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“Inversão da Tabela Price”: Apenas uma tentativa de matemágica!

por Henrique Chagas *
publicado em 16/04/2003.

Tenho visto que muitos devedores de financiamento habitacional têm reclamado de que a instituição financeira reajusta primeiro o saldo devedor para depois amortizar a prestação paga. Alguns ousam chamar esta operação de “inversão da Tabela Price”. Os defensores da “inversão da Tabela Price” dizem ser esta a responsável pelo avanço do saldo devedor dos contratos habitacionais. Ledo engano, como já vimos no artigo anterior: CASA PRÓPRIA: FINANCIAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO!.

De antemão, caro leitor, esclareço que meu único intuito é o apreço pela verdade. Com o iluminismo, adquirimos o direito à razão e à capacidade de pensar e não somos mais obrigados a acreditar em fantasmas, mágicas ou superstições. Por ser adepto à Arte de Pensar, no presente artigo, convido-lhe a raciocinar comigo. Será que os defensores da “inversão da Tabela Price” estão com a razão? Pode o agente financeiro do seu contrato habitacional atualizar primeiro o saldo devedor para depois amortizar a prestação paga?

Registre-se, em primeiro lugar, que os defensores da “inversão da Tabela Price” fazem uma enorme confusão entre atualização monetária e remuneração do capital emprestado. A Tabela Price é um sistema de amortização criado no final do Século XVII pelo inglês Richard Price e é a forma de cálculo de prestações mais utilizada em todo o mundo. Não tem qualquer correlação com a atualização monetária. Portanto, o próprio termo utilizado por inúmeros autores é totalmente equivocado.

A Tabela Price é modelo matemático que permite apurar, antecipadamente, uma prestação sucessiva, de igual valor, composta de amortização do empréstimo e da cota dos juros remuneratórios, dado um determinado prazo e uma taxa nominal de juros. Em outras palavras, não havendo qualquer desequilíbrio entre a atualização do saldo devedor e da prestação, no final do prazo contratual, não restará qualquer resíduo.

O grande problema é que, após a criação da correção monetária – em virtude do reconhecimento da existência da inflação, os saldos devedores são atualizados por índices que se dizem refletir a depreciação da moeda (sejam eles, INPC, IGPM ou aqueles aplicados nas cadernetas de poupança) e as prestações são corrigidas, na maioria dos contratos, pelo Plano de Equivalência Salarial. Como é sabido, os índices de aumentos salariais são muito inferiores à depreciação da moeda; assim sendo, haverá um total desequilíbrio entre o saldo devedor e o valor da prestação, o que torna a prestação insuficiente para a sua quitação.

Como vimos, o sistema da Tabela Price caracteriza-se por apresentar uma prestação constante, onde ao longo do prazo contratado os juros serão decrescentes e as amortizações crescentes. Vê-se que o termo “inversão da Tabela Price” é apenas mais uma bobagem dos matemágicos, aqueles que tentam fazer mágica com a matemática.

A alegação de que se deve “primeiro amortizar a prestação paga no saldo devedor para depois atualizá-lo (o saldo devedor)” não tem qualquer relação com a Tabela Price, pelo contrário é um afirmação que fere à lógica do raciocínio. Caro leitor a inflação abarca a todos: devedores e credores. Se houve depreciação da moeda, esta ocorreu na mão de quem a encontrar. Assim, a atualização do saldo devedor deve ser feita até a data em que for realizada eventual amortização para que se equipare a expressão monetária dos dois valores (saldo devedor e parcela de amortização), pela simples razão de que a atualização monetária se refere à período anterior à amortização.

Se amortizasse a prestação paga em saldo devedor cuja expressão monetária encontra-se posicionado lá atrás, antes da atualização monetária, faria com que se desse a ela (parcela de amortização) uma expressão monetária maior do que aquela que ela realmente tem, equiparando-se valores em datas diversas, o saldo devedor lá atrás e a amortização à frente. Daí a explicação, de direito natural, da correção do saldo devedor até a data da amortização e daí amortizando-se.

Se o pagamento da prestação ocorreu no dia 01, o saldo devedor deve ser atualizado até o dia 01 e a amortização se realizará nesta mesma data, para que haja equilíbrio nas contas, como já esclarecemos no parágrafo anterior. Nenhum homem de bom senso aceitaria de forma diversa. Aceitar de forma contrária é permitir o enriquecimento sem causa do devedor. Imaginemos num período de alta inflação (não será difícil fazermos tal exercício!), que alguém deve R$ 10.000,00 a determinada pessoa. Depois de um ano, o devedor resolve pagar R$ 5.000,00. Como será realizada a amortização? É evidente que o credor atualizará os R$ 10.000,00 desde a data do empréstimo até a data deste pagamento e amortizará os R$ 5.000,00 do saldo devedor atualizado. Imaginar o contrário, seria um absurdo; e, com certeza, você, caro leitor, se fosse o credor não aceitaria.

