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AS HORAS

por Lucilene Machado *
publicado em 12/01/2005.

Ele passa sempre às dez e quinze, com o mesmo assobio malandro. Às dez e quatorze, vou para a janela, e desço as escadas assim que ele firma a viola no chão e me faz um movimento de reverência.

Rimos pela rua afora como dois cães viralatas que se contentam com qualquer sobra de festa. Depois me diz que logo a vida dará uma guinada, que vai gravar um CD, que tem amigos influentes e etc. Eu arqueio as sobrancelhas e movimento as pupilas com o espanto de uma primeira vez, sempre fingindo, porque conheço esse seu pesadelo obsessivo de se tornar celebridade e não quero imputar-lhe uma dor capaz de despertá-lo do sonho. Continuamos o percurso com nossos passos calculados, criando pretextos exatos para que às onze em ponto, ele comece o show.

Ele sabe, ainda que negue, que seu destino será tocar em bares em meio à fumaça dos cigarros e à esperança tosca que lhe oprime a garganta num nó de amargura. Às vezes, disfarçando a insegurança, pergunta-me se acredito em seu talento, sabendo que haverei sempre de gritar pelos quatro cantos da alma que sim, que sim, que sim. Diz também que a vida vale pelo fato de eu existir e promete não me esquecer no dia em que o mundo reconhecer sua arte. Indiferente, o aplaudo e faço minha reverência.

A rua é o nosso palco. Ele sobe na pilastra de um terreno e ensaia um grito de vitória. Eu rebato, da platéia imaginada, com "viva!" e "magnífico!", forjando em mim o que pode ser melhor em termos de pieguice. Depois ele cruza minha mão com a dele, leva-a até ao peito e enverga-se para beijá-la com ternura. Às dez e cinqüenta, diz se quero beijá-lo para aproveitar o momento, antes que lhe chegue a fama. E eu o beijo com loucura, passeando minhas mãos clandestinamente por baixo de sua camisa, vasculhando seus pêlos e sentindo seu cheiro de grama molhada. A língua ocupada em medir nossa distância é a mesma que tenta desenrolar a frase: "é esse peão que eu amo, que eu amo, que eu amo". Às onze, volto para casa ouvindo os primeiros sons de sua voz a me despertar desejos insólitos.

Ilustração: Salvador Dalí. The Persistence of Memory. 1931. Oil on canvas, 9 1/2 x 13" (24.1 x 33 cm). Given anonymously. © 2002 Salvador Dalí, Gala-Salvador Dalí Foundation/Artists Rights Society (ARS), New York

Sobre o Autor

Lucilene Machado: Lucilene Machado é professora, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e da UBE-MS. Tem três livros publicados, sendo poesia, literatura infantil e contos. Possui artigos publicados na Itália, Espanha e Venezuela. Atualmente é mestranda em Estudos Literários com ênfase na obra de Clarice Lispector.

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