie Foxx por sua interpretação do grande Ray Charles em "Ray". Foxx é tão bom que fez uma proeza: foi indicado para coadjuvante também, pelo filme "Colateral", em que rouba a cena de Tom Cruise (o que, convenhamos, nem é tão difícil). Kate Winslet, ótima atriz, desde o injustiçado papel principal em "Titanic", vem merecendo o Oscar, e deveria ganhá-lo. Mas tem no páreo Hilary Swank, atriz esquisita e irregular, como a "Menina de ouro".
O Brasil não está lá, nem merecia. Mandou o péssimo "Olga" para seduzir os acadêmicos americanos, e mesmo o filme tratando de um tema que eles gostam, não adiantou: eles não são tão bobos assim, sabem fazer muitíssimo melhor aquele tipo de choradeira.. "Diários de motocicleta" não é um filme brasileiro propriamente (prefere chamar-se "latino-americano") e concorre a dois prêmios - melhor roteiro adaptado e melhor canção - mas, se não ganhar, ninguém vai se importar muito, nem Walter Salles, que é cético em relação ao jogo do Oscar. Para melhor estrangeiro, pelo jeito, vai dar "Mar adentro", da Espanha.
Noite de Oscar só faz algum sentido para cinéfilos e profissionais da crítica, que têm que agüentar o tédio indo ao banheiro uma porção de vezes ao longo da longa penitência nas madrugadas de domingos para segundas-feiras tradicionalmente dedicadas a isso. Eu, particularmente, fico esperando para ver homenagens aos atores e diretores veteranos, porque o bom cinema do passado nunca foi superado por nada que se faça hoje em dia. Pelo lado nostálgico, torço para "O aviador", porque Howard Hughes foi uma encarnação do velho charme de Hollywood, e a gente tem que tirar o chapéu para um homem que namorou Ava Gardner e Katharine Hepburn (mas, más línguas bem informadas dizem que namorou Cary Grant também; razão para ser invejado por milhares de mulheres e certo número de homens).
A gente mal se lembra
Para falar a verdade, a gente mal se lembra das noites que passou vendo a festa do Oscar, espetáculo muito americano em que se vai suportando muito prêmio técnico e muita falação traduzida aos atropelos por algum crítico brasileiro de plantão. E tem que agüentar os gritinhos de deslumbrados com a entrada das "celebridades", as que os brasileiros viciados em consumismo, televisão e revista de fofoca consideram importantes: miss Julia Roberts, Tom Cruise, a mulher de Fulano, o marido de Sicrana, aquela uma, aquela outra, aquele vestido, aquela casaca, o chafariz, as luzes, oh! e coisas quetais. Um espetáculo deprimente da futilidade de uns poucos para desfrute de milhões de bobos.
Há um chique esquisito na coisa, mais propício a agradar homossexuais tarados por "kitsch" de celebridade (eles nunca se penitenciam por isso), seja por admiração verdadeira ou por deboche sarcástico, mas, ano após ano, parece o chique dos sarcófagos, há um quê de rito mortuário, pela ofensiva opulência capitalista, pelo vazio, de tudo.
O Oscar que recordo agora, não sei de que ano, me deixou tristíssimo, porque subiram ao palco, numa daquelas homenagens feitas aos veteranos do cinema, ninguém menos que Kim Novak e James Stewart (ele, já falecido, ela, afastada da tela). Estavam lá para lembrar a dupla imortal que interpretaram em "Um corpo que cai", este sim um filme duradouro, de Hitchcock. Disseram alguns de seus diálogos, mas eram meros espectros, fazia mal vê-los - Kim gorda, sufocando em um vestido justo, maquilada para disfarçar a velhice, e Stewart magrelo, alto, mais magro que de hábito, parecendo já o fantasma que se tornaria dali a alguns anos.
Esse tipo de rito fúnebre dá nos nervos dos admiradores, mas, seja lá como for, tem uma dignidade elegíaca. O resto, que é só modernidade estúpida, não tem dignidade alguma, exceto quando alguém decide protestar contra alguma coisa por ótimas razões.
Parece até que há um sinistro comentário involuntário sobre a jequice e a baixaria deste mundo em que pobres-diabos vazios de alma e inteligência desejam ser célebres a qualquer custo na passagem do "Big Brother" para o Oscar 2005 no mesmo canal.
Desejo aos cinéfilos e aos incautos que queiram ver o espetáculo que atravessem-no com estoicismo, perdoando as eternas cafonices e se entusiasmando pelas boas razões, porque a festa, claro, tem seu lado agradável. Mas, que este vai sendo engolido em bocados homeopáticos misturados com sono pesado, ah, lá isso vai...
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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