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Os Ciganos

por Ridamar Batista *
publicado em 02/08/2004.

Naquela noite eles cantavam, brincavam, tocavam violino em volta da fogueira. Estavam festejando uma linda lua cheia. Por aquelas bandas se fazia um céu divino, as noites muito claras, iluminadas pela lua, dava pra se ver ao longe.

Era um clã que viajava por toda a região e conhecidos de todos. Andavam a consertar tachos, panelas, a ferrar cavalos e a fabricar ferraduras. Compravam e vendiam... de cavalos a tachos de cobre velhos que com suas mãos hábeis logo ficavam lindos e novos. Este era o ofício dos homens. As mulheres serviam ao clã, com seus cuidados e afazeres das tendas. Também costumavam receber o senhorio das grandes fazendas para ler as mãos. Isso faziam às escondidas, porque o pároco do lugar os haviam excomungados em razão desta arte milenar de ler a sorte.

Estavam arranchados ali, com a ordem do senhorio da fazenda. Ficavam sempre do lado de fora da porteira principal. Uma fazenda muito grande, quase um feudo. Nela produzia-se quase de tudo. Grandes plantios de cana de açúcar, café, fumo, arroz feijão e milho. Nestes dias já não mais se usava o sistema de escravatura, porque a liberdade havia sido decretada alguns anos antes, porém muitos dos negros que ali viveram como escravos, continuaram a viver e trabalhar na fazenda. Os donos da fazenda eram de boa índole, gente educada e generosa, que ganhavam as graças de todos os que por ali passavam. Viviam de maneira simples e trabalhavam muito para que aquelas terras fossem sempre produtivas.

Ali, os ciganos sentiam-se bem, cantavam e dançavam a noite, muito felizes. Não era assim em outras fazendas por onde eles passavam; muito ao contrário, na maioria delas eram tratados como vagabundos ou ladrões. A própria Igreja os havia excomungado e dava força para que as pessoas os discriminassem e os considerassem maus. Para estimular a discriminação e fortalecer a imagem de que os ciganos não eram boa gente, contavam-se histórias horrorosas sobre eles, especialmente para as crianças, assim, elas já iam crescendo com medo deles. Padres e freiras, nas aulas de catecismo, nunca deixavam de contar essas histórias. Assim, famílias fechavam portas e janelas quando o clã se aproximava, e se por acaso fosse necessário o trabalho deles nas fazendas, coisa que sempre acontecia, porque eram os melhores na arte de ferrar cavalos, toda a fazenda ficava de alerta, pois, em razão das histórias, eram tidos como pessoas perigosas. Corriam rumores de que roubavam, inclusive crianças. Isso é claro, nunca aconteceu, mas para que ficassem todos longe deles, era melhor usar o medo e a mentira para que ninguém tivesse com eles contato. Naqueles tempos, corria solto o xenofobismo contra ciganos e judeus. Governos, igreja, senhores de grandes negócios e donos de latifúndios, todos se uniram para perseguir esta gente, sem levar em conta o quanto eles têm feito pelo desenvolvimento de nossa pátria, no seu difícil e cruel começo.

Sem se deixar abater, o clã seguia sua vida dura, de nômades, por aquelas paragens. Trabalhavam, viajavam, seguiam construindo seus destinos. Mesmo à revelia das perseguições e das injustiças, em suma, eram felizes.

Nesta noite, cantavam e dançavam, aproveitando o bom ânimo dos donos da fazenda, que também gostavam daquela alegria toda. De longe se ouvia o som dos violinos. As árias ciganas eram tocadas com maestria naquela noite de lua cheia. De repente tudo calou. A lua que parecia tão clara e tão bela, começou a escurecer...fez-se negra. Era um eclipse total da lua, muito bem visível, naquele céu de tanta visibilidade, sem uma nuvem sequer. A anciã do clã arrepiou-se... Um tenebroso calafrio tomou conta de seu corpo. E então, profetizou: Parem todos de dançar e de cantar, parem os violinos...Vamos sofrer uma desgraça!

Todos se recolheram porque ninguém ousava desafiar as previsões de Açucena, a avó de todos. Antes de ali aportarem, com sua tropa, seus carrapatos, suas tendas, a caravana daqueles ciganos haviam passado por outras terras. Entre elas, uma fazenda também grande e poderosa, cujos donos, intransigentes e arrogantes, não despertavam qualquer simpatia pelos ciganos. Mas se serviram dos seus trabalhos indispensáveis durante algum tempo. Os cavalos foram ferrados, novas ferraduras foram feitas, muitos tachos, dos grandes para secar a farinha aos pequenos para a confecção de doces e melados.

Porém o dono daquela fazenda nunca os deixava sequer entrar para o lado de dentro da cerca. Os ciganos eram obrigados a acampar na beira da estrada, quase um quilometro da aguada principal, de onde poderiam buscar a água para beber. Como esta gente não mede esforços e não tem medo das adversidades, ali sempre que passavam se ajeitavam de qualquer maneira. Nunca viram a cara do dono da fazenda. Naquela fazenda ficavam somente o tempo necessário para fazer seus serviços, comprar e vender seus cavalos.

