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A imprensa e o povo das ruas

por José Aloise Bahia *
publicado em 08/09/2004.

O Brasil ganhou 10 medalhas em Atenas. Contabilizou também o assassinato de uma dezena de pessoas, e inúmeros feridos, moradores de ruas em São Paulo e Belo Horizonte (só pra ficar nestas duas cidades, e nos casos que tiveram mais visibilidade no momento presente). No meio destes opostos, a cobertura da imprensa nos últimos dias, foi de um extremo ao outro. Nas manchetes e fotos de primeira-página foram os contrastes dos acontecimentos. Nas páginas interiores, as matérias em si, em especial da Folha de S. Paulo e do Estado de Minas, em seus cadernos especiais e notícias, destacavam com vigor a Olimpíada. Entretanto, não deram o espaço necessário e estão investigando mal a questão da chacina desta população marginalizada - são mais de 10 mil pelo Brasil afora -, que mora nas avenidas e viadutos dos grandes centros urbanos do país.

Qual é a medalha que devemos dar até agora para o tipo de cobertura que a imprensa tem feito? Alguém pode até opinar o porquê de não existir ainda alguma medalha de ferro em disputa. Está aí uma boa idéia: a medalha de ferro seria o troféu Santa Clara para determinados veículos da imprensa. Todavia, nem as intervenções da santa ajudariam polícias e imprensa neste momento. Primeiro, porque não se sabem ainda como tais pessoas foram atacadas, feridas e mortas. Somente hipóteses e especulações rodam as redações e delegacias. Quanto à polícia, não se sabe também se ela dispõe de tempo e desejos sinceros em solucionar tais crimes, haja vista que a população de rua trata-se de uma parcela excluída, malvista e daninha aos olhos preconceituosos da maioria da população. Segundo, como bem apontou Marcelo Beraba, o ombudsman da Folha de S. Paulo, numa citação longa, porém importante, de sua coluna no domingo, dia 29 de agosto: “O que faz dessas chacinas um caso maior? O número de mortos e feridos, a forma cruel e covarde como as pessoas foram atacadas e assassinadas, o fato de terem sido abatidas no centro de São Paulo, a exposição pública de um problema que teimamos em não encarar, que é o das populações de rua, o ambiente acirrado de disputa pela prefeitura, a intolerância, que parece estar por trás dos ataques em série – tudo isso fez com que os crimes da Sé deixassem de ser um caso local e policial para se transformar em caso de repercussão e de interesse nacional.”

Eis a ciranda, cirandinha na sua versão mais perversa. Justamente, agora, depois do boom da Olimpíada, e bem perto das eleições municipais. E a mídia fica ziguezaguiando neste turbilhão. Um terceiro item chama a atenção: teria algum paralelo com o fato das cidades em questão, Belo Horizonte e São Paulo, serem governadas por prefeitos do PT? Não é verdade que as tais guardas municipais criadas, existem efetivamente para “cuidar” e “zelar” pela paz nas ruas? As oposições políticas nestes dois municípios vão capitalizar os acontecimentos nesta reta final das eleições?

Pegando o viés, e dito de uma maneira mais estendida e explícita em relação à mídia: ela capitalizará os acontecimentos, e na rebarba da celeuma da criação do Conselho Federal de Jornalismo, que num erro de estratégia da Fenaj, visitou o executivo para levar adiante o projeto, parecendo necessitar do aval e apadrinhamento do presidente Lula - não tenho nada contra a criação do conselho. As tramitações é que mancham o projeto -, pois bem, como fica o comportamento da mídia em relação aos governos federal e municipais em questão, administrados pelo PT? Deveria a mídia tomar um partido mais enérgico em relação aos governos? Pois não é dever do Estado zelar pela segurança física dos patrícios? Em tempo: não podemos deixar de lembrar a invasão bárbara feita pela Polícia Federal acontecida há duas semanas na redação do jornal O Tempo em Contagem, Minas Gerais.

Fica a questão principal: que interesses nacionais devem nortear um exercício mais salutar e pleno para a mídia? Somente denunciar os crimes acontecidos ou ir mais fundo em linha direta com as fontes, e demonstrar os desdobramentos incisivos e ocultamentos sociais presentes no processo? E olha que estamos na Semana da Pátria. Pegando carona: como a mídia pode se imaginar e atuar de uma maneira mais independente de ranços e exercer um civismo compartilhado e atrelado a algum tipo de cidadania? Afinal, são ou não são cidadãos brasileiros os povos excluídos das ruas? Vale refletir.

Enquanto isto, ao som longínquo do “Independência ou Morte”, o que mais reverbera é o termo Morte. A palavra mais usada em manchetes e subtítulos em todas as mídias, pra lembrar que na atual conjuntura as vidas dos povos das ruas e adjacências marginalizadas correm perigo. A família do índio Galdino, assassinado há tempos, que o diga.

Sobre o Autor

José Aloise Bahia: José Aloise Bahia nasceu em nove de junho de 1961, na cidade de Bambuí, região do Alto São Francisco, Estado de Minas Gerais. Reside em Belo Horizonte. Tem ensaios, críticas, artigos, crônicas, resenhas e poesias publicadas em diversos jornais, revistas e sites de literatura, arte e imprensa na internet. Pesquisador no campo da comunicação social e interfaces com a literatura, política, estética, imagem e cultura de massa. Estudioso em História das Artes e colecionador de artes plásticas. Sócio fundador e diretor de jornalismo cultural da ALIPOL (Associação Internacional de Literatura de Língua Portuguesa e Outras Linguagens) Estudou economia (UFMG). Graduado em comunicação social e pós-graduado em jornalismo contemporâneo (UNI-BH). Autor de "Pavios Curtos" (poesia, anomelivros, 2004). Participa da antologia poética "O Achamento de Portugal" (anomelivros, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos.


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