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Loucos de estrada

por Gil Perini *
publicado em 12/01/2005.

Às vezes, quando as perspectivas se tornam sombrias, a vida aperta e o humor oscila entre revolta e depressão, quando todas as ruas viram becos e todos os becos sem saída, eu me lembro dos loucos de estrada.

É conversa de fim de ano, esse tempo de dar balanço, de trocar de agenda, de avaliar ganhos cada vez mais escassos, e contabilizar as perdas, cada vez mais freqüentes e significativas.

Não é de perdas financeiras que estou a lamentar, até porque nunca me sobrou nenhum para especular nessas santas instituições. Lamento as utopias destruídas, aparentemente esquecido de que o bicho homem já não consegue surpreender. O poder, além de afrodisíaco, é alucinógeno e os sapatos da globalização têm sempre o mesmo número, não importa o tamanho do nosso pé. É pena, mas não posso comprar um avião.

Reclamo também dos amigos cujo destino fiquei sabendo pelos anúncios das páginas internas dos jornais. Foram-se sem aviso e só deixaram o registro retangular com cercadura cinco centímetros por duas colunas e, ironia, uma cruz ao lado do nome do ateu. Por fim me conformo; a cruz é a fé de quem ficou.

Olho para a casa grande e vazia ao lado do verde agressivo do jardim, da minha jabuticabeira que anda meio triste, e é com toda essa empolgação que sinto vontade de largar tudo, decretar a minha morte civil, rasgar RG e CPF, queimar talão de cheques, cartão de crédito, e sair pelo mundo feito louco de beira de estrada.

Todas as vezes que viajo, vejo um deles caminhando solitário no acostamento, a roupa suja e rasgada, a pele de cor indefinida pelo castigo do sol misturado às sujeiras velhas e novas, o cabelo rastafarianamente empastado e nas costas o saco de aniagem, meio cheio sei lá de quê.

Nunca soube onde dormem, onde se banham (se é que), o que comem, o que bebem; às vezes chego a pensar que, como os lírios do campo das Escrituras, eles prescindem dessas coisas elementares, precárias e bárbaras do dia-a-dia. Nem sei se são loucos ou se, simplesmente, se afastaram da loucura em que transformamos a vida.

Por conta desse distanciamento, pela aparente serenidade de quem está sempre à margem, longe dos ritos e das convenções que criamos, é que, quando fico deprimido, os invejo. Desde menino os vejo com simpatia e respeito, imutáveis, como se pertencessem à paisagem. À da estrada e à minha.

E é como se um filme se repetisse em monótona projeção, aos meus olhos. Os carros na rodovia cada vez mais rápidos, os meninos que amassavam o nariz nos vidros das portas jágrisalhando, e os andarilhos sempre os mesmos, imunes ao tempo, fiéis à memória. Para eles não há chegada ou partida; nem sequer há estrada e, reduzida a simples movimento, a vida parece ter pouca importância. O que importa é caminhar.

Sobre o Autor

Gil Perini: Gil Perini é médico, vive em Goiânia e publicou em 1999 "O pequeno livro do Cerrado" (contos, Giordano, SP), republicado numa segunda edição em 2003 pela Ateliê Editorial de SP. Escreve crônicas regularmente nos jornais de Goiânia.


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