Naquela fazenda ninguém tocava violino e nem dançava ou cantava. Era ordem do dono. Enquanto o clã seguia seu destino, sem muito importar com as ordens dos donos, ali passavam, sempre, com suas caravanas, mas sabiam que daquela fazenda não poderiam esperar nada de bom. Dentro da fazenda, muita coisa errada acontecia. Seus donos, grandes herdeiros de todas aquelas terras, possuíam escravos, embora a escravidão já tivesse acabado. Ali ainda havia escravidão. Sob jugo feroz dos capatazes e dos senhores, os negros daquela fazenda seguiam sofrendo os desmandos e maus-tratos, como se nada tivesse acontecido ao seu favor. Continuavam indo para o tronco, por tudo ou por nada. O sofrimento e a maldade imperavam naquela fazenda, sob os olhos do clero e dos governantes que faziam ouvidos moucos para qualquer denúncia, pois a eles também rendiam um bom dinheiro.

Era começo do século 20. Muitas famílias abastadas mandavam seus filhos para estudar na Europa. Lá ficavam anos, até se doutorarem e voltarem para trabalhar na cidade mais próxima da fazenda de seus pais. Era uma cidade próspera, cheia de gente culta, os primeiros a receberem as novidades do começo do século anterior, que prometia um mundo muito melhor e mais desenvolvido. Os filhos dos donos daquela fazenda haviam sido mandados para colégios internos. O rapaz foi para Europa se doutorar em direito na Universidade de Coimbra. A moça, também seguiu o mesmo destino, mas ficou no Brasil, num colégio no Rio de Janeiro. Também só voltaria quando terminasse todos os aprendizados que a deixaria digna de ser uma grande dama capaz de freqüentar as rodas da cidade, sem mostrar-se uma sertaneja. Cresceram separados, foram educados de maneira diferente, porém com uma instrução a toda prova.

Quando voltaram e se reencontraram, não puderam evitar a grande admiração que sentiram um pelo outro. Sabiam irmãos, porém algo de muito mais forte e profundo os unia. Eram sentimentos escusos, que não queriam declarar, que não podiam declarar, mas que no entanto os unia cada vez mais. Eram longas as horas que passavam juntos, passeando ou cavalgar por aqueles lindos campos verdes e cheirosos, Por inúmeras vezes passavam as tardes banhando-se na cachoeira, uma das mais lindas e vistas daquelas bandas. Cada dia mais unidos, não tinha nada que lhes interessava mais do que estarem juntos. Iam aos poucos se mostrando, se conhecendo, e ampliando a afinidade. O amor nascia entre eles, mas não era amor de irmãos, o que muitas vezes gerou brigas por ciúmes um do outro. Os pais, enclausurados dentro da arrogância e da busca desenfreada pelo dinheiro, fama e poder, não perceberam que os dois irmãos estavam unidos demais.

A mucama da moça, sim, sabia de longe, que o que se passava entre os irmãos era mais que amizade, porque os negros com o sofrimento e a dor, sabem conhecer melhor os sentimentos da alma humana. Muito depressa desconfiou daquela amizade tão forte, mas não podia falar, nem prevenir, nem sequer aconselhar. Poderia sim, ir parar no tronco e apanhar setenta chibatadas por estar falando demais. Então, calou-se.

Alguns dias depois que o clã de ciganos saiu daquela fazenda e viajou rumo a outra onde se sentiam mais felizes, o escândalo veio à tona. A moça, sinhazinha daquela fazenda, estava grávida. Ninguém sabia quem poderia ter sido o malfeitor e os dois irmãos juraram um para o outro que não contariam o que havia se passado. Os dois então, para ficarem livre da culpa e do pecado de ex-comunhão, que certamente cairia sobre eles, forjaram um plano macabro. Denunciariam um cigano, um daqueles que estiveram por lá. Sabiam que os pais iriam à vingança, mas nunca poderiam imaginar o tamanho do ódio que nutria seus pais por aquela gente nômade.

Dito e feito. Depois de muito interrogatório, a moça disse que havia sido estuprada por um dos ciganos, um dia em que passeava sozinha a cavalo pelos campos da fazenda. Era tudo que o pai queria escutar da filha. Assim estaria mais ou menos limpa a honra da moça. Imediatamente mandou formar uma tropa de vinte homens armados de carabinas.Os mais fortes e os mais corajosos daquela fazenda, acostumados a matar. Tinha sempre nas fazendas alguns homens de índole perversa, que a qualquer ordem saiam correndo para fazer o serviço sujo. Naquela época a justiça era feita assim, matando em tocaias, sem ouvir o outro lado e sem direito de defesa. Os senhores de grandes engenhos, de grandes minas de ouro, de grandes criações de gado, sempre tinham razão. Isso não impediam de brigarem entre si, o que acontecia também, e muito.

