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Homem: Convexo - côncavo
por Maria Cristina Castilho de Andrade
*
publicado em 05/08/2004.
Observava-o de meus dias. Observava-me de suas horas, pois não sabia quantas faltavam. Eu supunha, ainda, que lhe restavam todos os dias.
Resolveu, quando julgou-me preparada, intro-duzir-me em seu álbum de recordações. A capa lembrava-me uma moldura antiga com foto da família reunida em almoço de festa.
Suas mãos trêmulas viravam as folhas secas, de coração úmido, da última para a primeira. Via a mãe, com colo de cantiga, a ninar o que restou dos sonhos, numa cadeira de balanço. Vi o pai, de olhar austero, marcado pelo acontecer dos anos, à espera de um braço que o sustentasse nos degraus finais. Encontrei lacunas entre os irmãos. Explicou-me que não voltariam, mas, com certeza, de que se veriam depois.
Detive-me nas expressões de riso. Em todas elas um fitar de olhos sem sorriso, percebendo que no próximo flash poderiam ser apenas melancolia.
Encontrei-o, numa página, menino. Sabia-o vestido de calças curtas a empinar uma enorme pipa, colocando nela todos os seus anseios. Vestira-se também, em outra época, de marinheiro. Buscava a ilha de Robison Crusoé.
Não lhes posso dizer que as páginas eram com-pletamente tristes, mas sim profundamente fortes.
Não se resumia naquele álbum de folhas acinzentadas. Fora mais. Fora muito mais. Fora um guerreiro que partira para a luta, levando nas mãos um ramo de lírio, e no coldre um botão de cravo vermelho. Fora um navegante que trouxera, nos cabelos, respingos de mistério. Fora um desbravador, que retornara trazendo um feixe de raios prateados.
Era um homem convexo. Nele, detinham-se borboletas, abelhas, avezinhas que fugiam do frio. Nele, parava a brisa, com gosto de amora madura. Nele, pairavam folhas recém-nascidas.
A voz cansada sussurrava melodias. Os passos lentos, trôpegos, acabavam por chegar às laranjeiras e pessegueiros floridos. Os olhos despiam-se da catarata e enxergavam atrás das cordilheiras...
Sem que me desse conta, tornou-se um homem côncavo. Em sua depressão brotaram hortênsias, quaresmeiras... Sua imagem se diluiu na planície outonal.
Hoje, quando abro janelas, não o vejo como antes. Procuro, inutilmente, sua silhueta. Vem, então, a saudade daquele que deixou seu contorno nas pétalas rosadas das terras alcalinas.
Homem convexo-côncavo..... Grande homem, homem por inteiro.
Sobre o Autor
Maria Cristina Castilho de Andrade: Cristina Castilho é professora de Português e agente das Pastorais da Mulher e a Carcerária. No trabalho com mulheres prostituídas e presidiários, circulou e circula pelo submundo, conhecendo sua realidade. Seu livro de crônicas conta a história das pessoas com quem se deparou no submundo do mundo. Escreve semanalmente no Jornal da Cidade de Jundiaí; mensalmente no Suplemento Estilo do Jornal de Jundiaí - Regional e, quinzenalmente, no Jornal de Abrantes - Portugal.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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