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MENINO É BICHO INFANTIL, NÉ NÃO?

por Leopoldo Viana Batista Júnior *
publicado em 20/07/2004.

Não lembro exatamente qual a idade. Lembro-me, com bastante clareza, daquele natal na minha cidadezinha brejeira, porque naquele dia percebi que o velho Noel, apesar de estar a me presentear, não era o real presenteador mas, somente, apresentador.

E isso me vem à mente agora com muita fidelidade. Não sei bem o porquê daquela percepção, somente lembro que alguma coisa me dizia que o presente ofertado não havia sido comprado por ele, Noel.

Pois bem, apesar da pouca idade, já me desencantava com essa estória de que alguém dá alguma coisa a outro sem qualquer interesse e induzia, por conseqüência, que assim ocorria, também, com o velhinho de barbas (literalmente) de algodão. A propósito, estava ele vestido muito mais apropriadamente para atuar no time do profano pastoril encarnado - daqueles que aparecem no rabo-da-gata das festas de ruas interioranas e do qual parecia ele o próprio palhaço comandante das umbigadas nas pastorinhas (assunto proibido, comentado pelos meus irmãos mais velhos) - do que mesmo alguém vindo do frio das neves para o calor úmido daquele piemonte do brejo.

Mas, apenas hoje, vejo que poderia estar, de certa forma, enganado. É que a experiência nos vai mostrando que existem muitos noéis na vida, sem necessariamente usarem daquelas espalhafatosas vestes. Mas isso é outra história, para outro dia...

A verdade é que alguns cidadãos, já bem adultos e grandinhos, têm visto, com alguma freqüência, até seres extraterrestres e alguns, mais forte ainda, declaram que foram até mesmo abduzidos. Ora, e por que eu não acreditava no velho Noel? Se nessa terra de nosso senhor ocorre tudo isso e mais alguma coisa, por que um velhinho vindo das neves, nem que fosse da festa das Neves da nossa Capital, não poderia estar em nosso interiorano brejo? Vejam vocês, as minhas fantasias de criança já se dissolviam ou se confundiam. Negava eu a máxima de que menino é bicho infantil?

Todavia, deixando ao lado o bom velhinho, lembro-me, também, de que outra coisa me chamava ainda mais atenção naquele final de tarde: era a alegria que sentia pelo recebimento em si do presente, independentemente de quem o havia oferecido, do seu valor financeiro ou mesmo da sua importância visual, pois que sabia vindo dos meus queridos pais.

Lembro de haver ficado admirado e extremamente feliz com aquele pequeno pacote.

Após o desembrulhar, estava o presente em um saquinho plástico transparente. Em seu interior algumas cartelas de bingo na cor preta e branca, soltas, de madeira, com números em alto relevo e um punhado de pedras numeradas.

Não havia tabuleiro conferente ou globo giratório para misturar as pedras, somente o que acima descrevi.

Pois é, vejam vocês, o mais simples dos jogos de bingo e eu todo feliz. A curiosidade é que esse foi o primeiro presente que lembro realmente haver recebido. E fiquei com ele, preso por uma das mãos, balançando o saco na frente de todo mundo, inocentemente, com a cabeça erguida, passeando na calçada em frente lá de casa, de um lado para outro, provavelmente para que todos compartilhassem da minha alegria e vissem o meu saquinho balançando. Imagino hoje a cena e, atenção, não proponho nenhum trocadilho!

Lembremo-nos, a tempo, repetindo-se, que, para a criança, o custo financeiro do presente pouco valor tem diante da sua representação emocional, né mesmo?

De certo modo, exatamente por menino ser bicho infantil, como diz o filósofo Marques Júnior, lembro-me que alguns colegas pirralhos da vizinhança receberam bolas de futebol e eu, um bingo. As bolas eram daquelas vermelhas amarronzadas. Quando chutadas fortemente, principalmente em ambiente fechado - como uma boa sala -, o estalido mais parecia um tiro de espingarda soca-soca, deixando o ouvido de quem chutava zunindo e o couro do pé quase soltando de tão queimado, e, mesmo assim, estavam eles também muito alegres com o que haviam recebido. Hoje, creio que naquela idade meu pai já havia identificado em mim o jogador “exageradamente grosso” que sempre fui. Ou seria influência de minha mãe, em defesa dos vários biscuit em cima da cristaleira na sala da frente lá de casa?

Menino é mesmo bicho infantil, né não? Apesar de desconfiar do Papai Noel, o que representava a ausência de uma fantasia típica da idade (isso necessita ser estudado analiticamente) estava eu extremamente feliz com um simples bingo presenteado. Bons tempos aqueles.

É natural que ainda hoje fantasio algumas coisas, claro. Mas, acho que meu pragmatismo é bem mais antigo do que pensava, né não?.

Sobre o Autor

Leopoldo Viana Batista Júnior: Cronista.
Autor do Livro: Estrada de Barro para Ladeira de Pedra.
Advogado da CAIXA em João Pessoa/PB.
Professor Universitário e Ex-Conselheiro Estadual da OAB/PB.


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