Naqueles tempos em que não haviam carros, nem telefones, nem telegramas, as notícias corriam de boca em boca, mas nem pensem que isso demorava muito. Nada. Corria também, de uma fazenda para outra, de uma cidade para outra, ia ganhando mundo e não demorava muito e todos sabiam de tudo. Começou, então, a correr os rumores de que a sinhazinha da Fazenda de Olhos D´água, estava grávida. Antes que a tropa de jagunços do tal coronel chegasse à Fazenda dos Ipês, onde estavam os ciganos, meio mundo já tinha conhecimento da desgraça da tal mocinha.

Naquela noite, os ciganos, não cantaram e nem dançaram. Açucena, a velha adivinha do clã, havia preconizado desgraça. Estavam todos em sua barracas, conversando baixo, limpando as ferramentas de trabalho, pois a noite ficou clara como dia, logo depois, que o eclipse passou. As duas crianças dos ciganos estavam na casa de um dos agregados da fazenda, que também tinham crianças. Eram negros alforriados e a dona da casa sabia contar bonitas histórias para fazer criança dormir.

De repente sem saber de onde vinha o tiroteio, os ciganos aos gritos e tentando se defender, iam vendo seus irmãos, mulheres, velhos todos, todos, caírem mortos pelas balas das carabinas. Foi uma chacina horrorosa, não durou mais de meia hora. Não sobrou um só cigano. Embora os donos da fazenda viessem correndo saber o que se passava dentro de suas terras, foram recebidos com uma carabina no pescoço, ouvindo uma voz cavernosa dizer: - Viemos vingar. não se mete, que morre também, seu velho de merda, amigo de cigano.

Amontoaram os mortos e puseram fogo. Nunca mais se esqueceu aquele ato de maldade. Nunca mais também ninguém tocou no assunto. O medo tomou conta de todos, embora muitas vezes o dono da Fazenda dos Ipês tenha tentado levar o fato aos ouvidos das autoridades, que sempre lhe aconselhava: - Deixa disso, homem, foi um bando de ciganos que morreu.

Daquele horror, duas crianças se salvaram sem que os jagunços soubessem. Imediatamente foram levados para a casa grande e escondidos nos porões da Fazenda, onde poucos tinham acesso e as crianças estariam a salvo pelo menos por algum tempo. A partir daqueles momentos de tragédia, tudo poderia acontecer. Nada era previsível.

Os cavalos do clã relincharam de tristeza por todo o dia seguinte. Andavam de um lado para o outro, desnorteados, como se soubessem o ocorrido. As pessoas se arrepiavam de ver os animais chorarem. Tudo isso foi contado de boca em boca durante muito tempo, mas sempre se prevenido de passar os fatos, sigilosamente, porque o pânico tomou conta de todos. O que acontecera com os ciganos poderia acontecer com qualquer desafeto daqueles coronéis, que agiam por conta própria, desrespeitando a lei, como se fossem a própria lei.

Na fazenda Olhos D´água, os fatos também não pareciam dos melhores. Os dias estavam cheios de ressentimentos e discórdias. Os dois irmãos seguiam levando a vida de sempre. Muito juntos, sempre a fazer longos passeios pelos prados, a cavalgar nas tardes preguiçosas e a passar largas horas de banhos na cachoeira. Ninguém desconfiava de nada. Mãe e filha começaram a soltar as costuras das saias juntas. Estavam esperando filho para a mesma época. Nenhuma e nem outra ousava falar no assunto. Tudo parecia um grande segredo como se esperar um filho fosse mesmo um horroroso crime. Não sei porque naquela época as mulheres se envergonhavam da gravidez.

Os meses se passaram, as barrigas foram se apresentando, a vergonha e o ódio do pai ia crescendo também em direção à filha, embora essa tenha confessado ter sido vítima de um estupro e este já ter sido vingado. Para aquele homem cheio de orgulho e soberba o fato cada vez mais visível lhe trazia uma terrível ameaça. Seus amigos saberiam de tudo. Isso ele não podia suportar. Em sua cabeça, sozinho pelos cantos, planejava esconder a filha até os últimos momentos, para quando a criança nascesse, juntar com a de sua mulher e dizer ao mundo que as crianças eram gêmeas, assim, poderia salvar a honra e o compromisso da moça; e tentar arranjar-lhe um casamento.

A moça, por sua parte, naquele envolvimento incestuoso, não dava conta de nada que lhe acontecia ou que acontecera por conta de sua mentira, até um dia em que sem querer ouviu o pai comentar com o jagunço principal da fazenda sobre a chacina. Deste dia em diante os dois irmãos tomaram consciência da loucura que haviam praticado. Começaram a sentir remorsos, a se afastarem um do outro. Dizem que quem planta vento colhe tempestade. E a tempestade não tardou muito a chegar naquela fazenda, que parecia ser tão bem administrada pelo poderoso coronel e sua mulher. O piano da sala cada dia se tornava mais mudo. Sua dona não tinha prazer em tocá-lo. Ninguém conversava. Os longos momentos de almoço e jantar, pareciam cenas fúnebres. Todos se esquivavam e ninguém mais sorria.

