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PAPAI NOEL SÉCULO XXI

por Gabriel Perissé *
publicado em 23/12/2004.

De uns tempos para cá, nos últimos Natais, tenho encontrado imagens de um novo Papai Noel. Um Papai Noel reformulado. Papai Noel século XXI.

Já encontrei, nas vitrines ou no cartão virtual, um Papai Noel dentro da banheira espumante em companhia de uma simpática velhinha (deve ser a Mamãe Noel), ou mesmo nu (de costas), somente de gorro, as nádegas balançando sensualmente: Ho! Ho! Ho!

Há também um Papai Noel malvado. Numa dessas imagens, sentado na chaminé como se estivesse numa privada, pergunta: Você não se comportou bem durante esse ano? Nas quebradas da internet, encontrei recentemente um Papai Noel agressivo, fazendo-me gesto obsceno a troco de nada. Pois nem cartinha tenho mandado mais, e há muito tempo sou eu mesmo quem compra os presentes!

Sequer as roupas do Papai Noel lhe pertencem. Em lanchonetes, lojas e supermercados, funcionários se fantasiam com a vestimenta típica, incluindo a barba branca. Tudo pelas vendas! E as meninas que posam para as revistas do mês de dezembro, tiram a saia mas precisam ostentar o gorro do bom velhinho.

Mudei eu ou mudou o Papai Noel? Em Portugal, fala-se Pai Natal. Herdamos, traduzindo pela metade, o Père Noël francês. Em inglês, podemos esperar pelo Father Christmas, se estivermos na Inglaterra, e por Santa Claus, se morarmos nos EUA ou no Canadá. Santa Claus, por seu turno, proveio do holandês Sinterklaas, adaptação do nome São Nicolau, bispo do oriente cristão no século IV, figura que, afinal, deu origem a essa história toda.

A descristianização do Natal descanonizou o santo e santificou o shopping. Papai Noel deixou de ser referência de generosidade. Sua imagem pertence definitivamente a contextos marcados pelo consumismo ou pelo deboche. Sinto-me um sociólogo pós-moderno constatando com tranqüilidade um fenômeno sociocultural. Papai Noel desnudado, manipulado, reinterpretado, coisificado. Vendedor de prazer, menino-propaganda que difunde a fé no cartão de crédito.

Afirmava Roland Barthes que o fascismo não está em nos impedir de dizer, mas em nos obrigar a dizer. Papai Noel representa um novo fascismo. Ele me obriga a fazer aquilo que mais critico: comprar por comprar.

Quando pequeno, chorei ao descobrir que Papai Noel não existe. Estava enganado. Ele existe, sim, e todos os anos me força a desejar... um vazio Feliz Natal!

Sobre o Autor

Gabriel Perissé: Gabriel Perissé é professor universitário, escritor e palestrante. Doutor em Filosofia da Educação pela USP, publicou em 2003 o livro Filosofia, Ética e Literatura - uma proposta pedagógica, em 2004, A Arte de Ensinar, e em 2005 o livro Elogio da Leitura, pela Editora Manole. Desde 1983, ministra palestras e cursos em escolas, faculdades, empresas, ongs, livrarias, bibliotecas e editoras, sobre temas relacionados à arte de ler, pensar, escrever e ensinar.

Site: www.perisse.com.br
Blog: www.oprofessordofuturo.blogger.com.br/

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