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Escola, hora da escolha
por Gabriel Perissé
*
publicado em 20/02/2005.
– Puxa! Escola puxada é tudo o que desejamos para nossa filha!
A menina olhou para a diretora, que lhe sorria com todos os dentes do fundo. Olhou para os pais, e sentiu um aperto no coração. Escola puxada? Mas o que é que vão puxar aqui? Puxar as minhas orelhas?
À noite, a menina puxou o lençol até os olhos. No dia seguinte, seria puxada por professores, sabe Deus para onde. Sonhou que estava amarrada por mil cordas e um gigante a puxava para cima e para baixo, como ioiô. Sonho puxa sonho: outras cenas terríveis povoaram sua última noite antes de estrear na nova escola, uma escola puxada, e não mais aquela escolinha frouxa em que estivera antes de completar 5 anos de idade.
Acreditamos em você
De manhã, quase que puxada pelo pai, foi deixada na escola. E ao longo de um ano, ao contrário de suas previsões, ninguém lhe puxou nada. Vez por outra a diretora puxava o hino nacional, mas quem tinha que cantar mesmo eram os alunos. Ela só murmurava, com rosto de devoção à pátria...
A biblioteca vivia fechada. Vazamento.
Aula de balé, música da Xuxa.
Aulas insossas com professoras cheias de boa vontade mas com apenas uma ou duas pinceladas de Paulo Freire e Piaget.
No livro didático, meio ultrapassado, a imagem do antigo telefone de disco.
Certo dia, certa empresa visitou a escola trazendo um iogurte novo para as crianças degustarem. Um pequeno teste: "Você gostou?". "Deveria ser mais doce?".
Não houve, ao longo do ano, nenhuma reunião com os pais. A escola enviava bilhetes dentro da agenda da menina, avisando de um passeio à fascinante e "engordadora" fábrica de refrigerantes ou sobre a necessidade de enviar dinheiro para alguma atividade que projeto pedagógico algum tinha previsto.
Em novembro, a menina pediu para sair da escola. Cansara-se de ouvir os gritos da professora da sala ao lado, que seria sua no ano seguinte.
– Gritos?! Nossas professoras jamais gritam!!
A menina olhou apreensiva para os pais. Mas eles responderam à diretora:
– Se nossa filha disse que há gritos, é porque é verdade. Acreditamos em você, filha. Vamos procurar outra escola. E se alguém nos disser que a escola é puxada, vamos verificar primeiro quem está puxando a carroça!
Sobre o Autor
Gabriel Perissé: Gabriel Perissé é professor universitário, escritor e palestrante. Doutor em Filosofia da Educação pela USP, publicou em 2003 o livro Filosofia, Ética e Literatura - uma proposta pedagógica, em 2004, A Arte de Ensinar, e em 2005 o livro Elogio da Leitura, pela Editora Manole. Desde 1983, ministra palestras e cursos em escolas, faculdades, empresas, ongs, livrarias, bibliotecas e editoras, sobre temas relacionados à arte de ler, pensar, escrever e ensinar.Site: www.perisse.com.br
Blog: www.oprofessordofuturo.blogger.com.br/
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