Antes que a criança nascesse, o rapaz, tomado de uma grande nostalgia, decidiu voltar para a capital e tentar a vida de advogado. A despedida foi triste. Choraram muito, mas outra vez refizeram as juras de nunca contarem a verdade. O mal estava feito. Ele prometeu à irmã que daria um jeito. Assim que se firmasse como advogado na capital voltaria para buscá-la. Isso é claro, nunca aconteceu. Logo que se viu rodeado de lindas, cheirosas e ricas mulheres, esqueceu o que havia feito e deixado para trás. Porém sua irmã...

Do outro lado da Serra, na Fazenda dos Ipês, os ciganinhos que foram salvos da chacina seguiam vivendo sob custódia e zelo de uma família agregada. Eram duas crianças bonitas. Acostumadas aos mimos da família muito sofreram sem entender muito bem onde estavam os seus entes queridos. A garota, se chamava Pérola, porque sua mãe a tinha como uma verdadeira preciosidade. Uma criança que havia chegado depois de muito intento e de muito querer. Era a única daquele clã, pois seus pais já estavam acreditando que não teriam mais filhos quando ela nasceu. Todos festejaram o acontecimento e se falou disso em muitas noites à volta das fogueiras. Muitos violinos tocaram, muitas ciganas dançaram e houve muita festa quando Pérola veio ao mundo. Era considerada a princesa do clã. Por haver sido muito esperada, sua vida também era contada aos que deles se cercavam. Como lá na Fazenda dos Ipês, todos eram amigos dos ciganos, principalmente os negros alforriados, que nada tinham de preconceitos ou discriminação, e como sempre estavam por perto, quando os ciganos estavam a trabalhar na fazenda, sabiam os casos e as histórias daquele povo e também de Pérola, a menina de quem todos se encantavam por ser tão bela e tão meiga.

O menino era Aniceto, neto do chefe do clã. Tinha aproximadamente seis ou sete anos, ninguém sabia ao certo. Pérola havia sido prometida a Aniceto, logo ao nascer, assim continuariam a raça e o clã. Assim, sob os cuidados daquela gente estranha, os meninos foram ficando por ali, ora com uns ora com outros, dependendo das necessidades de cada um. Ninguém sabia exatamente o que fazer deles e até corria um certo medo entre todos caso fossem descobertos. Naquele ano fatídico muita coisa ocorreu por aquelas bandas. Mas lá na Fazenda dos Ipês, até hoje, quem por lá passa, pode admirar a beleza de três ipês centenários que foram plantados pelo dono da Fazenda no local da chacina. Estão lá em forma de triângulo e encanta os olhos de qualquer vivente.

Rodou por lá, nas bucainas daquelas serras, a história de que toda vez que faziam fogueiras ou dançavam e cantavam em alguma festa, principalmente os negros, ex-escravos e os agregados das terras, se ouviam sons de violinos tocados ao longe e diz também que muitas negras viam as ciganas andando por lá, ora chorando ora felizes. Mas neste mundo conta-se de tudo...

Na fazenda Olhos d´água, A lua nova estava reinando nos céus quando a parteira foi chamada. Naquela noite de lua nova muitas crianças nasceram...lua forte! A parteira foi chamada em vários lugares naqueles dias de vésperas de lua nova, da mesma forma também foi chamada para casa do senhorio. Naquela fazenda, duas mulheres esperavam a qualquer momento para dar à luz. A mais nova, sem qualquer experiência e ajuda psicológica, se contorcia de dor e escondia os gritos com vergonha da família. O parto foi demorado, doloroso, difícil e infeliz. A criança veio de bunda, a parteira não sabia muito bem o que fazer, era coisa para um médico especialista. A moça se contorcia em dores, fazia força e nada. Era caso de vida ou morte. A parteira sofria junto, mas não tinha muitos recursos. Chamaram mais uma preta velha, que também fora parteira durante muitos anos. Conseguiram virar a criança, mas já era tarde demais. Estava morta.

Ao ver tanto sofrimento e tanta dor, a mãe também acelera o trabalho de parto. Antes mesmo de terminar de assistir uma, a outra já estava aos gritos, a criança vinha muito depressa. Mas como a mãe já estava acostumada com tantos partos, tudo correu bem. Com o filho nos braços, todos os cuidados viraram para a dona da casa, e então, a moça, ali, em seu quarto, meio esquecida, se deixou levar por um profundo torpor, um sofrimento sem tamanho, uma angústia devastadora. Antes que passasse uma semana, a encontraram pendurada no tronco de uma árvore, perto da cachoeira, onde costumava ficar horas junto com seu irmão amado. Morrera de tristeza e de saudades, logo depois de perder a sua malfadada cria, ainda sob os efeitos do estado puerperal. O remorso pela morte de tanta gente inocente foi crescendo em sua cabeça, e dizem, contava a mucama, que muitas vezes a ouviu chorar e pedir perdão a Deus pelo fato hediondo de que fora culpada.