Agora, imagine, caro leitor, que você tenha um crédito de R$ 10.000,00 que devia ter sido pago em 1995 numa única prestação. Depois de vencido e exatamente hoje o devedor resolvesse pagá-lo (talvez tenha acertado na megasena ou tenha recebido uma poupada herança de um tio alfaiate) e traz consigo exatamente os R$ 10.000,00. O que você faz? É evidente que você atualiza os R$ 10.000,00 e depois amortiza os R$ 10.000,00 pagos nesta data; restando, é claro, saldo devedor referente a atualização monetária que deverá ser pago pelo devedor em outra oportunidade. É óbvio!

O que defendem os defensores da “inversão da Tabela Price”? Que você, caro leitor, primeiro amortize o valor pago (R$ 10.000,00) e depois atualize o saldo devedor. Com certeza, você não vai aceitar! Pois com a amortização realizada anteriormente à correção, você nada terá a receber de correção monetária de todo este período (desde 1995). Receberá apenas o principal. Nada mais! Imagine essa situação nos tempos em que a inflação estava nas nuvens!

Seguindo a mesma lógica, lembremos da caderneta de poupança. Imagine que você tenha um depósito em caderneta de poupança, com data de aniversário todo dia 01. Aí, todo dia primeiro de cada mês, você resgata um determinado valor. O que acontece primeiro? É verdade: primeiro atualiza-se o saldo da sua conta e depois debita-se do saldo devidamente atualizado o valor sacado. Como se vê: os defensores da “inversão da Tabela Price” pensam diferente! Não creio que eles estejam com a razão!

Fica assim visível que a utilização da equivocada e maliciosa sistemática: “amortiza-se primeiro o saldo devedor e depois o atualiza” é apenas um sofisma matemágico. Isso não é aplicação da Tabela Price; isso tem outro nome: é golpe contra o credor. E ainda afirmam alguns que tal sistemática encontra suporte jurídico na Lei nº 4.380/64 (no seu revogado artigo 6)

Concluindo, a Tabela Price é um modelo matemático cientificamente consistente e utilizado em todo o mundo; mas somente no Brasil é questionado judicialmente, cujos fundamentos para a “inversão da Tabela Price” não possui qualquer fundamentação científica e nem, ao menos, jurídica (pois não há direito que modifique a dura realidade da matemática – a não ser que se faça uma matemágica – mas isso não é direito!).
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Sobre o Autor

Henrique Chagas: Henrique Chagas, 49, nasceu em Cruzália/SP, reside em Presidente Prudente, onde exerce a advocacia e participa de inúmeros eventos literários, especialmente no sentido de divulgar a nossa cultura brasileira. Ingressou na Caixa Econômica Federal em 1984. Estudou Filosofia, Psicologia e Direito, com pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e com MBA em Direito Empresarial pela FGV. Como advogado é procurador concursado da CAIXA desde 1992, onde exerce a função de Coordenador Jurídico Regional em Presidente Prudente (desde 1996). Habilitado pela Universidade Corporativa Caixa como Palestrante desde 2007 e ministra palestras na área temática Responsabilidade Sócio Empresarial, entre outras.

É professor de Filosofia no Seminário Diocesano de Presidente Prudente/SP, onde leciona o módulo de Formação da Consciência Crítica; e foi professor universitário de Direito Internacional Público e Privado de 1998 a 2002 na Faculdade de Direito da UNOESTE, Presidente Prudente/SP. No setor educacional, foi professor e diretor de escola de ensino de 1º e 2º graus de 1980 a 1984.

Além das suas atividades profissionais ligadas ao direito, Henrique Chagas é escritor e pratica jornalismo cultural no portal cultural VerdesTrigos (www.verdestrigos.org), do qual é o criador intelectual e mantenedor desde 1998. É jurado de vários prêmios nacionais e internacionais de literatura, entre eles o Prêmio Portugal Telecom de Literatura.

No BLOG Verdes Trigos, Henrique anota as principais novidades editoriais, literárias e culturais, praticando verdadeiro jornalismo cultural. Totalmente atualizado: 7 dias por semana.

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