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Violetas e Colméias

por Maria Cristina Castilho de Andrade *
publicado em 10/08/2004.

A crônica de hoje está impregnada em mim. Carrega o sorriso, a sabedoria de 81 anos e as palavras meigas de D. Manuela. Carrega um vaso de violetas alemãs lilases.

D. Manuela encontra-se no Mercadão da Vila Arens, de minha cidade, desde a sua fundação em 1957. E o Mercadão sempre foi motivo de festa, da Banca Codarim até a dela. Os espaços todos contêm som, sabor, abraços, vitrinas iluminadas, aromas de flores e do pastel inconfundível do Bar do Pedro; chás e produtos naturais, revistas, jornais, queijo e vinho, caderno decorado, adornos, roupas, frango assado, massas...

Conheci D. Manuela em 1959, quando mudamos para Jundiaí. Visitava-a, aos meus cinco anos, de mãos dadas com meu pai. Chama-me, por isso, com seu sotaque espanhol delicioso, de “minha Cristininha”. As peças coloridas de tricô, bonecas de pano, jogos, dedais, bolinhas de gude, caixas com linhas encantam a imaginação e atravessam o tempo. Costuma repetir que minha mãe sempre foi de postura elegante e meu pai carregava mel.

Semana passada, contou-me sobre um jovem bêbado que parou em frente à sua loja e se deteve a observá-la. Questionou-o:

- Nunca viu alguém tricotando?

- Não.

- Vai continuar me olhando?

- Vou.

- Por quê?

- A senhora é rica.

- Rica?!

- É. A senhora sabe fazer tricô.

- Você tem razão! Sou rica porque sei fazer tricô. Podem tirar-me tudo, a loja ser destruída, mas o que aprendi ninguém pode levar. E mais do que o tricô, pessoa alguma arrancará a presença de Deus em minha vida! Lave o rosto. Deixe de se enganar e enganar os que passam por você. Perceberá que, quanto mais dói, mais se aprende, se o rosto estiver lavado. Notará Deus ao seu lado. Estou no Brasil, vinda da Espanha, porque Deus existe e fez daqui a minha Terra Prometida.

Ouvi emocionada o relato do acontecimento e, em seguida, fui ao cemitério levar margaridas e um vaso de violetas à memória bonita que possuo de meu pai. De imediato, ao colocar as flores no túmulo, uma abelhinha voou entre as flores lilases.

Passei, ao voltar, dentre os ciprestes e as quaresmeiras centenárias, com a certeza de que meu partiu com a face sem manchas e é possível, exatamente agora, com o rosto lavado, experimentar a coragem, a força, a carícia e a doçura das colméias.

*Imagem: "Kinder in fenster" "Children at the window"
d´aprés Ferdinand Waldmuller, ceramic panel for Santa America House of Batel, Curitiba, Brazil.

Sobre o Autor

Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.

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