Soube-se também que a criança nascida de sua mãe, viera ao mundo com síndrome de Down, o que não era de se estranhar, naquelas alturas da idade dos pais. Sem perceberem a fúria de Deus, os donos daquelas terras seguiram atrozes e malfeitores, arrogantes e prepotentes. Muito embora, dizia-se à boca pequena, que a senhora das terras de Olhos d´água, ficara louca depois de tudo isso. Uma loucura que sabiam esconder muito bem. Apesar de tudo, a vida segue seu curso. As pessoas vão sendo substituídas, queiram ou não. Os anos passam, o tempo corre como vento nas manhãs ensolaradas.

Os registros vão ficando, vão sendo passados, às vezes de boca em boca, às vezes por algum relato escrito. Aqui e acolá, foram contando esta história, mas nunca ninguém soube que fim levou aquelas duas crianças que já nasceram prometidas uma para outra, como se este destino tivesse mesmo que se cumprir.

Correu uma notícia, lá na Fazenda dos Ipês, que um velho fazendeiro, Herculano de Sobral, dali daquela região, tinha herdado muitos mil alqueires, do outro lado da província.Umas cem léguas. Muito longe, para lá chegar, era preciso viajar com a tropa muitos meses. Tinha que atravessar um grande rio, tinha que fazer a própria picada no caminho, porque nunca haviam ido por lá. Eram terras esquecidas, porém diziam...eram muito férteis. Mas ninguém queria ali viver com medo dos índios e de febres. Então o fazendeiro que herdou estas terras, para não perdê-las para Estado, resolveu dar glebas para famílias que quisessem ir para lá povoar a região. Oferecia também uma pequena ajuda de custos para aqueles que nada tinham. Foi um alvoroço.

Todos aqueles escravos, recém alforriados e livre, aceitaram a oferta e foram povoar as terras, malgrado saberem que dali talvez não mais voltassem, porém, depois de tudo que haviam vivido, na época da escravidão, até que não era mal, enfrentar esta nova jornada, podendo deixar para seus descendentes uma vida mais digna. Eram de raça negra, tinham sangue forte e muita coragem para viver. Iriam. Foram se formando entre famílias, conhecidos, desconhecidos, enfim, iriam todos. A tropa de cavalos levaria as coisas de primeira necessidade, barracas, provisões, carne seca, remédios, embora deste último item, sabiam melhor que todos, as velhas negras. Ia também um carro de boi, que ficaria ás margens do grande rio, esperando a seca, quando em algum lugar pudessem atravessar com o mesmo. Tudo era uma grande aventura, mas para aquela gente, valeria a pena enfrentar as dificuldades. Sabiam caçar e pescar, e pelo visto, não faltaria provisões, porque iriam atravessar uma região muito rica. E assim foi mesmo. Conseguiram chegar na fazenda prometida. Cada um tomaria posse da fazenda de acordo com sua capacidade de trabalho. Quanto maior fosse o desmatamento e a lavoura, maior seria a gleba doada.
Realmente ali era tudo muito selvagem. Mas também se notava na fauna e na flora muita riqueza. As árvores eram frondosas e de tanta variedade, que haviam muitas nunca vistas por eles.

Quando chegaram, depois da mais longa jornada de suas vidas, porém cientes de que andavam para a liberdade total, a tão sonhada, aquela que muitos dos seus não conseguiu sequer imaginar, fosse possível. Arrancharam de qualquer jeito à beira do grande rio. Parecia terem chegado num paraíso. Nas águas muito limpas dava para ver a enorme quantidade de peixes que por ali nadavam. Sentiram-se confiantes diante da grande batalha que ainda haveriam de enfrentar. Derrubar a mata, roçar o mato pequeno e preparar a terra para o plantio. Aproveitar cada galho de pau, derrubado, uns para construir as casas e o restante para cercas, currais, chiqueiros e lenha para o fogão.

Em regime de mutirão, foram uns ajudando os outros, homens, mulheres e crianças, todos davam uma demão. Assim formaram uma grande família. Claro também houve momentos de discórdias entre o grupo. Houve ressentimentos. Tudo natural em se tratando de gente de todos os lugares e de todas as raças, que se uniram por um destino melhor. Naquele novo lugar se estabeleceram, plantaram, colheram, guardaram sementes para o próximo plantio. Alguns homens do bando, vez por outra, iam à cidade mais próxima buscar sal, único ingrediente verdadeiramente necessário para todos. Levavam peixe seco para serem trocados por sal e outros mantimentos, isso já depois de algum tempo, quando começaram a colher os frutos de suas roças. Cada família construiu o seu rancho e prosperou segundo seu esforço. Uns conseguiram muito daquilo que fora prometido, outros, por doença, por indolência, ou por infortúnios, não conseguiram muito. Junto com o casal de velhos, dona Amália e senhor Fulgêncio, estavam os dois ciganinhos, que cresciam em saúde e inteligência, dando alegria e felicidade a todos.

