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Herói Olímpico
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 02/09/2004.
Feito inimaginável!
Ele iniciara a prova ignorado por seus próprios compatriotas: "O Brasil encerra sua participação conquistando o ouro no vôlei", haviam anunciado as TVs, horas antes.
Medalha na maratona? Para o Brasil? Que isso, Maratona Olímpica é sonhar alto demais...
E é verdade que, para um atleta brasileiro, ter chegado até aquela prova já era um triunfo. Antes da própria maratona, ele tivera que vencer a falta de apoio público, de patrocinadores, de condições para treinar, de suporte médico, psicológico, falta de quase tudo, inclusive de suficiente reconhecimento pelas tantas vitórias já conquistadas. Mas Vanderlei chegara lá, assim como os outros abnegados de nosso atletismo.
Ele, porém, trazia no peito aspirações maiores do que nossa imprensa e todos nós podíamos sonhar. Por muito tempo, longe do foco dos noticiários, ele havia se preparado com grande seriedade para um único objetivo: vencer aquela prova.
Assim, quando Vanderlei irrompeu do meio da massa dos adversários e avançou sozinho no caminho da vitória, o mundo inteiro ficou atônito, principalmente o Brasil. Era uma glória impensável. Vencer no berço das olimpíadas, no berço da civilização ocidental, vencer repetindo os passos lendários de Fidipides, e vencer de forma avassaladora, com imensa distância sobre os demais competidores...
E lá ia ele, a caminho da imortalidade, do Olimpo... quando o inadmissível acontece: surge um boçal que invade o asfalto, agarra-o e arrasta-o para fora da pista.
Ao ver aquilo, meu peito queimou de ultraje e indignação. Como podia a organização grega permitir aquilo com o líder da maratona?! Aonde estava a tão falada "segurança"? Será que "segurança" agora significa apenas impedir que algum árabe faça algo contra algum estadunidense? Não seria também "segurança" proteger as pessoas contra bárbaros britânicos, como esse ou como os que mataram 39 pessoas na final da copa da UEFA em 1985? Ou estarão eles agora imunes, por não serem os inimigos da vez dos EUA?
Mas o pior foi a expressão de desespero no rosto de Vanderlei ao ver o sujeito se aproximar. Após tanto sacrifício e o esforço! 36 quilômetros sob aquele calor, anos de sofrido treinamento, uma vida voltada para aquele grande sonho...
Desespero, pois um ataque do gênero tira do atleta qualquer condição prática de seguir em frente -- não apenas pelo tempo perdido, ou pelo esforço extra sobre os músculos, ou pelo cansaço extra (lutar cansa mais que correr) -- tal ataque é devastador principalmente por seu impacto psicológico, por quebrar ritmo e concentração numa prova de terrível desgaste como a maratona.
A revolta por aquela injustiça dominou meu espírito. Deveriam interromper a prova imediatamente! O Brasil deveria melar a maratona, retirar-se dos jogos, devolver todas as medalhas. As olimpíadas que fossem pro inferno...
Mas, para minha imensa surpresa, Vanderlei continuou em frente (pondo a mão na coxa, que doía). Acabou sendo ultrapassado por dois oportunistas, mas continuou correndo, e, na chegada, ao invés de protestar, festejou fazendo aviãozinho!
Que imensa lição ele deu a mim! Sua vontade de seguir em frente, dando o melhor de si, foi maior que a revolta, mesmo ao lhe roubarem a glória inimaginável de entrar sozinho no estádio olímpico! Que lição de superação! Que lição para este mundo, tão insuflado de ódio e intolerância pelo arrogante moleque G. Bush!
Independente, porém, da nobreza do herói, a verdade é que a vitória lhe foi roubada! E o mínimo que os juízes tinham que ter feito era conceder-lhe a medalha de ouro e o título de campeão olímpico. Mas o presidente Jacques Rogge, cinicamente, preferiu fingir que tudo estava bem, e congratular a organização grega pelos "jogos dos sonhos".
Sonhos e cinismo à parte, Vanderlei é o verdadeiro campeão da Maratona, e a justiça só será feita no dia em que isso for oficialmente reconhecido.
Parabéns Vanderlei, você é o campeão, herói do Brasil e inspiração para o mundo. Cala tudo o que Camões ou Homero canta, que um brasileiro mais alto se alevanta.
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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