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O Único Fracasso é Escrever Mal
por Chico Lopes
*
publicado em 04/04/2004.
A primeira - e a mais notável delas - é uma mistura de ignorância crassa com cinismo. O que interessa é se o indíviduo que está ali, na frente, palestrando, é um nome que foi veiculado pela tevê. Se assim for, pouco importa que esteja querendo falar de Literatura ou da psicologia dos caranguejos - o que ele tem que fazer, para o público viciado, é entretê-lo. Se não o conseguir, estará ferrado: a ignorância vai se manifestar em termos de má vontade, gente que se levanta e vai embora como se tivesse sido enganada (palestras desse gênero são, em geral, gratuitas, mas o sujeito se irrita como se tivesse comprado um ingresso) ou, pior, vaias, grossuras, risadas. Se há boa vontade, virão as perguntas - que, por vezes, revelam uma indigência cultural ou uma inocência dolorosa, do tipo: " Como é que faço pra escrever um livro e ficar famoso?".
É terrível isso, porque revela que o sujeito mal ouvia o que o pobre escritor estava tentando dizer: que a profissão é pedreira num Brasil onde o que há, na melhor hipótese, são semi-alfabetizados que detestam ler, e onde mesmo os escritores famosos nada são, em termos de fama, para a grande massa. O que se quer é ficar conhecido, não importando o trabalho que se tenha que fazer: a questão do mérito, do sacrifício, não entra em conta. O sujeito viciado em "Big Brothers" acredita que tudo neste mundo é uma questão de oportunidade. Submete-se à lógica cruel do sistema: acha que precisa fazer alguma coisa para ser uma notoriedade. É toda uma geração de monstros sem cabeça que vem sendo criada, e na base da euforia, como se tudo isso fosse muito natural, quando, na verdade, a perversidade é completa. Querem ser usados, espremidos e jogados no lixo. A humilhação não os intimida. Sair na tevê é tudo.
Ora, ser escritor é bem o contrário de tudo isso. Donde o desânimo que em geral se abate sobre a categoria literária, cada vez mais esmagada pelo mercado.
A arte literária, onde fica?
É tristemente irônico que, conversando por vezes com escritores de alguma fama nacional, a gente se espante com um samba-de-uma-nota-só: a falta de sucesso. Os livros são lançados com esperanças e muito trabalho, muito sacrifício, mas não passam daquele "sucesso de estima" de uma noite de autógrafos com poucos amigos e admiradores, algumas vendas esparsas, mais nada (em geral, o destino da maior parte desses livros é o encalhe doméstico; a uma certa altura, o que o escritor faz é distribuir o que restou lá por cortesia, para diminuir a pilha). Alguns desses escritores simplesmente não percebem que o que desejam é uma impossibilidade, pura e simplesmente: querem ser uma mistura de Kafka com Ana Maria Braga. Querem escrever livros artísticos, "literários", sem concessões, e querem um grande sucesso de vendas, que os leve - para onde? claro: para a tevê, para algum entrevistador pedestre lhes fazer perguntas e destacá-los como personalidades. Aí, não falarão de Kafka, claro, mas de quem sai e de quem entra daquela famosa casa repleta de cretinos lobotomizados. A pressão da idéia de fazer sucesso é tão violenta que não percebem o contra-senso óbvio: escrever bem não é escrever para ser bem-sucedido socialmente. Pode ser exatamente o contrário.
Os escritores que realmente valem alguma coisa estão sempre na galeria dos inconformados, dos "outsiders", dos que incomodam deliberadamente os padrões sociais. Têm o dever de erguer uma voz lúcida contra sandices e venenos vigentes na sociedade. É curioso perceber que essa idéia não é lá muito respeitada - há um desejo desesperado de conformismo, de sucesso a qualquer custo.
A arte literária, ela mesma, onde fica? Pouco se fala disso - fala-se de livros vendidos ou não vendidos, de colegas que venderam mais (donde as eternas ciumeiras e briguinhas estúpidas). Quer dizer: reproduz-se, na tribo literária, a corrida darwiniana de ratos que vige no meio social - importa quem vai chegar primeiro, quem vai vender mais, como, quando moleques, naquelas rodinhas em que já aprendíamos a ser uns machões predadores, apostava-se quem urinava mais longe e quem era dono de uns centímetros a mais.
A vaidade é, na verdade, o pior inimigo dos escritores. E é um inimigo insidioso, porque é pouco reconhecido como inimigo, e, portanto, repelido. Não se repele uma coisa que aparentemente nos afaga tanto. Na procura de holofotes, o sujeito se esquece que a arte é feita lá atrás, no silêncio, na obscuridade, no trabalho sem "personalismos". A grande arte sempre procurou o transpessoal, não a exaltação narcisista de seu fazedor. Nada valemos como pessoas, com nossas predileções bobinhas, nossos signos astrológicos e essas futilidades pelas quais as televisões se interessam. Valemos como artistas, "cavalos" de uma idéia superior, ou nada valemos, e não adianta pensar o contrário. A arte só lucra com o desinteresse, seu ritmo é outro, seu tempo é o da eternidade, não o da circunstância, do momento, que é o território da mídia.
O único fracasso que deve nos perturbar é o de escrever mal. O resto é estupidez ou aquilo contra que o Eclesiastes nos advertiu - "vaidade vã", de que os incautos se lambuzam, como se fosse um doce para lá de delicioso e não o veneno irremediável que é.
Sobre o Autor
Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.Mais Chico Lopes, clique aqui
Francisco Carlos Lopes
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