Pérola, muito cedo se mostrou verdadeira dona de casa. Servia de ajuda a todos, cuidava dos mais velhos e das crianças. Já estava quase uma mocinha. Aniceto, que também se prestava a todos tipos de trabalho, se mostrava cada vez mais hábil nas artes de ferrar animais, de consertar os tachos e utensílios domésticos. Gostava de fazer artesanatos, montava prateleiras, com arte e gosto, fazia camas, mesas, cantoneiras, ia enfeitando as casas com suas peças lindas, feitas de qualquer sobra de madeira. Era um artista nato. Tinha bom coração e boa conduta. Todos o admiravam e respeitavam. Já estava se fazendo homem.

Senhor Fulgêncio havia ensinado aos meninos os bons costumes e a edificação que herdara de seus ancestrais. também havia ensinado um pouco de religião e disciplina diante da vida.Mas também estavam aprendendo a ler e escrever, porque alguns anos depois que as famílias se assentaram na grande Fazenda, veio morar nela um agrimensor com a difícil missão de medir a tapera. Este veio trazendo mulher e filhos. Era uma família numerosa. Doze filhos. Claro que os mais velhos ficaram em Pedra Bonita, para estudar, no colégio interno. Os menores acompanhavam os pais, onde quer que fossem. Nos dias em que era impossível embrenhar mata adentro para fazer a medição da terra, Salomão, o agrimensor, se tornava o professor da fazenda. Dentro de sua casa fez uma sala de aula, com uma pequena biblioteca; e cada vez que alguém vinha da capital, Salomão encomendava livros. Clara, sua esposa, lia lindos romances para aquela gente, depois de todas as tarefas cumpridas, todos, meninos, jovens, adultos e anciãos, todos, sentavam ao redor de Clara, para ouvir suas histórias, lidas a luz de um lampião.

Assim a grande gleba de terras, antes totalmente inabitada, ia aos poucos tomando jeito de corruptela. Vez em quando passava um padre, por isso, construíram uma pequena capela a qual deram o nome de Santa Terezinha, a santa padroeira do lugar. Quando vinha o padre, era uma festa. Batizavam as crianças, se casavam os jovens, rezava missa aos que por ali foram enterrados sem as bênçãos do sacerdote.

Quando vinham os donos, estes sempre traziam junto algum pretenso candidato à política para angariar votos na próxima eleição. Nestas épocas apareciam as novidades, coisas que os nativos e os arrendatários ganhavam como presente dos pretensos políticos. Um dos presentes que chegou, trazido por um desses, foi uma máquina de costurar, daquelas, alemãs, que se colocava encima da mesa e costurava usando uma manivela. Para Pérola, aquilo tinha sido um presente caído dos céus, porque quem cozia toda a roupa daquela gente era, sem dúvida, a sua mão prendada.

Numa destas tais visitas, um político, filho de alta autoridade nacional, caiu de amores pela linda cigana, sem saber de sua origem. Qualquer homem caía de amores por ela. Queria levá-la para completar seus estudos na capital. Este lhe prometeu mundos e fundos, mas Pérola, consciente de seus deveres queria continuar na fazenda, dando de si o melhor que pudesse, e, é claro, seu amor estava prometido a Aniceto, que embora ainda não estivesse bem definido em sua cabeça, era um compromisso que queria cumprir em memória de seu povo.

Às vezes, quando sozinha, se punha a questionar como seria sua vida se toda aquela tragédia não tivesse mudado o rumo, chorava e implorava ao Deus que conhecia dentro de si mesma uma resposta para tudo aquilo e um caminho verdadeiro para percorrer. Ah! As armadilhas do destino.Quem pode contra elas?

Quase quinze anos haviam passado, desde aquele dia em que reuniram todos da Fazenda dos Ipês e imediações e foram desbravar esta nova terra. Quanta coisa se passou desde então. As crianças que foram levadas nos braços de seus jovens pais, hoje, são adultos, haja vista o enorme amadurecimento que se dá quando se enfrenta tantas pelejas. Os jovens recém casados, que enfrentaram a viagem, sonhando construir um mundo melhor para seus filhos, agora, estavam envelhecendo sem ter certeza desta verdade e os que estavam já envelhecidos pela árdua vida trabalhando para senhores de muitos engenhos, também estavam cada dia mais velhos, alguns até nem ali mais estavam. Plena certeza, eram homens livres.

Para falar a verdade, até então, ninguém havia recebido o tão sonhado documento de posse das terras. Tudo seguia em promessas. As glebas estavam divididas. Cada uma das famílias tinha a sua, algumas famílias acabaram tomando posse de mais de uma gleba, fruto de muito trabalho, boas colheitas e boa sorte. Fulgêncio tinha sido um deles, pois possuía muitos filhos e noras, e todos eram muito trabalhadores. Conseguiram cercar uma bela parte da fazenda, onde transformaram em terras produtivas, grandes moradias, criação de gado, bovino, eqüino e suíno sem dizer na grande criação de galinhas que possuíam. Deus estava cuidando daquela gente. O pouco que cada um sabia, foram ensinando uns aos outros e muito depressa quem não sabia nada já tinha aprendido a ler, escrever, costurar e outras artes mais.

