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Polifonia e ambiguidade: riquezas polissêmicas em As vozes, um conto de Chico Lopes

por Darcy Ladeira Dias *
publicado em 27/01/2005.

Inserido no livro de contos "Dobras da noite", publicado em novembro de 2004 pelo IMS, "As vozes" poderia ser lido como um dos mais poéticos textos de Chico Lopes dentre seus mais oito contos que elencam o livro. Ao todo, "Nove noturnos" - primeira sugestão de título - acompanhado de mais outra, "As vozes do quarto ao lado" -, passagem de Rilke que dá entrada ao livro de Lopes à guisa de prefácio.Trabalhei um ensaio sobre "As vozes" e ainda não foi dito tudo. Seria extenuante, mas convidativo, se eu pudesse dizer mais. Abri o ensaio com o final de uma poesia de Rainer Maria Rilke, "Reencontro". Não sem motivo, fazendo corresponder - de alguma forma - as vozes literárias que passam pelas nossas.

Seria redundante, para o propósito do momento, mostrar os segmentos de literatura e de sua estética - como a despersonalização, o sublime, a influência, a música e o cânone - que busquei para melhor aprofundar o estudo de "As vozes". Assim como seria difícil uma resenha em que não se perdesse muito da estética polifônica - e da música - trabalhadas por Chico Lopes.

Ainda: há indicações que extrapolam o espaço localizado onde habitam seus personagens. As imagens são duplas, no que concerne à extensionalidade de um recorte (estrutura do conto) visivelmente contornado. Cenas e vozes que passam pelo conto vão se ampliando para fora de seus limites. Os personagens são, na verdade, "vozes", que têm a potência simbólica de dizer aquilo que estamos lendo e algo mais que se desconhece e/ou se busca escavar.

Para além dos limites (do casulo e da periferia), entre urbes e cidadelas, há um perfil cosmopolita nos escritos de Chico Lopes, nessa arte de dizer, sonorizando em lugar-limite, sugerindo amplidões. Personagens e vozes que estão aqui e em mais lugares (uma amostragem da ambigüidade e da polifonia) e que, sem deixar de ser eles, são também mais outros.

O que se escuta nessa pequena casa é um conjunto de câmara (esse primor cantabile) de cordas vocais se instrumentalizando.
A trama, trabalhada por justaposição e simultaneísmo, expõe logo no início do conto (técnica do desnudamento narrativo) um triângulo amoroso; motivo de um conflito pré-edipiano do jovem com relação à mãe. Narrativa plena de musicalidades, o escritor trabalha uma polifonia capaz de dar sustentação ao eixo narrativo e à orquestra de vozes que (quase) se desprendem à superfície da leitura. Ou seja, há uma ambigüidade de ao mesmo tempo significar, cantando.

"As vozes", contrariando a esbatida construção arquetipal que dá ao leitor a justa medida dos personagens, dissimula as pegadas da origem (assim como da descrição linear dos personagens"; sem pai, o jovem se depara no conflito de um triângulo amoroso com o padrasto, a bem dizer, um intruso que não mora ali, mas que freqüenta a casa para suprir algumas necessidades materiais.

Providenciais aquelas ausências, quando o filho pode pensar "que o espaço é todo seu" (e sua mãe inteiramente sua).A escavação desse personagem adolescente é enfatizada por Chico Lopes em profundidade que só é possível encontrar em Proust, Kafka, Dostoiévsky.

Relações freudianas e conflitos no ritual de passagem do adolescente para o adulto; aquele que deseja, tem medo do que deseja, em luta com os anátemas e os interditos. Chico Lopes trabalha habilmente as metáforas que permeiam nossa cultura literária. Abandonando os jargões, os contornos definidos e a narrativa seqüencial, o escritor faz disso uma outra coisa.

Um pé de figo, que parece fruta de gente bem, contrastando com o pauperismo da casa; emblema do fruto do Paraíso?

O leitor é o personagem que polemiza a composição da composição. É o leitor que quer dizer, tantas vezes, aquilo que o autor não disse. Mas sugere. Há nos nossos porões da memória muitos achados. Convém que o leitor também se aproprie do texto. Esse é o desejo do "sublime"; tornar suas as palavras do outro, como se autor fosse. O escritor original seria - tal na composição de "As vozes" - aquele precursor da figura que escreve, daquela fonte primacial de originalidade que um autor outorga para si? Chico Lopes sabe que não, mas sabe que outras vozes são também as suas. É a questão mágica: "ser os outros sem deixar de ser ele mesmo".

Há um interessante assunto sobre a originalidade - e seu desejo de voz única, anterior a toda outra - em Harold Bloom; "Before Moses was, I am", inclusive na arte do distanciamento e da instabilidade do significado da linguagem. Entramos aqui, mais precisamente, no conto de Chico Lopes: invenções a duas e mais vozes, subversão do gênero literário, dos cânones tradicionais e do paraíso edênico cujo primeiro homem não teria sido "Eu sou". Não mais o pai, mas o filho, parece responder Chico Lopes.

Não faltam no conto passagens de nosso substrato folclórico - enquanto também música não lapidada, assim como "As vozes" em estado estado de instrumentos musicais não polidos pela "lutheria".

Os sinais chiados de uma voz que vem assombrar mãe e filho - a serpente do paraíso edênico? "Tus palavras no significan, cantan" - diz Gamoneda. O espírito da coisa, não a coisa - parece responder Chico Lopes.

"As vozes", também as nossas, aparecem como um primor de musicalidade, sugestão e imagens só possíveis de acontecer no talento de um escritor como Chico Lopes.

Sobre o Autor

Darcy Ladeira Dias: A autora é escritora e lecionou Português e Literatura. Graduou-se em Letras pela Unicamp.





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