Nas entressafras, quando o trabalho diminuía, os homens iam para a olaria e dedicavam-se à fabricação de tijolos, que eram muito bem aceitos na cidade de Pedra Bonita, a mais próxima. Também comerciavam fumos, que ali plantado havia dado boa safra, sem falar no arroz que então se notou ser de primeira qualidade e disputado por todos os grandes comerciantes da capital. Pérola estava moça feita, pronta para se casar. Fulgêncio e Amália, já velhos, queriam ver mais este compromisso realizado antes de sua morte. Aniceto era homem de bem, sabia fazer de tudo, estava pronto também para constituir sua família, só havia ali um único entrave. Como casar os dois ciganos se nenhum e nem outro tinha qualquer documento de suas natalidades? Como leva-luz à Igreja, obrigatoriedade da época, para as núpcias? A vida das crianças tinha ficado em segredo, durante todo este tempo, mas agora, todos tomariam conhecimento de quem eram eles. Que fazer? Contar? E se os maldosos donos da Fazenda Olhos d´água ficassem sabendo e resolvessem terminar a tarefa que ficara mal feita? Todos temiam os ciganos e espalhavam mil lendas de horror sobre a índole deste povo, e cada vez mais a discriminação era cruel contra essa gente. Seu Fulgêncio pensava, pensava e não via saída. Como ele havia sofrido na carne o peso das leis que nunca os protegeram, não confiava muito nem nas leis e nem na Igreja. Temia pela vida daqueles jovens que eram quase seus filhos.

Os pais de Pérola se chamavam Nestor e Zenaide Romero e os pais de Aniceto se chamavam Oriun e Alkymena Solares, isso sabiam Fulgêncio e Amália, mas como localizar o registro civil deles? E se não tinham? Porque possivelmente não teriam. Mas como registrar os dois ciganos, sem o nome dos pais? Bem que poderiam registrar como seus filhos e lá onde viviam e eram tão respeitados, isso não seria nada difícil, assim, depois de muito pensar e discutir entre família, acabaram por resolver fazer o registro dos moços, embora fossem brancos e de olhos verdes e tivessem um leve sotaque espanhol. No cartório tentaram embargar o registro, claro era coisa fora da lei, mas com um bom dinheiro encima da mesa, e um tabelião avarento, não foi difícil convencê-lo. Daí em diante tinham que fazer o casamento de Pérola e Aniceto, para que pudessem seguir suas vidas e formarem a nova família de ciganos sertanejos.

Os pais adotivos fizeram uma festa inesquecível. Assim, tudo na vida dos dois foi inesquecível, desde que se separaram de tudo que eram suas raízes e recomeçaram a viver na companhia dos tão queridos pais por adoção. Aniceto cada dia mais se mostrava digno de ser um chefe de família. Trabalhador e honesto, respeitava a todos e sabia conduzir a sua própria vida. Na época de seu casamento, começou a fabricar chinelos de couro, aproveitando o couro do gado que era abatido na região, sabia curtir e transformar em arreios, chibatas, calções, muito usados na época, e também passou a fabricar sandálias com final das tiras de couro que sobravam. Depois das sandálias se aventurou na arte de fazer sapatos; estes começaram a serem aceitos pela população das cidades maiores, devido à inteligência e a arte para negócios que vinha crescendo junto com aquele jovem.

Ele fabricava uma partida de sapatos para homens, concretamente, botinas. Antes de sair vendendo na cidade, ele mandava uma semana antes, alguém para contratar meninos da cidade, que pudessem sair de loja em loja, perguntando: Tem botinas do Aniceto? Claro que o dono da loja não tinha. Oferecia outra botina e o menino então dizia: não. Meu pai disse que só serve se forem as botinas do Aniceto. Era a propaganda boca a boca começando a acontecer.

Assim quando Aniceto chegava com sua carga de sandálias e botinas, não sobrava uma sequer. Todos queriam comprar. Junto com a inteligência, a força de trabalho e a sorte, o rapaz foi prosperando na vida, adquirindo força financeira e não tardou muito, já era um fabricante próprio. Sua sapataria ganhava tamanho e fama. Antes que seu terceiro filho nascesse já era um pequeno empresário com mais de vinte funcionários na fabricação de sapatos finos, arreios, calções de couro, capas de chuva e mais alguns moveis que também começara a incluir na sua indústria.

Pérola por sua vez, se encarregou de ser uma perfeita senhora de casa, mãe amorosa, esposa perfeita e também nas horas vagas, professora daquela criançada que cada vez aumentava mais na cidadezinha de Pedra Bonita. Amada e admirada por todos, não faziam parte da sociedade discriminatória do resto de nosso país, que naquela época subjugava as mulheres a condição caseira de donas de casa. Mas ali, embora a história não conte, a revolução feminina já existia, mesmo porque a maioria delas eram ex-escravas alforriadas, que não participavam muito dos conceitos da corte. Ali, uma mulher trabalhar para o sustento da família não era nada de mais.Pelo contrário, eram todas trabalhadoras.

Começava a chegar gente de outras regiões, começou a criar jeito de cidade. Já tinha muitas casas, ruas e até uma praça, que foi doada pelo dono da Fazenda para construir uma capela. Na verdade, a Igreja nunca fora lá construir coisa alguma, quem o fizera, foram os colonos moradores naquele lugar. O lugarejo também recebeu o nome de Pedra Escrita, por causa de uma grande figura rupestre que tem numa pedra que fica dentro do rio, como se fosse uma caverna. Muitas lendas se contavam sobre a tão peculiar pedra. Uns diziam que era escrita de indígenas, outros ousavam dizer que por ali havia passado uma civilização mais adiantada que a nossa, esta conversa não agradava aos padres que sempre rebatiam dizendo ser crendices de quem fantasia muito.

Salomão, o mais culto de todos, sempre contava que no outro lado do mundo havia outra civilização diferente da deles. E que Pérola e Aniceto tinham vindo deste lado do mundo, mas como sua gente acreditava em outros deuses e tinham outros costumes, o povo daqui não a queria por perto.Contrariavam e punha em perigo as ordens da Igreja. Naquele tempo não havia liberdade de crença. Os próprios negros foram obrigados a renunciar as suas crenças ancestrais, sob o peso das chibatas e sob o julgo dos mandatários. Nada ficava muito claro na cabeça dos colonos, era muito difícil entender aquelas coisas.

Tio Salomão, era assim que todos o chamavam, Dona Clara, a querida que sempre acolhia a uns e outros, tantos quantos passassem por sua casa sempre com um sorriso doce e com boa vontade de servir. Seus filhos, que eram doze, todos se formaram homens de bem, doutores. Uma família de bem, que conseguiu viver ali naquele ermo de mundo, sem perder a dignidade e a sabedoria, enriquecendo com suas atitudes e exemplo a nova raça, estava se formando entre eles. Os homens do século vinte. Os que mudariam o mundo, com suas crenças mais humanitárias, com suas revoluções sociais e com seu trabalho. As marcas dolorosas dos tempos difíceis, foram sendo substituídas pelo sucesso da nova vida livre. As pessoas que antes eram discriminadas, foram se misturando aos poucos às classes sociais de elite e acabaram por galgar altos postos de comando, e assim, modificar o rumo da história, da nossa história e da nossa raça.

Isso aconteceu com Aniceto e Pérola, que embora permanecessem lá em Pedra Escrita, até que seus pais adotivos se fossem para a última grande viagem, ali conseguiram ser respeitados, ficaram ricos, e seus filhos foram educados nas melhores escolas da capital, se tornando doutores. Atravessaram o século vinte, presenciando e participando de todas as mudanças do mundo. Morreram já com idade avançada, mas conscientes de haver resgatado a memória de seus ancestrais, deixando uma prole grande e bonita, cujos netos hoje são chefes de Estado, médicos de renome,arquitetos e advogados.

Conheço alguns deles e tenho muita honra de saber de sua história.

Da xenofobia nojenta de então, da discriminação racial, da escravidão negra, de todas as vergonhas que carregamos, do ranço podre que herdamos de outras pátrias, que aqui vieram semear o charco da corrupção, da mentira e da luxúria, surgiu esta raça miscigenada, bonita e forte. Daqueles que quiseram fazer do Brasil seu quintal, onde se enterravam o lixo de suas vidas e culturas deformadas, nascemos, esta geração de gente com alma de gente. Hoje somos um país que abraça a humanidade, que dá sinal verde a quem queira passar, que recebe e cuida e cria todos os povos, num sentimento grande de igualdade e fraternidade, a despeito de tudo que ocorre no mundo a fora, aqui vivemos e nos fortalecemos dentro da consciência livre de que somos uma nação miscigenada e com muito orgulho. Hoje, cem anos depois, aquele sangue desprezado pelos mandatários do país, é o sangue que governa. Hoje quem está no poder, quem comanda a massa, tanto na cultura, como na política ou na riqueza são os mesmos que foram renegados. A força do sofrimento deu o impulso para nossa gente crescer forte.

Sobre o Autor

Ridamar Batista: Escritora e poeta, que atualmente vive na Espanha.

"Nasci numa linda e mágica cidadezinha goiana, chamada Pirenópolis, nome que lhe fora dado por estar aos pés dos Morros dos Pireneus, no planalto central, onde a lua do mês de Julho, festejando a época mais encantadora do ano, é recebida com pompas, sendo apreciada lá de cima do morro, por toda a populaçao de minha cidade natal.

Sou como as cachoeiras de minha terra, desconheço os impecílhos do caminho e às vezes me precipito de grandes alturas, me despedaçando em mil, para reunir-me outra vez e seguir correndo em busca de meus ideais mais sagrados"

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